Felipe de Carolis fala da chegada na TV, da ousadia de “Incêndios” e analisa a nova geração: “existe um hiperfoco e valorização da autopromoção social”


Em entrevista exclusiva ao HT, Felipe disse que é “inadmissível” os atores serem “dependentes de editais” e ainda falou sobre como é ter passado pelas três principais frentes de sua profissão

* Com Junior de Paula

Se tivesse abaixado a cabeça para o destino que estava fadado, Felipe de Carolis hoje não seria um dos atores mais especiais de sua geração e não estaria entrando na casa de milhares de brasileiros na pele do modelo Sam, de “Verdades Secretas” (TV Globo). “Sou de uma família tradicional. Por parte de pai, militares. Eu não tinha muita saída. Estudei no Colégio Santo Agostinho [instituição católica de filosofia agostiniana] a vida inteira. Era praticamente impossível me tornar artista dentro da estrutura onde fui educado”. Mas como ele bem disse: praticamente. Foi nas brechas da vida que ele estudou teatro, e ainda assim, muito cedo.

Felipe de Carolis _ divulgação_baixa

q (Foto: Beto Roma/ TV Globo)

Não demorou muito para Felipe passar a ser chamado entre o povo da ribalta de “o queridinho dos musicais” por suas atuações em  “O Despertar da Primavera” e “Beatles num Céu de Diamantes”. Mas ele não queria se acomodar (novamente): tanto fez que conseguiu convencer Marieta Severo e seu namorado, Aderbal Freire-Filho, ela como atriz e ele como diretor, a entrar para a equipe do premiado drama “Incêndios”, história que ele buscou, traduziu, pagou e fez virar realidade. “Eu tenho esta necessidade de conhecer, tentar ser bom, e conquistar novos territórios”, se explicou Felipe. Tudo isso em meio à descoberta de um linfoma, que ele prefere chamar de “susto”. “A minha necessidade era sobreviver àquele turbilhão com a certeza de que se meu tratamento não desse certo ,eu deixaria para o mundo algum legado”, disse.

A entrada em “Verdades Secretas” já veio, digamos, mais fácil: um convite bateu à sua porta. Mas nada que o deixe jogar a toalha. Felipe sabe muito bem os males de sua geração. “Existe um hiperfoco e valorização da autopromoção social que torna os atores auto-divulgadores de seu comportamento. E neste novelo está incutido o tal deslumbramento, quando se faz o que se considera sucesso e o trabalho, as obras acabam ficando de lado”, opinou. Ao contrário de seu personagem na trama, que vive em meio ao mundo das drogas, o carioca, que já se adjetiva como “um senhor”, disse que “tinha que passar direto no colégio, ou sairia do Tablado [escola de teatro do Rio de Janeiro] no ano seguinte”. Com a cabeça sempre no lugar, balada era um lugar que dava espaço às noites em claro escrevendo roteiros.

Nessa entrevista exclusiva para HT, Felipe de Carolis, de quem a gente é fã desde seus primeiros passos no teatro profissional, ainda fala da experiência de ser produtor, da estreia como ator de televisão, cinema e suas mudanças, dos planos para o futuro e até de umas fotos suas, nu, que vazaram na rede. Avante!

HT: Você sempre soube que ia ser ator, já que faz teatro desde muito cedo. Quais suas primeiras lembranças da profissão e como foi parar no palco pela primeira vez?

FC: Você está certo. Desde muito pequeno eu queria ser ator. Mas sou de uma família tradicional de holandeses e italianos. Por parte de pai, militares. Eu não tinha muita saída. Estudei no Colégio Santo Agostinho a vida inteira. Era praticamente impossível me tornar artista dentro da estrutura onde fui educado. Sempre quis fazer curso de teatro, violino, dança, mas a vontade era considerada passageira. Até que um dia, minha irmã, numa apresentação de fim de ano de ballet, começou a dançar no palco, e eu imitando as aspirantes a bailarinas, apreendia e imitava a coreografia no corredor do teatro, atrapalhando a apresentação. Foi um constrangimento para minha família (risos). Por instinto, eu estava rompendo uma barreira e conquistando meu primeiro passo.

HT: Você veio do teatro e se consolidou nos palcos antes de ir fazer televisão… 

FC: Eu estou craque em sofrer bullying (ri). E não estou falando dos de infância não, falo como adulto. Quando parei com o improviso um pouco, para dedicar meus dias, tardes e noites aos grandes musicais, me olharam torto. Tive muito êxito, especialmente com “O Despertar da Primavera”, dirigido pelo Charles Möeller e o Claudio Botelho. Logo depois do “Beatles num Céu de Diamantes”, decidi insistir, doente, no meu sonho de trabalhar com Aderbal (Freire-Filho) e Marieta (Severo), e durante três anos andei sozinho até conseguir o abraço deles, para realizar “Incêndios”. Neste período, as pessoas me falavam “Você é um louco. Agora que conquistou um espaço de queridinho do teatro musical, vai partir pra outra vida?”. Eu tenho esta necessidade de conhecer, tentar ser bom, e conquistar novos territórios. Foi muito duro. Eu trabalho há muitos anos. Recomeçar, deixar um vazio e preencher uma outra lacuna sempre terá suas dores. Tenho uma carreira consistente no teatro. “Incêndios” atingiu a marca de peça mais premiada da década – e se tratava de uma tragédia, no Rio de Janeiro. Confiei muito no que eu acreditei, a vida inteira. Não tive ninguém para “apostar” em mim, então eu mesmo tive que apostar. No próprio “Incêndios”, sofria bullying (risos) dos meus colegas: a cada marca proposta, eles brincavam dizendo “pode entrar cantando, se você se sentir mais confortável” (risos).

Keli Freitas, Marieta Severo e Felipe de Carolis em divulgação da peça "Incêndios"

Keli Freitas, Marieta Severo e Felipe de Carolis em divulgação da peça “Incêndios”

HT: Em “Incêndios”, você foi atrás de colocar essa história para ser contada no Brasil. Comente um pouco desse processo desde o dia que você viu o filme até a estreia no Rio?

FC: “Incêndios” nasce no momento em que a vida me deu um susto chamado linfoma. Eu tinha 20 anos, havia trabalhado com diretores que eu admirava muito, do Jablonski ao Amir Hadad, feito musicais com o Charles e o Claudio, que são os maiores e melhores do país no que diz respeito ao gênero. A minha necessidade era sobreviver àquele turbilhão, com a certeza de que, se meu tratamento não desse certo, eu deixaria para o mundo algum legado, devolveria o mínimo que ganhei, passaria o muito – ou pouco – que aprendi, feito alguma coisa pelo avanço da cena cultural do meu país. Não só como ator ou roteirista. Fui para a prática daquele sonho de mudar a realidade, que na maioria das vezes não passa de um caderno de rascunhos. Eu sou assim, na minha profissão, desde pequeno. Minha família tradicional sempre foi contra uma carreira artística. Ventos soprando a favor eram raros, então precisava provar sozinho que conseguiria. Fui atrás dos direitos, levei para a Angela [Leite Lopes] traduzir, e paguei a peça. Passei dois anos sozinho, levando “nãos” de todos os produtores que procurava para me associar. Até que desisti deles, decidi ir direto na atriz que que eu queria e no diretor dos sonhos, Marieta e Aderbal, respectivamente, que toparam quase imediatamente. Depois, a Maria Siman conseguiu uma brecha na agenda e veio conosco. Somos felizes.

HT: Quais foram os momentos mais emocionantes desta temporada com “Incêndios”? 

FC: Quando Eugenio Barba (diretor e pesquisador italiano) assistiu foi muito emocionante. Era como se eu fosse um coroinha e o Papa tivesse ido me abençoar. Todas as sessões com acessibilidade que fizemos foram muito fortes. Além de ser uma alegria proporcionar, o que já deveria ser lei, para deficientes, a história fala sobre uma família que é rompida pelo silêncio. Eu sou muito apaixonado por pessoas e suas histórias, e escolhemos a dedo as pessoas com as quais iríamos conviver. Falo do elenco com o qual trabalhei. Eles me emocionavam diariamente. O amor pelo ofício é uma das coisas mais emocionantes e estar lado a lado com enormes mestres, dividindo o que eles têm de melhor comigo, era emocionante. Todos os dias.

HT: Como foi a experiência de produzir? Gostou, odiou, quer fazer de novo?

FC: É muito trabalhoso. O início, sozinho, sem ninguém acreditar que o seu projeto é bom, é de uma dor inexplicável. Mas virar a mesa e provar que a sua aposta mudou o panorama teatral da sua cidade, mobilizou milhares de pessoas, recebeu os maiores prêmios, melhores críticas, emocionou de políticos a garimpeiros, é gratificante. Ter a confiança e admiração dos meus colegas, atores que era fã desde criança, da Marieta, do Aderbal. Poder contar com a direção de produção da primeira página, e agora da TEMA, que são minhas parceiras, é emocionante. Olhar para trás e ver que sua aposta é considerada por muitos uma das melhores dos últimos anos não tem preço. Me faz olhar para frente com ainda mais tenacidade, me faz querer ser ainda um agente transformador maior. Uma ferramenta progressivamente mais potente. É um trabalho sem fim e com muitas e infinitas ramificações, mas não pensei sobre o assunto “dificuldade” e continuei. Já estou fazendo de novo.

(Foto: Beto Roma/ TV Globo)

(Foto: Beto Roma/ TV Globo)

HT: De que forma isso te ajudou a encarar a indústria televisiva? 

FC: Muita gente de teatro aponta dedos, envia mensagens e e-mails quando você vai fazer novela. Sim, isto acontece. Alguns colegas mais radicais se dizem desapontados e preocupados por eu ter aceitado o convite que me foi feito pela TV. Mais uma vez, eu vou insistir: eu quero passar a minha vida tentando ser um artista que contribua para a evolução cultural do meu país – ou dos países que eu passar. Que eu contribua para alguma mudança, alguma melhora, e onde os bons personagens me chamarem, eu irei. Onde a arte que propõe mudança ou ampliação de olhar for, eu também estarei. Tenho muito orgulho de estar nesta novela. Eu admiro muito o Mauro Mendonça Filho (diretor de “Verdades Secretas”), tenho certeza de que ele é um dos nomes responsáveis pela manutenção da teledramaturgia brasileira como a melhor do mundo. Walcyr Carrasco é apaixonado pelo que faz. É assim que quero trabalhar sempre. Com os que amam o que fazem.

HT: Como você enxerga a sua geração de atores?

FC: Esta pergunta não pode ser respondida de forma geral. Temos muitos bons representantes das artes cênicas na minha faixa de idade (26 anos). Eu acho que eles precisam ser mais ouvidos. Me preocupo com minha geração. Existe um hiperfoco e valorização da autopromoção social que torna os atores auto divulgadores de seu comportamento, por conseguinte imagem, e neste novelo esta incutido o tal deslumbramento, quando se faz o que se considera sucesso e o trabalho, as obras, acabam ficando de lado. O público acaba colocando a profissão do “ator” no mesmo pacote de outras tantas que nada têm a ver com arte. Eu não gosto muito de fazer comparações porque eu tenho uma história muito específica, chegamos e mantemos nossas carreiras de maneiras diferentes.

HT: Daria algum conselho aos seus contemporâneos?

FC: Não sei aconselhar pessoas de forma diferente àquela pela qual passei: “insista e aprenda tudo que puder”. Não saio aconselhando ou dizendo que sou exemplo porque meu mergulho foi de cabeça num precipício. Os riscos sempre foram enormes, mas quando se quer muito uma coisa, arrisca-se mesmo. Há muitos atores operários vocacionados na minha geração, mas os vejo, depois de formados em artes cênicas, sobrevivendo. Compreende? Eles merecem viver, merecem ser felizes e ter apoio. Não é justo o que vivemos hoje. O ânimo daqueles que não conseguem viabilizar suas peças ou se adequar à companhias, não obtendo êxito para esta sobrevivência, se esvaem e eu vejo diariamente atores talentosíssimos “parando”. Muitos artistas incríveis desistem. Quero ajudar a mudar isso. Me meto no “reage artista”, proponho coisas. Acredito que o nosso novo secretário de cultura [do Rio de Janeiro], Sr. Marcelo Calero, é a pessoa certa para nos ajudar à tamanha adequação, visto que é inadmissível termos de ser dependentes de editais – cada vez menos frutíferos – e não podemos ser reféns de leis que dão brechas para recolhimentos (muito) atrasados, por exemplo. No outro pólo, existe uma fatia envolvida pelo deslumbramento, pela confusão do que é ser ator e o que é ser famoso. Claro que isto existe, não vou falar que não sei. Mas acho que estes não duram.

HT: Você rodou seu primeiro filme recentemente, fazendo com que, agora, você tenha experiência nas três principais áreas do ator…

FC: Eu sempre vou apostar que minha escolha será para contribuir artisticamente para a obra, e para o meu aprendizado e crescimento. Quando você escolhe fazer um filme de dois meses, abdica de uma peça, que ficaria seis meses. Ou quando você escolhe uma peça, você abdica de uma novela, que te tomaria um ano. Eu peso sempre onde eu posso colaborar mais e onde eu posso aprender mais. Sou formado em cinema, estagiei como assistente de direção, fui colaborador de roteiros para séries.

(Foto: Beto Roma/ TV Globo)

(Foto: Beto Roma/ TV Globo)

HT: Qual a diferença do Felipe do teatro para o da TV e, agora, o do cinema?

FC: Há maneiras e maneiras de trabalhar, mas todo aprendizado numa linguagem pode ser levado para a outra. Eu posso te dar inúmeros exemplos de como um ator de musical teria vantagens na hora de repetir takes. O musical te ensina a repetir à perfeição longuíssimas cenas, ou seja, ele tem a consciência corporal e dinâmica da repetição naturalmente. Este ator não dá trabalho nenhum para o continuísta, por exemplo. O ator de teatro tem um controle maior do todo, isto é bom e ruim. Porque não se pode, ou não se deve, controlar o todo no audiovisual. O ator de TV tem mais controle de si, sofre menos pela falta do outro. Ele tem mais facilidade em sair do estúdio de gravação satisfeito se a “parte dele” estiver sido bem executada, porque ele conhece o sistema “mágico” de pós-produção, e sabe que quem resolve o todo não é ele. No teatro, o que acontece no palco, naquele instante, é sempre proporcionado exclusivamente pelos atores.

HT: De que forma cada uma dessas artes influencia na sua forma de construir um personagem e contar uma história?

FC: Meu plano de vida é ser o melhor ator que eu puder, no teatro, no musical, no circo, na televisão e no cinema. Quero aprender muito, e quero respeitar os degraus. No teatro, estou desde os oito anos de idade. Em musicais desde os 15. Mas na TV eu cheguei ontem. Quero ocupar meu espaço, mas calçando o sapato do meu tamanho e priorizando a qualidade – e não a quantidade.

HT: Você recentemente foi envolvido em uma história meio tosca, com uma foto sua nua – tirada em um vestiário de academia – circulando pela internet. Como você reagiu a isso e quais medidas você tomou depois disso?

FC: Foi bastante chato. Denunciei na delegacia de crimes digitais. E um Boletim de Ocorrência na delegacia física.

HT: O Sam de “Verdades Secretas” é um drug dealer e da noite. Você já teve alguma fase de noitada, de se jogar na balada, de experimentar drogas ou sempre foi mais calmo como parece ser?

FC: Eu sou um senhor (ri). Não tive oportunidade de ser adolescente rebelde. Eu tinha que passar direto no colégio, ou sairia do Tablado no ano seguinte. Eu nunca tive ajuda de absolutamente ninguém. Mas ninguém é ninguém mesmo, para conquistar o que conquistei. Quando via, estava passando noites em claro escrevendo roteiros para juntar grana e pagar direitos autorais, ou ensaiando peças até de manhã, indo para festivais com meu cenário na mala, ou fazendo turnês dentro e fora do Brasil. Quando em cartaz com musicais, estava sempre querendo dormir cedo. Vivia maníaco por causa de tantas sessões. Eu sou maníaco. Meus amigos dizem que eu preciso relaxar um pouco, mas é uma mistura de muito amor pelo que faço com a necessidade de ser um agente transformador da realidade da minha geração. Não deu tempo de ser baladeiro. Mas sou apaixonado por música.

HT: Como tem sido repetir a experiência de trabalhar com a Marieta? Como é a sua relação com ela?

FC: Maravilhosa. Eu a amo, respeito e admiro muito. Somos muito parceiros.

HT: Se a sua vida fosse um filme, como seria a primeira cena?

FC: Acho que deveria ter música. Poderia ser “Nature Boy”.

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

HT: Que pergunta você gostaria de responder que não fizemos?

FC: São muitas. E eu sou prolixo. Vou te poupar (ri).

HT: Quais os próximos passos?

FC: Eu sou meio mineirinho, gosto de ir fazendo minhas coisas quietinho, sem anunciar, mas tenho alguns meses de novela e compromissos com “Incêndios”. Tenho muitos compromissos com “Céus”, a incrível nova peça de Wajdi Mouawad. O filme “O escaravelho do diabo”, que estreia perto do Natal em todo Brasil. Estou muito feliz com o trabalho do Milani [diretor] e a Sara Silveira [produtora], eles são primorosos e acertaram em cheio adaptando esta história para as telonas. Volto a cantar já já. Acho que tá bom, né?!