“Sexo e as Negas” nem estreou e já começou a incomodar internautas. Miguel Falabella recorreu ao Facebook para comentar o assunto


O autor faz anúncio oficial e é obrigado a defender seu ponto de vista sobre programa que é “levemente” inspirado em “Sex And The City”, mas se passa em uma comunidade carente

*Por Júnior de Paula

A nova investida televisiva de Miguel Falabella, o seriado “Sexo e as Negas”, ainda nem estreou e já está dando o que falar. O programa, inspirado levemente em “Sex And The City”, substituirá as nova-iorquinas que adoravam falar sobre sexo, fazer compras e dividir uns bons drinques em Manhattan, por quatro protagonistas negras, moradoras de uma comunidade e que vivem debatendo alguns dos mesmos temas abordados por Carrie e sua trupe. Mas, foi só começar a ser veiculada a chamada para a série, que alguns questionamentos por parte da comunidade negra brasileira surgiram em uma enxurrada de insatisfações.

Alguns criticam a reafirmação do estereótipo hipersexualizado das mulheres negras, outros o fato de as protagonistas serem quatro moradoras de uma favela, e não mulheres bem sucedidas que poderiam mostrar um novo posicionamento em relação à representatividade dos negros na TV. Há ainda quem defenda Miguel, dizendo que ele tem todo o direito de abordar o tema e escolher suas personagens da forma que quiser. Em meio a todo esse tiroteio verbal, o próprio autor se posicionou em sua página oficial no Facebook, colocando – ou pelo menos tentando – as suas motivações e explicando o seu processo criativo para quem quisesse ler e entender.

Alguns – muitos negros, inclusive – concordam com Falabella, enquanto outros continuam sugerindo até um boicote à série. Tudo, que fique claro, sem ninguém ter tido nenhum tipo de acesso ao conteúdo da produção, que só tem estreia marcada para o dia 16 de setembro e que já promete dar o que falar com as aventuras da operária Tilde (Corina Sabbas), da camareira Zulma (Karin Hills), da costureira Lia (Lilian Valeska), e da cozinheira Soraia (Maria Bia). As quatro, sonhadoras e esperançosas com o futuro, nasceram no mesmo bairro e desenvolveram laços profundos. Na história, há ainda Jesuína (Cláudia Jimenez), a dona de um bar onde funciona informalmente uma pequena “agência de empregos” e onde as amigas se encontram para discutir seus problemas e de onde partem para se aventurar na luta pela sobrevivência, sem nenhum cosmopolitan de consolo.

Para quem ficou curioso, segue o texto de Miguel Falabella sobre a questão:

 “Eu não gosto de polemizar, porque geralmente estou seguro daquilo que faço, mas às vezes o silêncio pode se voltar contra nós. Está havendo uma polêmica, aparentemente, sobre Sexo e as Negas. Vamos a ela, então! Comecemos com a gênese do programa: Estávamos nós, há alguns anos, numa feijoada, na Cidade Alta de Cordovil. Karin Hils estava comigo. E havia uma negra maravilhosa, montada, curvilínea e muito sexy, que me disse que cada vez que botava cabelo, dormia três dias “no pique-esconde” (eu usei isso em Pé na Cova). Daí, já não me lembro mais porquê, a conversa descambou e acabamos em Sex and the City, porque algumas pessoas da festa eram fãs do programa. Eu disse: ‘A gente bem que podia fazer um “Sex and the City” aqui na Cidade Alta… “Sexo e as Negas” gritou a negra deslumbrante, substituindo o S do artigo pelo R, como é usual no falar carioca. Todo mundo teve um acesso de riso e eu fiquei com aquilo na cabeça.

Estou nessa profissão há muitos anos. Não consigo confessar quantos. Tenho feito grandes amigos, tenho construído laços de afeto e respeito e costumo estabelecer com aqueles que trabalham comigo, laços de amor. Portanto, dói-me ver a luta de meus colegas negros na nossa profissão. As oportunidades são reduzidas, não trabalham sempre e, sem exercício, não há aprendizado, como sabemos. Pensei que aquela ideia, surgida numa feijoada, na Cidade Alta de Cordovil, pudesse ser um programa que refletisse um pouco a dura vida daquelas pessoas, além de empregar e trazer para o protagonismo mais atores negros. Basicamente, foi essa a ideia e nem achei que iriam aceitar o programa.

Qual é o problema, afinal? É o sexo? São as negas? As negas, volto a explicar, é uma questão de prosódia. Os baianos arrastam a língua e dizem meu nego, os cariocas arrastam a língua e devoram os S. Se é o sexo, por que as americanas brancas têm direito ao sexo e as negras não? Que caretice é essa? O problema é porque elas são de comunidade? Alguém pode imaginar Spike Lee dirigindo seus filmes fora do seu universo? Que bobagem é essa? Pois é justamente sobre isso que a série quer falar! Sobre guetos, sobre cotas, sobre mitos! Destrinchá-los na medida do possível! Os mitos e lendas que nos são enfiados goela abaixo a vida toda. Da negra fogosa, do negro de pau grande, das mazelas que os anos de colônia extrativista e escravocrata deixaram crescer entre nós. Como é que saem por aí pedindo boicote ao programa, como os antigos capitães do mato que perseguiam seus irmãos fugidos? O negro mais uma vez volta as costas ao negro. Que espécie de pensamento é esse? Não sei o que é mais assustador. Se o pré-julgamento ou se a falta de humor. Ambos são graves de qualquer maneira. Como é que se tem a pachorra de falar de preconceito, quando pré-julgam e formam imediatamente um conceito rancoroso sobre algo que sequer viram? “Sexo e as Negas” não tem nada de preconceito. Fala da luta de quatro mulheres que sonham, que buscam um amor ideal. Elas podiam ser médicas e morar em Ipanema, mas não é esse meu universo na essência, como autor. Não sou Ipanemense. Sou suburbano, cresci com a malandragem nos ouvidos. Portanto, as minhas personagens são camareiras, cozinheiras, indicadoras de mesas, operárias. E desde quando isso diminui alguém? São negras, são pobres, mas cheias de fantasia e de amor. São lúdicas! E sobrevivem graças ao humor. Seres humanos. Reais. Com direito a uma vida digna e muito… Mas MUITO sexo! Vai dizer agora que eu sou racista? Ah! Nega…Dá um tempo… Dito isso, faço como Truman Capote: never complain e never explain! (Nunca reclame e nunca explique).”

E você, o que acha?

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura