Na cadência de um clássico, Clint Eastwood narra a trajetória rockabilly de Frankie Valli e sua turma em “Jersey Boys”


O longa, que estreia nesta quinta-feira, é a versão cinematográfica de sucesso da Broadway e revela a mão firme do diretor

Nascido em 1934, Francis Stephen Castellucio – cujo alter ego musical tem a alcunha de Frankie Valli – pode não ser conhecido das gerações mais novas, mas sua obra é arroz de festa, sobretudo a celebrada “Can’t take my eyes off you”, presente em inúmeras trilhas sonoras, comerciais de tevê e regravada ou remixada por gente graúda que vai de Gloria Gaynor aos Eurythimics, passando Lauryn Hill, Muse, Frank Sinatra, o ator Heath Ledger  e até a brasileiríssima Anitta. Ou a música-tema de “Grease”, sucesso em plena era disco. No final dos anos 1950 e ao longo da década de sessenta, Frankie Valli & The Four Seasons foi uma banda poderosa na cena pop mundial, que colecionou sucessos e até rivalizou com The Beatles em seu início de carreira, quando emplacava um rockabilly atrás de outro. Essa importante trajetória no cenário do show bizz é prato cheio para o diretor Clint Eastwood (“Menina de Ouro”, “Os Imperdoáveis”), que aproveita a história dos quatro rapazes criados em Nova Jérsey para lançar seu mais recente longa-metragem, “Jersey Boys: em busca da música” (Jersey Boys, Warner Bros, 2014),em cartaz a partir desta quinta-feira, 26.

Amante da música, o cineasta co-produziu o filme junto com Brett Ratner, o próprio Frankie Valli, seu parceiro na banda Bob Gaudio e uma penca de outros nomes poderosos, tudo a partir do livro e roteiro de Marshall Brickman & Rick Elice, que serviram de base para o musical da Broadway que inspirou o filme, com músicas do próprio Gaudio e letras de Bob Crewe, importante figura que participou ativamente na carreira do grupo. O resultado nas telas é um primor, e é visível o dedo firme do diretor.

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Afinal, Eastwood é considerado um realizador neo-clássico, cuja forma de contar histórias sofre a influência dos grandes diretores narrativos dos anos 1930/1940 e, em um enredo como esse, ele encontra um prato cheio. Isso – aliado à importância da sua filmografia e ao fato de ele ser um dos únicos cinco diretores vivos que receberam dois Oscar por seu trabalho ­– já é motivo suficiente para levar o público às salas de exibição, com a curiosidade para ver como o ex-caubói verte para as telas um musical sendo outro atrativo à parte. Mas, formal como sabe ser, ele opta por uma narrativa linear, com pouquíssimos flashbacks e aquele apreço por inserir os números musicais dentro de uma coerência realista, sem devaneios no roteiro.

Naturalmente, seu conservadorismo na hora de filmar, econômico e preciso na hora de dirigir, resvala na questão da adaptação de uma peça da Broadway para o cinema. Pouco afeito a romper o fluxo cronológico com números de dança gratuitos deslocados do ambiente em que eles poderiam ocorrer, ele se faz valer do fato de encenar uma biografia musical para situar as cenas cantadas, sem deixar que elas sobrepujem a narrativa formal, exceto nos créditos finais (imperdíveis, não saia da sala antes da hora!), quando presta um tributo ao original teatral que serviu de base. No âmbito geral, não se trata de uma produção musical, mas de uma biografia musical, um drama com números de canto e dança aqui e acolá, milimetricamente situados.

Por isso, chega a ser curioso, mas coerente, que justo na hora em que o cineasta realiza um quase musical, acabe se prendendo a formalidades narrativas, pois, sendo um diretor que preza a escola de filmar da era de ouro, ele acaba abandonando uma das maiores novidades do cinemão nos anos 1940, quando os trechos musicais – sobretudo a partir de “Modelos” (Cover Girls, de Charles Vidor, com Rita Hayworth, Columbia Pictures, 1943) –  passaram a se situar fora do contexto realista dos palcos e salões de dança, muitas vezes se constituindo em brainstorms que servem para expressar emoções dos personagens ou outras situações.

Apesar disso, o filme é delicioso, e a direção de arte de James J. Murakami e fotografia de Tom Stern, ambos já indicados ao Oscar por “A Troca” (Changeling, de Clint Eastwood, Universal Studios, 2008), evocam o período em que o enredo se passa (nos anos 1950 e início dos 1960), com aquele colorido pastel ou sépia das fotografias dessa era, ou mais intenso depois, conforme a história avança, agora lembrando as gamas fortes dos late sixties, mas desbotadas como nas impressões das capas de revista dessa fase. Para isso, o figurino competente de Deborah Hopper contribui para o efeito pretendido.

John Lloyd Young: o baixinho tem voz de seda comparável à do próprio Frankie Valli (Divulgação)

John Lloyd Young: o baixinho tem voz de seda comparável à do próprio Frankie Valli (Divulgação)

Entre os trunfos da produção, John Lloyd Young bisa o papel que lhe deu rendeu o Tony de ‘Melhor Ator’ na Broadway. Ele canta como ninguém, tem carisma e engole cenas, mas não é o único que traz saborosamente a atmosfera do grupo às telas. Erich Bergen, Michael Lomenda e Vincent Piazza também defendem seus papeis com unhas e dentes, mas é o veterano Christopher Walken, no papel do mafioso Gyp DeCarlo que rouba cena. Cada segundo dele nas tomadas em que aparece já faz valer o ingresso.

Trailer (Divulgação)