No ar em novela, em cartaz no teatro e com seis filmes para lançar, Caco Ciocler defende ideia da importância da arte na sociedade: “Cultura não é para distrair”


Além da crise geral pelo qual o Brasil está passando, o ator também acredita que a classe artística esteja vivendo tempos de reflexão. “A gente não sabe mais o que chamar de arte, artista, movimento de transformação, sucesso de bilheteria. Na minha opinião, nós confundimos todas essas questões e nos transformamos em vítimas da lei do mercado”

“Em meio ao colorido intenso dos outros personagens, eu acho que o Peter traz uma tonalidade suave para a história”. É assim que Caco Ciocler caracteriza o médico atencioso e republicano que interpreta em “Novo Mundo”. Apaixonado pela profissão e com um histórico de sacrifícios pessoais pela cura de seus pacientes, o doutor Peter da novela das 18h da Globo traz para a trama que narra a história do Brasil a crença no respeito e na bondade das pessoas. “Ele é um estrangeiro que está aqui, mas não tem a ginga do brasileiro, e que dedica sua vida a cuidar do próximo. Eu acho que o Peter traz um ar mais humanista para a história e menos mesquinho. Isso também está relacionado ao fato de ele ser republicano e acreditar no conceito de democracia antes mesmo que ela existisse no nosso país”, explicou.

E essa doçura e atenção no cuidado com as pessoas tem transgredido a tela, como Caco Ciocler contou. Segundo ele, todo personagem traz um novo ensinamento para o ator e, neste caso, não foi diferente. Com o Peter de “Novo Mundo”, o ator destacou justamente esse comportamento atencioso do médico. “Nessa novela, eu tenho aprendido muito com a bondade e a correção do meu personagem. Em uma história com tantos piratas, brigas de espadas e heróis, eu acho que o Peter é o contraponto disso tudo. Ele traz a pureza e a crença a igualdade e no outro. Para mim, hoje em dia, a maior revolução é você conseguir continuar humano e acreditando na bondade das pessoas. O resto já é mais fácil e muito mais sedutor”, analisou.

Em “Novo Mundo”, Caco Ciocler interpreta o doutor Peter (Foto: Divulgação/Globo)

Assim como da postura nasceu um aprendizado, a personalidade do doutor Peter também gerou uma bonita história de amor da ficção. Em “Novo Mundo”, a partir de sua posição de médico, o personagem de Caco Ciocler vem construindo uma delicada relação com Amália (Vanessa Gerbelli). “Esse sentimento dos dois foi construído em cima de muito cuidado e também pelo amor dele a sua profissão. A personagem da Vanessa é muito difícil porque ela não tem os pés fincados na realidade. Então, o Peter precisa entrar nesse jogo de confusão entre ficção e realidade para conseguir tratar e, depois, se relacionar com ela”, disse Caco que apontou que esta está sendo a primeira vez que seu personagem de fato está amando. “O sentimento deles não nasceu do fervor da paixão. Começou pela vontade dele de curá-la e cuidar daquela mulher que já tanto sofreu depois de ter perdido o filho”, completou.

Para completar este perfil humano de seu personagem, Caco Ciocler ainda tem uma atmosfera antiga e que resgata hábitos do passado para a dramaturgia. Em “Novo Mundo”, o Brasil é narrado em seus tempos monárquicos, com a regência de Dom Pedro e a presença da realeza portuguesa por aqui. Mas esta não é a primeira vez que Caco Ciocler precisa se descolar no tempo para um trabalho. ao longo de sua carreira, o ator já teve diferentes experiências em novelas que foram ambientadas em diversas épocas. “Eu adoro. Para mim, é até mais fácil fazer uma novela que não seja contemporânea. Eu vejo a profissão do ator como um exercício do ‘faz de conta’ e, no momento que estamos no set, já tem tanto equipamento atrapalhando essa brincadeira, que quanto mais a gente poder viajar melhor. No meu caso, eu prefiro mil vezes chegar e ter um super figurino me esperando a simplesmente trocar minha calça jeans por outra do personagem. Eu acho que a roupa, a maneira de falar, o cenário e tudo o que é externo ao ator sendo de uma outra realidade, deixa nosso trabalho bem mais criativo”, avaliou.

Mas não é só em “Novo Mundo” que Caco Ciocler vem explorando a Medicina. Em “Unidade Básica”, série da Universal Channel, o ator também vestiu jaleco para contar uma história. Porém, no trabalho que estreou no final do ano passado, Caco tinha o panorama recente como pano de fundo. Sem querer fazer uma denúncia ou trazer os problemas da emergência para o enredo, a série apostava nas soluções para o reencaminhamento de uma área tão tradicional. “Diferente de ‘Sob Pressão’, por exemplo, a gente não trabalha em cima da emergência. Pelo contrário. A gente quis mostrar as soluções que resolveriam a situação caótica a proporcionariam um desafogamento nesse atendimento imediato. Então, na série, a gente escolheu falar do ambiente hospitalar através da medicina preventiva, que faz um resgate à figura do médico de família”, explicou o ator que destacou a atualidade do tema no cenário contemporâneo. “Os novos médicos estão saindo das faculdades com uma trajetória muito marcada, com especialização feita e objetivando ganhar muito dinheiro. O que a gente mostra é justamente uma desaceleração disso, que visa destacar a medicina básica”, acrescentou.

No entanto, este não é o único trabalho em formato menor de Caco Ciocler para a televisão. Desde o dia oito do mês passado, a série “Carcereiros” já está disponível no Globo Play, plataforma de streaming da Globo, com a história de um agente prisional. Na trama, Caco tem a missão de ser o contraponto da personalidade humanizada do protagonista, interpretado por Rodrigo Lombardi. Para isso, o ator explorou a violência nas cenas da série. “Foi um trabalho muito especial que me deu a chance de mostrar um outro lado da minha atuação. Eu acho que muito pelo meu jeito fora das câmeras, as pessoas sempre me associam a personagem mais tranquilo, digamos assim. Então, foi muito interessante ser violento e subverter o meu trabalho. Porém, um grande desafio que eu tive nesta série foi mostrar que a violência dele não era gratuita. Ao contrário do protagonista, ele acreditava que no ambiente carcerário ou você bate ou apanha”, destacou Caco que definiu esta intensidade como uma “realidade maluca”. “Os carcereiros vivem em clima de tensão o dia inteiro. O trabalho deles é baseado nisso”, completou.

Além da história do século XIX, Caco Ciocler ainda está presente em duas narrativas da atualidade: “Carcereiros” e “Unidade Básica” (Foto: Divulgação/Globo)

Assim, com o presente como cronologia dos trabalhos, as duas séries levam para o entretenimento questões sérias e reais. Dos jornais para a arte, Caco Ciocler acredita que esta possibilidade de interpretar e mostrar o outro lado da notícia é maravilhoso e agrega ao trabalho do ator o fator prestação de serviço. “Eu vejo a ficção como um bom instrumento para fazer rasgos importantes. A gente tem a possibilidade de usar o humor, a ação e o amor para tocar em feridas abertas pelos noticiários. Em ‘Novo Mundo’, por exemplo, estamos entrando em uma fase em que o personagem mais despreparado se candidata a deputado para conseguir desviar recursos e ficar rico”, contou. Por isso, Caco Ciocler acredita que a arte passe a ocupar um espaço afetivo, enquanto os jornais nos colocam em uma atmosfera mais racional. “A ficção possibilita um envolvimento muito maior e isso faz com que as pessoas se interessem por um assunto e passem e refletir sobre ele de forma mais leve”, disse.

Por falar em notícia, acompanhar os jornais não tem sido uma tarefa fácil para Caco Ciocler e nem para os brasileiros. Com descobertas cada vez mais surpreendentes – ou assustadoras –, o atual panorama nacional tem agitado a sociedade. Na visão de Caco, toda crise pela qual passamos hoje nos coloca em apenas dois caminhos, que cabe a nós decidir qual seguir. “Um, do qual eu não faço parte, enxerga a atual situação como o fim dos tempos e que não há nada que pode ser feito para melhorar. Mas eu vejo que estamos passando por um processo de purificação. Antes, nós vivíamos em uma época em que só tínhamos os jornais para nos informar. Hoje em dia, a internet possui notícias de todos os lugares do mundo na voz de diferentes pessoas e pontos de vista. Com isso, passamos a não tolerar mais erros que eram naturais do passado. Porém, nem todos perceberam isso. As pessoas que estavam acostumadas com a impunidade ainda não perceberam que o mundo mudou e que agora não vamos mais tolerar”, disse Caco Ciocler que contou estar acompanhando a “revelação de um mundo sujo”.

Mesmo assim, Caco Ciocler resiste. A palavra, tão clichê nos debates contemporâneos, vem traduzindo fielmente a posição da classe artística brasileira que, mesmo nesta situação não tem desistido de produzir cultura em nosso país. Exemplo disso, o ator esteve em cartaz no Rio de Janeiro ao lado de Marília Gabriela com a peça “Constelações”. No texto, a física quântica ganha espaço com a possibilidade da existência de mundos paralelos e de novas – e mesmas – oportunidades na vida. “A peça mostra que cada detalhe que escolhemos na vida nos encaminha para um futuro específico. Então, se estamos vivendo isso desta forma hoje, é porque algo do passado nos trouxe a esta situação”, disse Caco que acredita ser o sonho de qualquer pessoa a possibilidade de reviver uma situação e modificar o seu desfecho. “Eu acho que também é por isso que a peça fez tanto sucesso”, supôs.

“Contelações”, com Caco Ciocler e Marília Gabriela, fica em cartaz no Rio até domingo, 30 (Foto: Divulgação/Globo)

Com a visibilidade que possui, Caco Ciocler não foge das campanhas em prol da cultura no panorama atual e foi um dos artistas a aderir ao movimento “Teatro Sim”. Para o ator, hoje, nós estamos vivendo tempos binários em que um lado está anulando o outro. “Não existe mais um respeito e uma aceitação ao diferente. Diferente de quando éramos bipolares, com dois lados, hoje só estamos tolerando um. E, na minha opinião, a arte nasce justamente deste espaço de interseção entre os dois polos”, analisou.

Mas essa dualidade não fica só na esfera da opinião política, por exemplo. De acordo com Caco Ciocler, até mesmo a classe artística está passando por um momento de crise de identidade. “Eu acho que está tudo muito esquisito. A gente não sabe mais o que chamar de arte, artista, movimento de transformação, sucesso de bilheteria. Na minha opinião, nós confundimos todas essas questões e nos transformamos em vítimas da lei do mercado. Agora, que somos vistos como mercadorias, a sociedade está achando que pode nos descartar e nos agredir da forma que vemos sempre. Por isso, eu acho que nós artistas também precisamos fazer uma reflexão interna para entender onde podemos desviar desse contexto e resgatar a função importantíssima que temos. Afinal, cultura não é para distrair. A arte está aqui para nos fazer pensar e oferecer saídas”, argumentou.

Sendo assim, Caco Ciocler acha fôlego para explorar diferentes expressões culturais. Para além da televisão e do teatro que já comentamos por aqui, o ator também está nos cinemas com seis filmes para lançar. “Tem certeza que é isso tudo mesmo?”, se assustou. Sim, Caco. Vamos a lista! Em breve, ele poderá ser visto nos elencos de “Fica mais escuro antes do amanhecer”, “Olho e faca”, “Banquete”, “João Carlos Martins”, “Simonal” e “Bonie e Bonita”. Neste último, Caco Ciocler está passando por uma experiência diferente. “Nós estamos gravando em três partes com intervalos de meses e até anos entre os períodos. Faz parte da história que estamos contando”, sintetizou sem se alongar.

E assim, ele vai acreditando que é possível sobreviver de arte no Brasil. No entanto, para quem busca o ator com 30 anos de carreira, Caco Ciocler tem conselhos diferentes para os artistas. “Na minha opinião, é um privilegio alguém conseguir sobreviver de arte no Brasil. Por isso, quando me pedem ajuda ou conselho, eu sempre sugiro para que, quando a situação apertar, buscar uma outra habilidade para pagar as contas. É melhor manter a arte em uma posição sagrada em nossa vida do que aceitar um trabalho que você não acredite pelo dinheiro. É claro que eu estou falando isso de uma posição cômoda, com uma carreira estabilizada. Mas temos que pensar sempre que a arte é algo maior, uma vocação. E não uma profissão que vai nos deixar rico”, completou o ator Caco Ciocler.