Por que Patrícia Abravanel não pensou nos agredidos da Paulista, nos filhos expulsos, nem nos transexuais constrangidos


Por causa de discursos como o dela que lâmpadas voam em gays, que filhas são expulsas de casa, que pai e filho, de mãos dados em rodeio, são agredidos, que filhas são expulsas de suas casas, que transexuais passam constrangimentos em repartições públicas, que o país registra uma morte de homossexual a cada 28 horas

Está tão claro como a água no art. 5, inc. IX da Constituição Federal de 88: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Mas há um verso tão antigo quanto, da boca da minha amada avó: “Quem fala o que quer, ouve o que não quer”. E por isso que cá estamos. Patrícia Abravanel, herdeira do império do Sistema Brasileiro de Televisão, filha de Silvio Santos, parece não ter ouvido o mesmo conselho. Indagada pelo pai sobre o que achava da relação entre indivíduos do mesmo sexo – Silvio andou assistindo ao longa “Carol“, de Todd Haynes, que narra uma relação lésbica e ardente entre as protagonistas Therese e Carol -, ela disse que a “gente tem que ensinar para o jovem de hoje que homem é homem e mulher é mulher”. E emendou: “E se por acaso ele (o jovem) tiver alguma coisa dentro dele que fale diferente, aí tudo bem. O que está acontecendo é que estão falando que tudo é bonito e o jovem acaba experimentando coisas que pode vir a se arrepender depois. (…) Eu não sou contra o homossexualismo (sic), mas sou contra falar que é normal. E outra, mulher com mulher não é tão legal assim. Não tem aquele brinquedo que a gente gosta bastante“.

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Dias depois, vendo que o caldo entornou, Patrícia fez o mea culpa, desta vez na internet: Peço desculpa se ofendi alguém ontem no Jogo dos Pontinhos. Dei apenas minha opinião mas fui mal interpretada. Sou a favor do amor do respeito e da tolerância”. Patrícia, em seu direito de cidadã e comunicadora, tem total direito de falar o que quiser, mas deveria ter lembrado que boca fechada não entra mosca. Com uma opinião paleozóica, a filha de Silvio Santos ajuda a regredir as conquistas tão difíceis e ainda atrasadas do público LGBTT e ainda coloca mais lenha na fogueira do preconceito e a dissipação de ódio ao se dizer contra “falar que é normal”. Dessa forma, Patrícia imprime a ideia de que, se não entre um homem e uma mulher, toda e qualquer outra manifestação de amor é fruto de uma anormalidade. Bem como uma doença generalizada, já que ainda insiste em utilizar do termo “homossexualismo”, usado, igualmente erroneamente, para a atrelar o afeto entre pessoas do mesmo sexo como doença – que, segundo um setor conservador da medicina -, carece e é passível de cura.

E, da mesma forma que Patrícia se considera no direito de, em horário nobre, colocar cimento nos direitos humanos, na busca por dias de mais tolerância, e uma pá de cal no fim desse mar de sangue e lágrimas derramados, essa coluna se reserva no igual de parafrasear Romário: Patrícia, você, calada, é uma poeta. É por causa de discursos como esses que lâmpadas voam em gays na Avenida Paulista, que pai e filho, de mãos dados em rodeio, são agredidos, que filhas são expulsas de suas casas, que transexuais passam constrangimentos em repartições públicas, que o país registra uma morte de homossexual a cada 28 horas. Isolado e de peso midiático, o discurso de Patrícia pode até ser mais um e meio a tantos, que serão esquecidos e podem apenas alimentar a indústria do muito barulho por nada. Mas, ao mesmo passo, ele grifa essa sociedade rachada, que diminui, exclui e agride o outro por não se sentir compatível ao seu próprio corpo, por não gostar de se vestir como dress code social pede, por não beijar o que o tradicionalismo impõe.

O que Luana Piovani falou (“Discordo em gênero, número e grau da Patrícia Abravanel. Toda forma de amor tem que ser abençoada e aplaudida. O que falta no mundo é amor. Se a gente tivesse mais pessoas generosas, com compaixão, ao redor do mundo, a gente não estaria vivendo tanta crueldade e violência”) foi pouco. O que o próprio sobrinho Tiago Abravanel (“Fiquei muito triste de ver esse posicionamento vindo de uma mulher que as pessoas esperam tanto que tenha uma mente aberta, e que é uma formadora de opinião, quer queira quer não. Não concordo com nada que a Pati disse. Acho que ela foi extremamente infeliz na colocação”) falou foi pouco. O boicote para ela perder para Xuxa Meneghel na audiência foi pouco. Essas linhas aqui também são pouco. Pouco perto do que esse tipo de mentalidade provoca, dia a dia, e ainda provocará. Esse texto é pelo filho que ainda será expulso de casa. Pelo agredido que ainda não tem identidade. Pela humilhação no cartório que ainda não aconteceu. Pela olhada torta no meio da rua. Pela morte que ainda não contabilizamos. Patrícia poderia ter ouvido vovó.