‘Malos valores’: desembarcamos em Buenos Aires e constatamos que foi o tempo em que se tratava de uma cidade econômica para turistas


Apesar das dores no bolso, e não só dos turistas, a cidade segue fervendo, com atrações imperdíveis e velhos clássicos

Fazia uns quatro anos que eu não ia a Buenos Aires. Uma das minha cidades favoritas no mundo, a preferida dos brasileiros com orçamento apertado, mas ávidos por viagens internacionais, terra do tango, do doce de leite, da carne, do vinho e das baladas que começam na madrugada e vão até bem depois que o sol nasce. Mas pós-crise política, econômica, da confusão com os títulos podres, da entressafra agrícola, da mudança de rumos na Casa Rosada, a retomada do neoliberalismo, e tudo o mais, parece que muita coisa se transformou, apesar de a cidade continuar linda e, fisicamente, do mesmo jeito que deixei na lembrança não muito longínqua.

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Agora, os voos vindos do Brasil chegam, em sua grande maioria, no Aeroparque, aeroporto bem mais central que o irmão distante (bem distante) Ezeiza. O trajeto aéreo de ida e o da volta, aliás, estavam bem vazios, um primeiro sinal de que o turismo já não é o mesmo entre os dois países. O pouso, por sua vez, ganhou mais plasticidade, à beira do Rio da Prata, o mais largo do mundo, e o desembarque mais confusão, já que se trata de um aeroporto bem menor do que o, até então, internacional. A corrida de táxi até o hotel também ficou exponencialmente mais barata, já que você já sai do avião quase no coração da cidade. Por outro lado, o caminho até a Recoleta ou ao centro agora passa por uma via expressa, onde cresceu uma grande favela nas suas margens, que chama a atenção, no mal sentido, para a precariedade de vida de alguns milhares de moradores em uma cidade que já foi uma das mais ricas do planeta. Sim, isso, mesmo. No começo do século 20, quando na Europa queriam dizer que alguém era muito rico, diziam “que fulano era rico como um argentino”.

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Os táxis, aliás, continuam relativamente acessíveis, os carros melhoraram o estado de conservação, mas os taxistas seguem a mesma cartilha da classe. Quase sempre mal humorados e pouco afeito a gentilezas. Agora que Uber está tentando chegar à cidade, é comum ver na lataria de quase todos os veículos oficiais um adesivo de “Fuera Uber”. A briga, pelo visto, vai longe por lá. E parece que o humor ainda vai piorar, já que a gasolina foi reajustada em 10% este mês. E se a ideia for pegar o transporte público, também se prepare para pagar mais caro. Mauricio Macri, o novo presidente, já avisou que as passagens que já foram reajustadas este ano em 100%, vão aumentar ainda mais em junho. O metrô, por exemplo, que hoje custa 4,50 pesos vai passar para – pasmem – 7,50.

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Os hotéis, em geral, continuam baratos e razoavelmente confortáveis. O que fiquei, por exemplo, da rede OWN, mais especificamente o da Recoleta, custa a partir de R$140,00, com café da manhã honesto e bem servido. Os outros da mesma categoria medianos, como os da rede Ayres, também giram em torno desse valor, com direito a cozinha no quarto para temporadas maiores e mais confortáveis. Mas as barganhas param por aí. Compras em Buenos Aires? Esqueça. A mesma calça que é vendida na Zara do Shopping Leblon por R$199, na Zara do Patio Bullrich custa, ao fazer a conversão, R$399. Uma camisetinha simples da Rapsódia, espécie de Farm portenha, não sai por menos de R$200. E assim por diante. Se quem converte não se diverte é a máxima, se não converter é capaz de pagar muito por quase nada. Então, a calculadora do celular deve ser a sua melhor amiga nas investidas por Buenos Aires.

Os restaurantes, que também já foram bem baratos, hoje estão pela hora da morte. O Juana M., um dos meus favoritos em Buenos Aires, onde eu sempre gastava cerca de R$50 com direito a entrada, prato principal, sobremesa e taça de vinho, agora não sai por menos de R$150 por pessoa (sem a taça de vinho). No superrequintado e delicioso Cabaña Las Lilas, do mesmo grupo do brasileiro Rubaiyat, em Puerto Madero, a conta foi um tanto mais salgada: R$500 para duas pessoas.

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Mas para não dizer que não falei de flores, qualquer ida a Buenos Aires tem muitas delícias. Os sorvetes de cada esquina, o almoço de domingo no Gardiner, o restaurante mais bem frequentado de Buenos Aires, à beira do Rio, com atendimento impecável e parrilhas maravilhosas; o passeio por Palermo SoHo no sábado à tarde; por San Telmo no domingo; o novíssimo shopping outlet ao ar livre Distrito Arcos; o espetáculo que mistura música, teatro e acrobacias Fuerza Bruta, que segue em turnê com cinco apresentações semanais; e o show de Tango do Café de los Angelitos que conheci nesta temporada, administrado pela turma do Hotel Faena, e que custa bem menos do que o irmão rico, o Rojo Tango. Enquanto o exclusivo show que acontece no hotel sai por 250 dólares, o Café de los Angelitos, com transporte e jantar decente, sai por 80 dólares. Foi minha estreia em um show de tango – por puro preconceito anterior – e recomendo fortemente.

Buenos Aires, mesmo sem ser o paraíso do turismo barato que já foi, segue, sempre, sendo uma boa ideia.