Fernanda Montenegro desabafa sobre o fim do MinC: “É uma tragédia! O congresso acha que cultura é coisa de veados”


Atriz, que completa 70 anos de carreira, avalia a atual situação da pasta: “Esse governo interino vai pagar um preço alto por essa pouca visão de um Ministério sempre dotado de um orçamento miserável. A cultura é a base de um país”

Fernanda Montenegro não está nada satisfeita com os rumos que o presidente interino, Michel Temer, tem dado para o nosso país. Assim como boa parte da classe artística, a atriz de 86 anos se diz indignada com o fim do Ministério da Cultura e acredita que a atitude custará caro a Temer. “O fim do Ministério foi uma tragédia. Esse governo interino vai pagar um preço alto por essa pouca visão de um Ministério sempre dotado de um orçamento miserável. A cultura é a base de um país. Esse Congresso aí, de todos os governos, acha que a cultura é uma bobagem, uma frescura, coisa de veados, de alienados… Agora esse governo, até quando ele existir, vai pagar um processo violento e eu estou nesse protesto”, disse a dama do teatro ao HT.

Atriz é totalmente contra a queda da pasta da Cultura (Foto: Divulgação)

Atriz é totalmente contra a queda da pasta da Cultura (Foto: Divulgação)

Ainda questionada sobre o movimento que artistas brasileiros realizaram no 69º Festival de Cinema de Cannes, na França,levantando placas de protesto no tapete vermelho, Fernanda garante que é totalmente a favor de qualquer manifestação que busque melhorias em qualquer setor do nosso país em crise. “Eu acho uma coisa, nós temos o direito, cada um de nós, de ir, detestar, recusar, aceitar, invadir, assumir os espaços culturais e educacionais do Brasil, se não estão satisfeitos. Cada um tem o direito de se manifestar dentro da sua visão existencial, política e ideológica”, enfatiza a atriz, que completa 70 anos de carreira.

Na época em que interpretou a advogada Teresa, de “Babilônia” (2015), Fernanda pode ver de perto como o brasileiro ainda encara com muito preconceito a união entre duas pessoas do mesmo sexo – na trama, sua personagem era casada com Estela, vivida por Nathália Timberg. Agora, ela comemora sua participação na série “Mr. Brau”, protagonizada por Lázaro Ramos e Taís Araújo, na Globo. Na série, a artista será Rosita, milionária falida, atual estelionatária e alcoólatra, mãe do mordomo Gomes (Kiko Mascarenhas).

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Fernanda Montenegro (AgNews)

“A gente está vencendo devagar, né? Eu vim de uma novela como ‘Babilônia’, que tinha dois terços de seu elenco de negros. Ninguém servindo mesa pra ninguém. Eu acho a ‘Babilônia’, uma novela histórica nisso. A advogada era uma menina da comunidade, personagem da querida Sheron Menezzes. Que estudou, trabalhando. A heroína, que era personagem da Camila Pitanga, era uma mulher corajosa. Todos os brancos casando com brancos. E negras com negros. Compreende? Ninguém falou sobre isso da novela ‘Babilônia’. Só comentavam sobre o tal beijo gay das senhorinhas. Eu acho que foi histórico. Querendo avançar dentro desse processo tão pré-conceitual, que é na dramaturgia a titularidade, sem ter que obrigatoriamente ficar na mão do branco”, avaliou.

Confira na íntegra o nosso papo com Fernanda Montenegro.

HT: Taís Araújo revelou que ficou emocionada em contracenar com a senhora. Como você recebe esse carinho?

FM: Pois é! Eu acho que isso é um carinho grande que vem de uma atriz como eu, que tem 70 anos nessa brincadeira. Compreende? Eu agradeço o carinho da Taís. Mas na verdade, é muito mais por eu poder andar e falar (risos).

HT: Taís comentou que todos os envolvidos na série estavam com muito medo de errar em cena com a senhora. Sua filha, Fernanda Torres, gravou na semana passada e comentou que você estava estudando o texto. Como você recebe isso?

FM: Eu tenho uma participação grande. Não é uma cena ou outra. Eu tenho um papel bem importante nesse episódio. Aliás, eu quero agradecer ao Jorge Furtado por essa oportunidade. Ele já me presenteou com a Dona Picucha, do seriado ‘Doce de Mãe’, que foi uma dádiva na minha vida com o personagem. E, agora nesse capítulo do ‘Mister Brau’, ele me arrumou uma personagem também deliciosa. De um humor, de um material pra gente trabalhar com muita alegria. Com muita descontração e felicidade. E, também com um elenco de ouro, que é esse do ‘Mister Brau’. Por exemplo, com o Lázaro Ramos eu já fiz séries, o conheci lá em Salvador, fazendo teatro, tem alguns anos isso. Então, estou em casa. Estou ao lado de meus amigos.

HT: Você pensou em algum momento em não participar da série?

FM: Não! Aceitei de cara. Porque também a gente começa a conhecer as pessoas, os grupos de trabalho, como o grupo do Jorge Furtado, e também com todo o esquema do Guel Arraes (diretor), o tipo de trabalho, o tipo de programas cômicos, de séries e de tudo mais. É muito prazeroso, é muito confortador também.

HT: A senhora iria a um show do Mister Brau?

FM: Eu iria a um show do Mister Brau, sim. Eu tive filho tarde. Então os meus filhos, principalmente o meu filho, Cláudio Torres (diretor e produtor de cinema e publicidade brasileiro), é profundamente ligado ao rock. Então, aquele mundo do Rock, a partir da hora da adolescência do meu filho, aquela jogada do rock de 30 anos atrás, quando os The Rolling Stones eram jovens, isso foi sempre dentro da minha casa. Sei de alguns grupos por ouvir dentro da minha casa. O axé é uma música que parece que veio de Marte (risos). Ele veio da musicalidade brasileira. O axé não é Stone. Isso não é uma batida estranha, gente. Pelo contrário.

 

HT: Com 70 anos de carreira, o que falta?

FM: Meu filho, acordar amanhã e ter fôlego para continuar.