Para Marília Pêra com todo o meu amor. As minhas lembranças da diva da TV, do cinema e do teatro do Brasil


Uma homenagem em primeira pessoa para esta que foi uma das maiores artistas do mundo. Que descanse em paz.

Nos meus 30 anos de jornalismo, um dos maiores prazeres era encontrar e entrevistar uma lady, uma dama, uma das mulheres mais educadas e generosas que eu conheci no mundo das artes: Marília Pêra. No entanto, minha admiração como fã vinha da minha infância, lá nos idos da década de 70, quando eu estudava no Instituto Metodista Bennett, no Flamengo, e via diariamente a Marília Pêra mãe ir ao colégio levar o filho, Ricardo Graça Mello, que estava em uma turma um ano à minha frente. Eu devia ter por volta de 10 anos e Ricardo era o “gatinho” da escola, com cabelos longos e aquele jeito de hippie anos 70. Marília chegava linda, com as madeixas sempre arrumadas e maquiada, nem que fosse às 7h.

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Acompanhei toda a trajetória como atriz, cantora, bailarina, diretora, autora. Vi o nascimento de Esperança e Nina Morena, que são frutos do segundo casamento, com o jornalista e compositor Nelson Motta, e, anos mais tarde, acompanhei os olhos de Marília brilharem quando nasceu a paixão por Bruno Faria. Quando soube hoje da triste notícia, passei a mão no telefone para ligar para o seu “afilhado” Ney Latorraca, outro amigo querido e gentleman das artes. Eram 10h e Ney estava no aeroporto com Diogo Vilela embarcando para São Paulo. No telefone, houve um silêncio quando falamos sobre o assunto. Pareceram eternas horas. “Não é possível. Eu falei com ela na quinta-feira. Tinha contado que foi a uma churrascaria e feito as unhas. Nós conversávamos todos os dias”, disse Ney, atônito. E acrescentou: “Devo ‘Irma Vap’ à Marília Pêra. Estou perdido”.

Marília Pêra na novela "O Cafona", de 1971, da TV Globo

Marília Pêra na novela “O Cafona”, de 1971, da TV Globo

Marília estava em plena ação para lançar mais um livro. A lista de amigos já estava sendo preparada e o local reservado para a noite de confraternização. A doença não a abalava. Jamais. O último trabalho da atriz na TV foi na série Pé na Cova, na qual contracenava ao lado do amigo e irmão Miguel Falabella. Estive com Marília e Miguel bem antes do lançamento da série. Foi quando Bethy Lagardère – viúva do megaempresário francês Jean-Luc Lagardère – recebeu amigos para comemorar o aniversário de Miguel, contando até com a presença do estilista Jean-Paul Gaultier.

Marília Pêra e Miguel Falabella

Marília Pêra e Miguel Falabella

Pois, hoje, eu também falei com Bethy, que fez duas participações especialíssimas em trabalhos de Miguel e contracenou com Marília. A primeira vez foi na novela ‘Aquele Beijo’, como Ashuraya, uma maharani  amiga de Marushka, personagem de Marília Pêra. A segunda, em Pé na Cova. “Heloisa, quando você é fascinada com a atriz e, depois, conhece a mulher, este momento é tão intenso, que você acha que tocou uma estrela verdadeira. O primeiro encontro com ela foi em Paris e algo de excepcional na peça da Chanel. Marília tinha um dom único, entre comédia e drama. Ela será insubstituível e inigualável. Completa, dançava e cantava, qualidades raras. E era linda. O rosto perfeito. Você reconhece uma foto da Marília desde o primeiro papel até hoje. Mudou alguma coisa? Na-da”.

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Marília Pêra, Bethy e a diretora Cininha de Paula (Foto: Divulgação|TV Globo)

Recebi o telefonema do meu amigo e jornalista, parceiro de uma vida e hoje autor de livro, Vagner Fernandes, que foi meu braço-direito no Jornal do Brasil. Ele lembrou da generosidade que ela dispensava a todos os jornalistas e aos amigos de trabalho. “Todas as vezes que nós entrevistávamos a Marília para a coluna Heloisa Tolipan, ela, no dia seguinte, encaminhava flores em forma de agradecimento. A última vez que a coluna a entrevistou, ela nos enviou uma caixa de bombons com um bilhete escrito de próprio punho e super amoroso. Tenho guardado até hoje”.

Vagner conta que, em uma das vezes que esteve com a atriz, ela estava sofrendo uma pressão enorme por conta do patrulhamento por ter apoiado Fernando Collor na campanha eleitoral. “Perguntei à Marília se ela havia descolorido, e respondeu: ‘Meu amor, se eu descolorir, o maquiador não me deixa entrar em cena’”. Dias depois, quando ela realizava a temporada de “Elas por elas”, uma pessoa da plateia reproduziu a pergunta e a atriz falou a mesma frase e foi aplaudida de pé”. Eu entro aqui para dizer que Marília Pêra sabia reconhecer o trabalho sério desenvolvido por jornalistas comprometidos com a corretude da informação.

Assim que criei o meu site, Heloisa Tolipan, estivemos, ano passado, com Marília, no Theatro NET Rio, durante um show da cantora Joyce Cândido, que apresentou o lançamento do seu DVD “O bom e velho samba novo. Dois dos momentos mais emocionantes da noite se deram quando Zezé Motta e Marília Pêra subiram ao palco. Marília, com um vestido de renda preta até o joelho, scarpin, suas inseparáveis jóias e os cabelos presos em um penteado rebuscado, acompanhou Joyce nos vocais de “Dois Corações”, música escrita por Herivelto Martins e famosa na voz de Dalva de Oliveira.

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Estivemos ainda com ela durante o lançamento de “Contrastes simultâneos”, livro de Walter Carvalho. Na dedicatória, Walter escreveu que desde “Central do Brasil”, a vida dele tinha ficado mais bonita por ter encontrado duas divas: Marília Pêra e Fernanda Montenegro. Nossos últimos registros. Registros eternos. Salve Marília!

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