Com “Bossa Negra”, Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda homenageiam Vinicius e Baden e reúnem amigos em noite célebre


De Caetano Veloso a Beth Carvalho, de Marcelo D2 a Arlindo Cruz, “a dupla faz jus a esses encontros que norteiam a MPB e o samba!”

* Por Bruno Muratori

Como ali só tinha quem gostasse de samba, ninguém ruim da cabeça e muito menos gente doente do pé, já se pode imaginar como foi notável esta noite de segunda-feira (25/8). No Theatro Net Rio, Diogo Nogueira, o sambista bonitãofilho do saudoso João Nogueira, ilustre portelense, se junta com Hamilton de Holanda , músico de responsa, que ficou em evidência na cena da música brasileira em 1995, quando foi considerado o melhor intérprete no II Festival de Choro do Rio de Janeiro, com “Destroçando a Macaxeira”. O motivo do encontro? Celebrar Vinicius de Moraes e Baden Powell com seus afro-sambas em um show chamado “Bossa Negra”.

Os caras têm a tradição no DNA e inspiração não lhes falta. São defensores de um samba ao mesmo tempo autêntico, suburbano carioca e suingado. O saudoso Bezerra da Silva já dizia: “Cada um na sua área, cada macaco no seu galho, cada rei no seu baralho, porque duas fases positivas quando se encontram só dá explosão.” Mas, se pensarmos num estrondo extraordinário, este com certeza é pica das galáxias, usando um jargão que os músicos da boemia adoram. “Malandro é malandro, e mané é mané!” Diogo e Hamilton se encontraram artisticamente em Miami, num show em duo, sem repertório, de improviso. “Deu laço, né?”, conta o primeiro em palhinha jogo-rápido com o HT, após o espetáculo. “Bateu aquela vontade de se encontrar outras vezes, logo surgiu o conceito do ‘Bossa Negra’, foi natural”, conta Hamilton.

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De fato, a expressão musical une os dois amigos. E como a parada não é fraca, tem que ter mesmo disposição: a escalação foi de primeira, sem medo de tomar sete gols e nada de bolada nas costas. Juntou-se o baixista André Vasconcellos e o percussionista Thiago da Serrinha – fina flor do Morro da Serrinha e da tradição do jongo. Vale ressaltar que Hamilton toca no bandolim de 10 cordas (eventualmente violão), André manda bem no contrabaixo e Thiago na percuteria (um naipe incrível de percussões), formando um trio bem diferente, nada jazzístico (como os de piano, baixo e bateria), mas típico da tal bossa negra. E nessa noite de estreia só para convidados, não faltou gente bacana, de Vera Fisher a Caetano Veloso, passando por Arlindo Cruz, Marcelo D2 e grande elenco de convidados, todo mundo naquela vibe de acertar as coisas entre amigos, conferir som bom e dar aquela força aos dois artistas para receberem o público de alma lavada o público nos dias 26 (hoje) e 27 (amanhã).

Num primeiro momento, o repertório revira a tradição com o samba-canção “Risque”, de Ary Barroso, clássico romântico das gafieiras, ou o sambinha “Mundo melhor”, de Pixinguinha e Vinicius de Moraes, gravado por Elza Soares no auge da bossa negra. Faz a ponte entre a década de 1970 de “Mineira”, samba sacudido de João Nogueira e Paulo César Pinheiro dedicado a Clara Nunes, e o sucesso de Beth Carvalho “Samba de Arerê” –Meu samba tem muito axé, quer ver, vem dizer no pé Escute o som do tantã tem samba até de manhã…” Coisa boa, uma parceria de Arlindo Cruz e Xande de Pilares. Arlindo, aliás, representa a Geração Cacique de Ramos e também está presente em “O que é o amor”, parceria com o mais jovem Fred Camacho. Já “Desde que o samba é samba”, clássico de Caetano Veloso, insere o samba na mais profunda tradição negra e ganha de Hamilton e Diogo uma interpretação antológica, mais suingada e ágil que as gravações anteriores.

Outro momento alto dessa ligação com a tradição está no afro-samba inédito de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, “Salamandra”, no qual Diogo dá um show vocal e Hamilton apresenta um solo espetacular. “O cara brinca de tocar, fato!”, manda Digo na lata! O samba, que é da estatura daqueles clássicos da parceria, é construído em letra e música a partir de procedimentos típicos dos afro-sambas: na música a partir de matriz rítmica africana, na letra evocando os poderes mágicos do samba (“Deixa eu cantar meu samba/Pra apagar o fogo/Da paixão fatal/Da mandinga/Do poder da salamandra/Labareda que apaga sem dar nem sinal”…) A magia, portanto, está no ar e as forças da natureza são evocadas ao longo do espetáculo, com Diogo mantendo o figurino branco e o microfone dourado em reverência. Bom, quem é de lá sabe do que se trata. Destaque para Thiaguinho da Serrinha e sua percussão pontuando o conceito, a comunidade de Madureira e Vaz Lobo agradecem: “Bonito, garoto”!

Diogo e Hamilton juntos fazem a plateia viajar em mares profundos, sinergia total no palco e até naqueles momentos de timidez. Percebe-se a generosidade e a amizade que ambos nutrem um pelo outro. O Show passa rápido, jogada acertada ainda mais porque deixa todos com gostinho de “quero mais”, tanto que rolou bis e o teatro vem abaixo a seguir, com muitos aplausos de pé e agradecimentos a todos que contribuíram para o projeto.

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No fim, HT não podia deixar de conferir com a rainha do samba Beth Carvalho suas impressões. “Você é madrinha desses meninos todos, acompanhou o crescimento deles,  como é a emoção de vê-los assim?”, pergunta o repórter? “Fico muito feliz, porque pra mim, o Diogo é maravilhoso e o Hamilton de Holanda um gênio. Tenho o prazer de ter lançado ele praticamente para todo o Brasil. Ele acontecia em Brasília, depois que ele entrou no meu DVD e que eu falei dele, a coisa explodiu, graças a Deus merecidamente! Você viu que trabalho bonito, esse ‘Bossa Negra’? O Diogo está cantando muitíssimo bem e o nosso André Vasconcelos o Thiago estão sensacionais”, rasga seda a sambista.

Surpresa da noite foi esbarrar com Altay Veloso, figura reticente a badalos. HT pergunta: “Altay, como vê toda essa responsabilidade em cena dessa dupla?” Ele vai direto ao ponto: “É uma grande ousadia, tanto da dupla quanto desse quarteto no palco, que coisa impressionante! São craques! Vemos de cara que é aquilo possível fazer com a música, um negócio de uma batucada fantástica. Tudo tem a ver com esperança, já que percebemos que tudo aquilo é possível.  Que orgulho de fazer parte dessa tribo”. O repórter quer saber o que poderia servir de inspiração para a molecada, e o artista não se faz de rogado: “É possível estimular essa molecada! Diogo e Hamilton fazem essa ponte, havia um hiato entre gerações que é agora recuperado, e  penso que os deuses do samba vão dar aquela catucada na garotada. Bom ver o Diogo, o que ele avançou e vai avançar muito mais. Saio pouco de casa, mas saí hoje porque tinha a certeza!”

Nesse meio tempo, que passa ao lado é Arlindo Cruz. Na lata, HT pergunta: “Como é ver os amigos nessa onda?” Simpático, ele embarca: “Ah, a gente é parceiro, amigo de muito tempo, vi o Diogo novinho chegando no pedaço, acompanhei todo esse processo. Agora ele já amadureceu e se juntou com o meu vizinho, porque o Hamilton mora agora no meu prédio, rsrsrs! A gente tem se encontrado, feito música. Um show lindo, esse!”, se desmancha. “E os deuses do samba, Arlindo, estão contentes?” Ele arregala os olhos e diz? “Muito contentes!”, como se ele também fizesse parte dessa divindade.

Enquanto isso, tentando dar conta dos múltiplos pedidos de selfie, Caetano Veloso recebe a entidade afro que a noite pede e, com toda a sua baianidade nagô, dispara doce, mas firme: “Foi muito bom, adorei! Os deram conta do recado, impressionaram. E esse bandolim do Hamilton é de tirar o fôlego.” Marcelo D2 também aprova o show: “Cara, é sensacional! Acho que a gente precisava disso, ainda precisamos de muito mais, é bonito mesmo; Bacana ver esses dois talentos juntos assim, dividindo o palco. Uma coragem largarem a carreia solo pra fazer isso pra gente. A MPB não vive sem  encontros assim.”

Informações: http://www.theatronetrio.com.br/

* Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos toucinhos do céu, um vício. Agora, de volta ao Rio, faz a exata ponte entre o pastel de Belém e a manjubinha