Fernando Philbert, diretor da peça “O Corpo da Mulher como Campo de Batalha”, fala sobre violência contra mulher, estupro e aborto


A quarta temporada de ‘O Corpo da Mulher como Campo de Batalha’ entra em cartaz no Teatro Glaucio Gil. Com atuação de Ester Jablonski e Fernanda Nobre, o drama escrito no final dos anos 90 levanta questões atuais do mundo em que vivemos

Sexta-feira, dia 7 de abril estreou a quarta temporada da peça ‘O Corpo da Mulher como Campo de Batalha’, um texto, escrito em 1997, do autor internacionalmente conhecido da Romênia, Matéi Visniec. Já esteve em cartaz no Sesc de Copacabana, Teatro Poeira e Sesc da Tijuca e agora chega ao Teatro Glaucio Gil. Com direção de Fernando Philbert, a história poderia se passar no Rio de Janeiro, mas acontece no pós-guerra da Bósnia nos anos 90. A vida de duas mulheres se cruzam: uma psicóloga americana que é voluntária no país, interpretada por Ester Jablonski, e uma refugiada que carrega um bebê fruto de um estupro, personagem de Fernanda Nobre. Esta última foi indicada ao prêmio Shell por sua atuação impecável na peça. O texto já foi reproduzido nos palcos da Inglaterra, Turquia e Estados Unidos.

“Essa peça trata de temas que, infelizmente, ainda são presentes na nossa sociedade. Como, por exemplo, a discussão sobre a violência contra mulher, sobre o estupro, do aborto. E no meio disso, as duas personagens querem superar essas situações para voltar a ser feliz. O final da peça é sobre o aborto o que faz muita gente sair do teatro debatendo”, explica o diretor Fernando Philbert. A narrativa ainda aborda alguns questões de violência contra a mulher, como estupro. “É um espetáculo que me toca muito. A primeira vez que eu li o texto me impactou muito a forma como Matéi colocou as questões. Anteontem a gente ensaiou e, em alguns momentos, me emocionei. Fico envolvido na história quase como um espectador. Os personagens são muito fortes e as atrizes tem um dever de humanizar essas pessoas e fazem isso perfeitamente. Um crítico, amigo meu, me contou que ao mesmo tempo que queria ver a peça, queria sair correndo porque a pressão era muito grande”, completa Fernando. Juntamente com esta peça, o diretor possui várias produções rodando o país entre elas estão: ‘O topo da montanha’ produzido por Lázaro Ramos, ‘O escândalo Philippe Dussaert’ com Marcos Caruso e ‘Cuidado com as velhinhas carentes e solitárias’ de Matéi Visniec. O site da HT conseguiu uma entrevista exclusiva com o diretor e você confere tudo agora.

As atrizes, Fernanda Nobre e Ester Jablonski com o diretor Fernando Philbert (Foto: Divulgação)

HT: É a quarta temporada desse espetáculo. Por que a equipe resolveu se reunir mais uma vez para atuar neste mesmo roteiro?

FP: Voltamos a exibir essa peça, porque ela é necessária. Esperamos que um dia a gente não precise mais conversar sobre o aborto, estupro e violência contra mulher. Mas, infelizmente, ainda precisamos. Acho que a peça vem em um momento muito propício. Tivemos a #chegadeassédio feito pelas atrizes da rede Globo e compartilhado por todos. E, no espetáculo, temos uma psicóloga que explica como esses assédios acontecem e que, muitas vezes, são feitos por amigos, vizinhos, colegas de trabalhos etc. A pessoa que for assistir ao espetáculo percebe que, ao chegar em casa, vai escutar na televisão o drama que as pessoas na peça estão vivendo. O mundo está passando por uma guerra e, uma coisa que poucos jornais falam e que nós resolvemos citar, é que o estupro é uma estratégia militar para que a etnia do dominador entre na do dominado. Não é apenas uma violência individual. Isso vem desde a Roma antiga. Por exemplo, na guerra da Bósnia nasceram muitos bebês frutos desses casos.

As atrizes, Fernanda Nobre e Ester Jablonski em cena (Foto: Divulgação)

HT: A peça instiga o debate de temas pouco falados na sociedade. Como acontece o desenrolar dessa história de forma a trazer essas pautas?

FP: Falamos sobre uma personagem precisa abandonar o seu país e, em um certo momento, ela afirma que não se vê parte de nenhuma nação. Não é parte do local que a recebeu e também não pertence ao lugar onde viu tantas pessoas morrerem. A atuação é feita por um psicóloga e por uma refugiada da guerra. Duas personagens que enfrentam situações extremas, mas, mesmo assim, vão adiante. O cenário da peça é muito simples. É uma cadeira e um espelho. E este fica virado para a plateia de forma que ela participe das cenas. As pessoas estão refletidas ali.

HT: Na peça é colocado em pauta o feminismo. Qual a reação dos homens ao verem os temas que são debatidos?

FP: Os homens acabam se sentindo incômodos porque é o reflexo das coisas que são ditas para uma mulher. Por isso, acabam se familiarizando. A gente fala do comportamento na guerra, mas este também pode ser visto nos confrontos que acontecem todos os dias no Rio de Janeiro.

(Foto: Divulgação)

HT: Com é, para um diretor, trabalhar em um espetáculo dramático que possui temas tão chocantes e fortes como esses?

FP: É um exercício de troca todo o tempo. Eu preciso entender e me colocar no lugar do outro. Ser essa psicóloga que está trabalhando longe de casa e me tornar um refugiado que precisou abandonar seu país. Tudo isso também, é uma troca coletiva com a equipe. A partir de uma consciência coletiva, que é do que o teatro é feito, a gente conduz o processo da criação de uma peça como esta.

HT: Como diretor, você trabalha com diferentes temas. Atualmente, está em cartaz com a peça ‘Cuidado com as velhinhas carentes e solitárias’, do mesmo autor de ‘O Corpo da Mulher como Campo de Batalha’, Matéi Visniec. Esse outro roteiro retrata situações cômicas. Qual a diferença de fazer uma produção com o gênero comédia e o drama?

FP: A diferença é esta mesma, o gênero. Uma te faz sorrir e a outra chorar, mas as duas devem ser surpreendentes da mesma forma. O grau de humanidade deve ser sempre muito grande no teatro. Nas duas linguagens, vou buscar que o espectador se assemelhe com o personagem.

(Foto: Divulgação)

HT: Por causa da indicação da atriz Fernanda Nobre ao prêmio Shell no Rio de Janeiro, o espetáculo entra em circuito com um ‘selo de aprovação’ da crítica. O que muda no imaginário do público ao ver que a produção já tem um reconhecimento da crítica?

FP: Já ter sido indicado é ótimo porque as pessoas veem com outros olhos. É um reconhecimento do nosso trabalho. Ao mesmo tempo é um reconhecimento da Ester, a atriz que contracena o tempo todo com a Fernanda. Porque para que ela tenha ido bem, a outra precisaria estar boa também. Fico muito orgulhoso. E se por acaso um dia formos para São Paulo, as duas podem ganhar o prêmio.

HT: Qual a mensagem que você espera que as pessoas levem para casa desse drama?

FP: A gente espera que todos percebam é que vida é mais forte que a morte e é preciso encontrar caminhos para viver. Apesar da solidão e de todas as atrocidades, viva.

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HT: Em paralelo a isso, você tem cerca de sete trabalhos rodando o país. Como faz para conciliar tantas produções?

FP: O teatro é uma obra difícil. Você acorda muito cedo e trabalha o dia todo. O pessoal brinca que não, mas é dureza. Dirigir é contar uma história. Quando chego para trabalhar nas peças eu lembro que preciso explicar para quem não conhece aquela trama. Essa peça e o texto são bem difíceis. A própria Fernanda teve estafa, por exemplo. Foi um grande trabalho físico e corporal.

HT: No programa ‘Arte do artista’, que você dirige para a TV Brasil, muitos famosos são convidados para uma entrevista. Qual a diferença de trabalhar para a televisão?

FP: O programa já está exibindo um material inédito, mas que já está produzido. Fizemos um total de episódios que vão continuar exclusivos até junho. O programa tinha um diálogo com o teatro. O entrevistador é o Aderbal e a gente se conhece a mais de doze anos. Era como dirigir uma peça para a televisão. Dizíamos que era anti televisão. A gente mostrava um rapaz trocando um fio, mostrávamos os bastidores. Se o Aderbal esquecesse a pergunta pegava o papel para ler. Era um stand up, um grande ensaio de teatro. O cenário do programa era bem diferenciado. Sabia como dirigir para TV porque já tinha feito estágio na Globo. O programa tinha uma qualidade muito boa. Estamos esperando a renovação, mas não posso prometer outra edição.