Soropositiva em “Boa Sorte”, Deborah Secco afirma: “É a personagem mais complexa que já vivi. Me fez descobrir a morte!”


Na coletiva do longa dirigido por Carolina Jabor, a atriz que vive Judite – uma paciente em estado terminal que segue o carpe diem com leveza e sinceridade – comenta como o personagem mudou sua forma de encarar a vida!

*Por J0ão Ker

Deborah Secco está a mil, em plena maratona de divulgação do seu novo e já elogiadíssimo longa-metragem “Boa Sorte”, dirigido por Carolina Jabor e baseado no conto “Frontal com Fanta”, de Jorge Furtado. Na história, a atriz vive Judite, uma soropositiva em estado terminal que encontra o adolescente João (João Pedro Zappa) em uma clínica psiquiátrica, onde os dois começam a viver um romance que, ao mesmo tempo em que está fadado a terminar, desperta em ambos sintonia e energia inegáveis.  Nesta tarde de segunda (10/11), a protagonista esteve com a diretora e o co-roteirista Pedro Furtado (filho de Jorge) para explicar à imprensa um pouco mais sobre o filme, que ainda traz Cássia Kiss e Fernanda Montenegro no elenco e chega aos cinemas no próximo dia 20 de novembro.

A atriz vem há meses espalhando pelos quatro ventos e para todos os veículos que esse é o seu papel mais importante. A declaração até soa como mais uma daquelas estratégias de marketing onde o elenco diz considerar seu atual trabalho como o mais significativo da carreira, só para mudar o discurso meses depois, quando estiver promovendo o próximo lançamento. Mas no caso de Deborah, a frase parece mesmo genuína, tanto pela postura com que ela fala da personagem, quanto o brilho que mostra nos olhos, e também pela riqueza de detalhes com que descreve a profusão de sentimentos que foi vivenciando nos períodos de pré-produção, pós e durante as filmagens. “Eu cheguei a pesar 44Kg, 11Kg a menos do que meu peso atual. Por mais de um mês depois de as gravações terem terminado, eu ainda sentia a Judite dentro de mim, a energia dela pulsando. Passei por uma fase de desapego aos prazeres da vida, é como se nada valesse a pena. Acabou que eu fui ao hospital e eles me disseram que eu estava muito apegada à morte”, conta para os jornalistas presentes, terminando a frase com uma gargalhada que soa um pouco mórbida, considerando o peso do que ela havia acabado de falar.

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Muitas vezes, o envolvimento de um artista com o personagem que ele encorpora vai além das horas em que está trabalhando. Principalmente se, como for o caso de Deborah, ele tiver mudado o próprio corpo e semblante para se aproximar mais ainda daquele universo fictício. A própria Natalie Portman, ao comentar sobre o papel que lhe rendeu o Oscar de ‘Melhor Atriz’ por seu trabalho em “Cisne Negro” (“Black Swan”, Darren Aronofsky, 2010), declarou à Entertainment Weekly: “Havia noites quando eu achava que literalmente iria morrer. Foi a primeira vez que eu entendi como você pode se envolver tanto com um personagem a ponto de ele te destruir”. A experiência parece similar à vivida pela atriz brasileira.

Em “Boa Sorte”, a personagem terminal de Deborah não é uma mulher simples, mas é uma mulher fácil. E não no sentido piriguético o qual ela já lhe rendeu diversas performances na TV e no cinema – talvez o melhor exemplo disso seja “Bruna Surfistinha” (Marcus Baldini, 2011) -, mas a partir de uma filosofia de vida onde o inesperado é parte fundamental para a prática diária do carpe diem: “Algo que eu aprendi durante o processo de preparação para esse filme (e que uma paciente com a qual conversei me disse) é que não adianta lutar para viver, nós já nascemos perdendo essa guerra. Eu ficava revoltada, queria salvar a paciente de qualquer forma. Nunca havia pensado na morte! Eu já perdi uma irmã quando eu tinha um ano e meio e ela cinco, então minha mãe sempre mencionava ‘ah, a sua irmã que morreu’ etc. Mas foi com a Judite que eu descobri que vou morrer. E o melhor de tudo é que ela não se deixa abater e não é deprimida por isso, assim como vários pacientes com quem eu conversei. Encontrei uma menina de oito anos que estava tranquila com a doença e perguntei como ela conseguia ficar tão calma diante da situação. Ela me olhou e disse ‘pensa bem, você pode morrer antes de mim’. E é verdade. Eu posso morrer daqui a cinco segundos”, comentou.

Essa noção da fragilidade vital e da não-onipotência do ser humano parece ter provocado mudanças profundas na atriz. “Minha ideia agora é escolher os personagens que eu quero fazer. Procurar grandes histórias e contá-las. Vou acabar trabalhando menos e deixar um saldo menor na conta bancária quando eu morrer. Mas eu vou viver feliz. Aprendi a fazer uma lista de coisas que eu gosto: tomar banho no mar, ir à cachoeira uma vez por semana, ver o que eu quiser na TV, ler mais, aprender mais…”. Em julho, a atriz já havia comentado com HT a transformação que a personagem havia causado: “Foi um trabalho que me modificou muito, me ensinou a encarar a vida de outra maneira. Eu não fico mais ansiosa com o futuro, nem arrependida pelo passado. Eu vivo o meu presente porque é tudo o que eu tenho”, declarou na época.

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Para viver essa mudança, foi necessária um completo abandono dos vícios que a atriz carregava dos anos e anos de profissão: “A disposição que ela teve em se entregar ao personagem e se desconstruir é um sonho para qualquer diretor”, comenta Carolina Jabor. “Eu não queria olhar como eu olhava, falar como eu falava, agir como eu agia. Fiz até um trabalho com uma instrutora de ioga que foi me ensinando a sentir a energia das pessoas, principalmente o desejo, aquela vibração que seu corpo sente antes do toque. Trabalhei todos os chacras e fui aprendendo a entrar na pele da Judite”, completou a atriz. A diretora ainda relembra o porquê de ter escolhido a atriz para o papel: “Eu não sou muito de ligar estereótipos a atores. Mas a personagem pedia uma vibração solar, uma energia e independência que não fizessem dela uma vítima. Eu queria que ela tivesse vida. A paixão e o desejo da Deborah pelo projeto contaram muito. Mais tarde, quando ela fez a leitura do roteiro, foi impressionante. Sem falar no empenho: ela praticamente perdeu aquele peso todo em 20 dias”.

“A Judite era eu. Eu não sabia muito bem o porquê, mas ela precisava me ensinar essas coisas. Eu li o conto na casa do Jorge [Furtado], que é um homem que eu sempre vi como inatingível, de tanto que eu admiro a sua inteligência. Na ocasião, ele me mostrou um quadro e eu fiquei impressionada com o poder da arte, de descobrir a magnitude de como aquilo me deixava melhor e me fazia sentir algo. E isso ficou lincado, na minha cabeça, com a Judite. Quando eu descobri que a Carolina ia fazer o filme, eu disse ‘para tudo que essa personagem é minha!'”, conta rindo. E acabou realmente sendo. Quando chegar aos cinemas, o público verá uma Deborah mais madura na sua profissão e mais ciente do rumo que deve seguir na carreira. É uma personagem forte, que pedia por um atriz de tamanho e poder iguais. Assim como a pessoa fictícia ganhou ao ser trazida à vida por uma pessoa  de talento, a artista também mostra que a ajuda foi mútua. A partir de agora, pode-se esperar trabalhos épicos vindos de Deborah, que se prepara para clamar um posto no meio dramatúrgico que ela já vinha galgando pouco a pouco com o passar dos anos. E, para seguir esse novo caminho, nada melhor do que começar com boa sorte.