Thadeu Vivas fala da arte undergroud, editais de cultura e meia entrada: “Temos que pensar em formação de plateia, não em politicagem”


Autor e ator de “Entre uma Badala & um Blues”, Vivas fica até quarta-feira (12) com seu espetáculo no Kult Kolector, na Barra da Tijuca (RJ). Nessa entrevista ele discorre sobre a vivência profissional com seu irmão – que canta no espetáculo -, e confirma que ”a grande maioria do mercado de teatro é de peças mais comerciais”

Thadeu Vivas estava sozinho em sua casa bebendo whisky e ouvindo “Entre uma Balada e um Blues” de Oswaldo Montenegro quando uma luz lhe acendeu. “Naquele momento achei que ‘balada’ era uma mulher e ‘blues’ um homem. Como diz a música: ‘Quando os bichos dançam com as fadas’, o blues era o bicho e a balada, a fada. Me veio a imagem de um casal, onde, por características metafóricas, eles são os gêneros musicais em si”, lembrou em conversa com HT. Desse mezzo devaneio, mezzo raciocínio logico, nasceu a peça “Entre uma Badala & um Blues”, que fica em cartaz até o dia 26 de agosto no Kult Kolector, na Barra da Tijuca (RJ).

O espetáculo tem mais de Oswaldo Montenegro que se pode imaginar. O motivo? Recorta dez anos da vida de James Blues personagem de uma peça do Oswaldo chamada “A Lista”. Segundo Vivas, a escolha por falar da derrocada de James não partiu da pensata de um enredo em si. “A derrocada da vida do Blues era a minha. Eu pensei em vômito, em transformar meu lixo em coisa bonita”, explicou. Em “Entre uma  Badala & um Blues”, James Blues se vê abandonado pela namorada Balada justamente quando pretendia pedi-la em casamento. Deprimido, em estado de dependência química e afetiva, Blues analisa sua vida através das sessões de terapia. A ideia é levar a plateia a refletir sobre questões político-sociais e existenciais. A questão das drogas é uma delas, por exemplo.

Blues (duo) foto Marco Aurélio Abreu

A peça recorta dez anos da vida de James Blue personagem de uma peça do Oswaldo chamada “A Lista” | Foto: Marco Aurélio Abreu

Tratada especialmente para ser encenada no Kult Kolector, a peça não foi pensada para um teatro e sim uma casa indie. Vivas explica melhor. “Terminei de escrever a peça no dia 12/12/12, um número cabalístico. Foi meu primeiro texto de teatro. Quando escrevi não estava bem de cabeça. Um tempo depois, uns amigos me convidaram para a inauguração do Kult Kolector. Quando cheguei na casa, estava tendo um show cover de Jonh Cash e pensei: ‘Esse lugar é uma espécie de Carvern Club no Rio de Janeiro’. Percebi que tinha que repensar a peça para um espaço deste”.

Nessa reta final de temporada, Thadeu Vivas – que também atua – conversou com HT sobre esse lado underground da arte carioca, da vivência profissional com seu irmão, Thiago Vivas, – que canta no espetáculo -, editais de cultura, farra da meia entrada e otras cositas más. Avante!

Thadeu e Thiago Vivas em cena de Entre uma Balada & um Blues

Thadeu e Thiago Vivas em cena de “Entre uma Balada & um Blues”. Segundo Thadeu, seu irmão está com ele por “afinidade cênica” | Foto: Divulgação

HT: A ideia é bombar um espaço alternativo, com um teatro alternativo. O que é ser alternativo para você?

TV: A grande questão é que me questiono o que é ser alternativo. O que é ser transgressor? Este é um dos questionamentos do “Entre uma balada e um Blues”. Foi tema de debate entre mim e meu irmão [Thiago Vivas]. Tem uma das cenas na peça que cheiro cocaína em cima da bíblia, rasgo e assuo no nariz com uma página rasgada. Meu irmão no final do ensaio falou: “Seria transgressora essa cena na época da inquisição, hoje talvez essa crítica funcionasse com o alcorão”. E rimos. Mas o papo é sério, vide os atentados contra cartunistas do Charlie Hebdo. Em relação a bombar um espaço alternativo, o importante é formar novas plateias e ocupar os espaços que nos dão voz.

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Thadeu contou que quer dar voz a arte que está gritando na rua, no beco, nos porões e quer se mostrar | Foto: Reprodução

HT: O lado B da arte, aquilo que muitos chamam de undergroud, está na posição que está por convicção ou por que ficar no mainstream é difícil?

TV: Faço arte por necessidade da alma. O que me emociona para ter impulso de escrever? Quando termino uma obra, onde ela vai se encaixar? Quem vai ter interesse por aquilo que estou falando? Quem vai ter emoção com o que está vendo? Se sou underground, mainstream, lado A ou lado B…não sei mesmo, isso é o rótulo da arte. Acho que, dependendo do underground, ele é um produto pop tanto quanto o do mainstream.

HT: Como se deu a escolha do Thiago, seu irmão?

TV: Afinidade cênica. Me emociono com a arte do Thiago. A música dele me diz muito respeito. E acho o Thiago um Bluesman, e dos melhores da geração dele.

HT: E do repertório, que vai de “I`m Your Hootchie Coochie Man” a “Little Wing”?

TV: Deixei todo na mão do Thiago. A única música que pedi foi a balada “Entre uma Balada e um Blues” do Oswaldo Montenegro que dá nome ao espetáculo. O Oswaldo me ajudou muito quando terminei de escrever o texto. Ele foi um dos maiores incentivadores para eu fazer esta peça.

HT: Trabalhar em família é mais fácil ou mais difícil? Como é com seu irmão?

TV: Me comunico com meu irmão antes das palavras, tenho muita afinidade cênica com ele. Sempre fomos muito amigos, claro que brigamos, algumas até feias, mas nosso amor é muito maior. Trabalho também com meu pai  [Ele é filho do cantor Jerry Adriani] em alguns momentos trabalhar em família é maravilhoso, outros não.

HT: Você quer falar de problemas existenciais da nossa sociedade. Qual é o maior mal da sociedade atual? Como saná-lo?

TV: Se eu soubesse como sanar o maior mal da sociedade atual, tenho a impressão que estaria em outro grau de evolução. Muitos gênios não chegaram a esta conclusão. Quem realmente sabe e consegue de fato sanar o seu próprio mal? Esse é meu ponto atual. Se conseguirmos melhorar os nossos, já estamos em um bom começo. Lógico que penso no coletivo, porém em minha opinião a chave mestra desta equação indivíduo e sociedade se chama educação.

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Sem dar voltar, o escritor disse que sempre vê “os mesmos ganhando os editais e verbas públicas” | Foto: Reprodução

HT: Você também é dono de uma produtora. Ao mesmo tempo que você está de um lado da arte, escrevendo, por exemplo, está de outro, de quem  faz a curadoria, quem agencia. Como é lidar com essa dualidade?

TV: Arte se faz em coletivo. Penso nas duas pontas, mas sem medo do experimento, busco uma linguagem, busco movimento. Queremos dar voz à arte que está gritando na rua, no beco, nos porões e quer se mostrar. De fato, a grande maioria do mercado de teatro é de peças mais comerciais, mas vamos apresentar aqui o que os donos das redes de teatros do Rio de Janeiro não topariam, a não ser que tenha um nome “famoso” no elenco.

HT: Viver de cultura no Brasil dá dinheiro ou só vale para os que realmente amam a profissão?

TV: Se você tiver um bom departamento comercial vale a pena. (Ri). Meu bom pai fala algo sobre o ser artista: “Ou a pessoa possui estrela, ou não!”

HT: O que acha dos editais e das leis de incentivo? Elas abraçam a cultura ou acabam por separar o joio do trigo e uma maioria fica sem oportunidades?

TV: Comecei a trabalhar com arte aos 15 anos de idade. Nunca ganhei nenhum edital e nunca consegui nenhum patrocínio. Olha que já participei de muitos editais e já fiz muitas reuniões em empresas. Não acho justo. Sou um batalhador da arte, vejo os mesmos ganhando os editais e verbas públicas. Então é neste ponto que voltamos a falar de lado B e underground? Talvez Cult… (Ri).

HT: E a lei da meia entrada? Há quem diga que é uma farra. Doadores de sangue, por exemplo…Qual sua opinião?

TV: Os estudante tem que pagar meia entrada sim! Temos que pensar em formação de plateia, não em politicagem. Para os “grandes produtores teatrais” pode ser “farra”, mas para o estudante da faculdade federal que mora em uma república ou os não abastado de grana, uma necessidade. “Você tem fome de que?”.

Serviço

“Entre uma Balada & um Blues”

Quando: às quartas, até o dia 26 de agosto

Lotação: 50 lugares

Onde: Kult Kolector (Av. Olegário Maciel, 130 – Barra da Tijuca)

Reservas: 3624.0032 / 98121-0922

Ingressos: $30