Natacha Fink reinventa a comida regional em seu Espírito Santa e diz: “Os brasileiros do Sul e Sudeste não conhecem mesmo o país”


A chef comanda a casa há 10 anos e sabe da importância de manter os produtos típicos: “Temos comidas da Amazônia, do rio negro, de comunidades indígenas e sabemos o quão importante é que cheguem no grande mercado gastronômico. Sabemos o beneficio que traz para quem trabalha na terra”

Em uma época em que restaurantes japoneses inauguram a cada esquina da cidade, árabes e italianos se espalham e o americano Subway é a maior franquia do mundo, é difícil e ousado abrir as portas de um restaurante de comida regional amazonense. Confiante, Natacha Fink mergulhou nessa empreitada e, dez anos depois de estrear o Espírito Santa, no bairro boêmio de Santa Teresa, colhe os frutos do sucesso, mas ainda com os olhos bem abertos – típicos de quem sabe que o desafio é diário. “Existe muito desconhecimento por parte das pessoas em geral. Os brasileiros do Sul e Sudeste não conhecem mesmo o país. A tendência de colocar a diversidade da metade do país para cima no mesmo saco é muito forte. Acho absurdo juntar Nordeste e Norte, cada um com sua diversidade, e fazer um bolo só. Mesmo na Amazônia existem regiões culturais diferentes. Isso realmente é uma questão delicada. Vamos respeitar a divisão regional oficial do país! Como temos restaurante de comida mineira, baiana, por que não podemos ter restaurante de comida amazonense, de cozinha do sertão? Acho importante trabalhar em cima da diversidade brasileira. Não só pela divisão política, mas cultural”, defendeu ela.

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Natacha Fink é dona e chef do Espírito Santa (Foto: Divulgação)

E Natacha sabe o que diz: “A questão é uma grande reestruturação do pensamento, da forma como o brasileiro vê o país. É como as pessoas são informadas desde a escola e na própria mídia. Grande parte das premiações que ocorrem dentro da gastronomia, por exemplo, não consideram a cozinha brasileira como categoria, é absurdo. Tem asiático, francês e não tem regional”, lamentou, emendando que as cozinhas regionais são tratadas com um certo preconceito: “É como se fosse um estigma, como se não tivesse trabalhando em uma grande cozinha do mundo. Sinto muito isso na pele e trabalho para mudar esse pensamento. As pessoas não conhecem, então não se importam tanto. Não fazem questão de entender. Quando faço eventos para formadores de opinião, por exemplo, sinto surpresa positiva das pessoas com os ingredientes. Isso é do Brasil, gente, logo ali”, disse.

Jornalista por formação, a manauara Natacha tem experiência como professora universitária e, durante a produção de um documentário, se apaixonou pela gastronomia e largou tudo para se dedicar à cozinha. “Eu tinha aproximação forte, mas nunca me imaginei como profissional da área de gastronomia. Fui para o jornalismo como primeira profissão, gostei muito de dar aula, fiz mestrado, concurso, e, além disso, tinha a minha produtora de conteúdo. Trabalhando em um projeto com a TV Cultura – a TV educativa do Amazonas – me aproximei muito da gastronomia e vi que queria mais disso. Abri um pequeno negócio junto com uma amiga e virou uma coisa tão importante na vida que eu não me imaginava fazendo nada além disso. Sai da sociedade da produtora, pedi demissão da universidade, todo mundo me achava maluca mas não me arrependo. Fui trabalhar na Casa dos Sabores, no Rio, que eu já era sócia, mas não tinha atuado. Meus irmãos tocavam o projeto. Nisso, surgiu o primeiro curso de gastronomia, o da Estácio de Sá e eu fiz. Além disso, sempre viajava, fazia cursinhos fora”, lembrou.

O Espírito Santa surgiu daí. “E virou meu principal negócio. Quando comecei a pesquisar o mercado, ainda dentro da Casa dos Sabores, entendi que o carioca, principalmente da Zona Sul, não estava preparado para aceitar um restaurante com a minha proposta. O estrangeiro ia me enxergar. Achei que Santa Teresa, um bairro com população estrangeira alta, seria ideal. Quem vem escrever sobre Santa Teresa ou pesquisar, ou visitar, tem olhar diferente, aberto a novidades. A aposta foi essa. Colocar o Espírito Santa lá como forma de ser vista. O restaurante, em menos de um ano, começou a ser incluído em guias internacionais, revistas de segmento turístico”, disse. E ela não pretende abrir filiais! “Olha, o Espírito Santa para mim é único. Recebo propostas de abrir até fora do Brasil, mas esse restaurante, desse jeito, só vai existir um. Até por que ele é o espírito de Santa Teresa. Mas tenho outros projetos”, adiantou.

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O Espírito Santa em Santa Teresa (Foto: Reprodução)

Como boa jornalista, Natacha não deixa a comunicação de seu Espírito Santa a desejar. “Tenho a necessidade de me comunicar com o público. Não consigo imaginar uma empresa sem esse canal direto. É muito importante. As redes sociais são fundamentais, as pessoas buscam tudo na internet. Achei que precisava ter esse lado bem tratado e ainda estou no processo e tenho muitos planos, mas não consegui implementar todos. Tenho uma boa assessoria de imprensa, de mídias sociais, começamos a organizar o audiovisual dentro da empresa. É um processo. Temos metas a cumprir. Eu realmente gosto da possibilidade de interagir direto com o público, de as pessoas poderem encontrar algo mais além de um cardápio chapado na internet”, defendeu.

A reestruturação do cardápio a cada três ou quatro meses também faz parte da identidade da casa. Nessa temporada, a chef Natacha preparou pratos como o “Encontro das águas”, um espetinho com frutos do mar grelhados, servidos com chutney picante de bacuri, o “Janauacá”, uma salada semolina com legumes da horta e pintado em crosta de gergelim, servida com vinagrete de frutas cítricas e até opções para os vegetarianos, como o “Magé”, que é palmito fresco de pupunha de Magé cortado em fios e salteado com pesto de coentro e jambu, cogumelos e tomatinhos cereja confitados. E tem muito mais. “Eu mudo sempre. O cardápio básico eu faço de três a quatro vezes por ano, por conta da questão sazonal. O menu degustação, que sirvo somente no Desnível, que tem um ano e pouco, eu mudo a cada dois messes. Excepcionalmente esse ano que criei para comemorar o aniversár0io. Ele está sendo muito procurado, então estou mantendo por mais tempo. Pela primeira vez, vou ficar seis meses com ele”, disse.

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O espaço Desnível de degustações especiais (Foto: Reprodução)

Natacha não nega: trabalhar com ingredientes como erva mate, cará, tucupi, acaçá, cupuaçu e tantos outros que não fazem parte do paladar popular despertou medo. “Quando eu abri o Espírito Santa, tinha receio da reação, principalmente dos brasileiros. Com os estrangeiros não tinha muito medo. Fui aos poucos, ousei até certo ponto e guardava cartas para depois. Quando mudava algo no cardápio, eu ia me aproximando mais do meu objetivo, do projeto, do conceito do restaurante. De vez em quando ainda esbarro em algo que tento e não dá. Sinto que há dificuldade e reformulo. Estou aberta. A cozinha, como toda forma de expressão artística, a gente coloca algo para fora e espera a reação do público, que pode ser boa ou ruim. Faz parte do processo, vamos dialogando, ajustando, encontrando o caminho. Vamos criando banco e histórico de experiências e tomando decisões cada vez mais amparadas. Eu tenho no menu degustação formigas, por exemplo, que são especiais, um produto que veio de longe, que tenho orgulho. Mas ontem tive um grupo de dez pessoas e três delas ficaram em pânico com isso. Se eu coloco isso fora do menu degustação, será que o público está preparado? O desnível é interessante, porque é a oportunidade que eu tenho de experimentar tudo”, explicou ela, ressaltando: “O menu amadurece. É como um espetáculo de teatro que, na estreia, é uma coisa e, um mês depois, é outra. É ensaio, treino, espetáculo e amadurecimento. Tem uma hora que está redondo e perfeito e eu me animo em colocar alguns itens dele no cardápio normal”, contou.

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O trabalho na cozinha local (Foto: Reprodução)

Tratando-se de produtos exóticos, Natacha se preocupa com a origem do que leva à mesa e com a sustentabilidade. “Na verdade, hoje temos a grande preocupação em saber de quem estamos adquirindo produtos. Então, é uma responsabilidade com qualquer coisa que vai ao prato. Quando temos a preocupação de saber quem está criando, pescando, plantando, produzindo, assumimos atitudes socialmente e ambientalmente responsáveis. É um processo. Você se engaja no ciclo e aperfeiçoa cada vez mais. Temos orgulho de alguns produtos que vêm de produtores cooperados, que plantaram redes de produção sustentável desde o cultivo até a entrega. Temos coisas da Amazônia, do rio negro, de comunidades indígenas e sabemos o quão importante é que cheguem no grande mercado gastronômico. Sabemos o beneficio que traz para quem trabalha na terra. É fundamental. Na verdade, quando uma casa resolve fazer essa mudança, ela consegue ganhos fantásticos não só na qualidade do produto mas nas relações em sociedade com fornecedores. Mexe com muita gente”, explicou.

Serviço:
Rua Almirante Alexandrino, 264. Largo dos Guimarães – Santa Teresa.
Tel: 21-2507-4840.
Horário de Funcionamento: Segunda-feira a domingo, das 12h às 00h.
Capacidade: 120 lugares.
Cartão de débito e crédito: todos.
Site: www.espiritosanta.com.br