Polivalente dos palcos, TV e cinema, Cirillo Luna comenta: “Adoraria que meus colegas vermelhos e eu tivéssemos mais oportunidades”


O ator que já participou de ‘Malhação” e “Joia Rara” tem se dedicado mais ao teatro e ao cinema nos último anos. “Acredito que o ator não pode deixar se acomodar nunca, muito menos quando esse “status” e essa ilusão do glamour chega em algum momento da carreira”

*Com Junior de Paula

Preste bastante atenção a este ruivo! Em cartaz nos cinemas com o filme “O Escaravelho do Diabo’, o ator Cirillo Luna, que também é formado em odontologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ), começou a se aventurar na carreira artística no ano de 2008, na peça “Os Ruivos”, e hoje ganha cada vez mais espaço nos projetos nos quais participa. Em entrevista exclusiva ao HT, Cirillo não esconde a felicidade de estrear seu primeiro grande papel nas telonas e pincela situações, digamos, curiosas que teve que passar para quebrar preconceito por suas madeixas cor de fogo. “Não posso falar sobre preconceitos contra ruivos, imagina. No máximo algumas brincadeiras que rolam por conta das sardas que ficam muito evidentes no vídeo”, conta ele, aos risos.

Cirillo Luna (Foto: Divulgação)

Cirillo Luna (Foto: André Nicolau)

“O que acontece, na realidade, é que, como vivemos no Brasil, país latino-americano, o que se estabelece como perfil dominante nas produções são morenos e, às vezes, alguns loiros. Adoraria que meus colegas vermelhos e eu tivéssemos mais oportunidades e que não ficássemos restritos, apenas por sermos ruivos”, disse ele. “No início da carreira era muito chamado para os testes de personagens gringos, principalmente em publicidade e cinema. Quando não conhecem o seu trabalho direito, procuram te escalar de acordo com o perfil que você imprime. Já fiz testes para personagens russos, irlandeses, croatas, alemães, americanos, todos gringos, turistas que vêm para o Brasil. Essa situação vai mudando a partir dos trabalhos que você faz, quando os produtores começam a te conhecer melhor e passam a não te enxergar apenas como um rótulo, pondera.

Para fazer “O Escaravelho do Diabo”, livro da Série Vaga-Lume adaptado para o cinema pelo diretor Carlo Milani, o ator carioca, que também segue nos palcos com a peça “O Processo”, conta que teve contato com a história do filme ainda na adolescência, mas precisou devorar o livro novamente para fazer os testes para a produção. “Fiquei sabendo dos testes através do Felipe de Carolis, no dia em que fui assistir ao espetáculo ‘Incêndios’. O Carlo Milani tinha ido assistir a peça e o convidou para fazer um dos personagens”, revelou. “Já tinha ouvido falar que iam filmar o Escaravelho desde 2009. Lembro que fiquei maluco quando soube, tinha lido o livro na sétima ou oitava série e confesso que não lembrava muito da história, só sabia que era um suspense policial e que envolvia ruivos. Acabei esquecendo, pois não tive mais informações sobre o projeto. Só em 2014 que essa história voltou e acabou rolando. O Milani foi muito generoso durante todo o processo. Ele e toda a produção do longa fizeram questão de manter um clima familiar durante as filmagens”, disse ele, que ainda aproveitou para falar sobre os desafios que teve que vencer para o filme. “Tive que reaprender a andar de moto para fazer o Hugo, tirei habilitação e contracenei com um gênio de 12 anos que me fez ter um outro olhar sobre a atuação”. disse, referindo-se ao ator Thiago Rosseti, que interpreta o pequeno Alberto Maltese na produção. “Tenho certeza que ‘O Escaravelho do Diabo’ é um suspense que vai agradar toda a família”, garante.

O ator teve que aprender a andar de moto para personagem (Foto: Divulgação)

O ator teve que aprender a andar de moto para personagem (Foto: Divulgação)

Figurinha carimbada nos palcos de todo o país, Cirillo já participou de grandes produção teatrais como o musical “Um Violinista no Telhado” de direção de Charles Moeller e Claudio Botelho, e “Quebra-ossos”, peça idealizada pelo próprio ator. Na TV, esteve no elenco de “Joia Rara”, “Milagres de Jesus” e novelinha teen “Malhação”, além das séries “Quero Ser Solteira”, “Uma Rua Sem Vergonha” e “220 Volts”, do Multishow. “Acredito que o ator não pode deixar se acomodar nunca, muito menos quando esse ‘status’ e essa ilusão do glamour chega em algum momento da carreira. Você foge desse caminho à medida que continua estudando, atualizando-se, buscando novas referências, produzindo, exercendo a sua criação artística independentemente do status que as pessoas atribuem a você. O ator que, por exemplo, busca produzir e idealizar os seus próprios espetáculos a partir de suas inquietações, burla um pouco essa trajetória ilusória, pois entende que tem muito a contribuir cultural, social e também politicamente. Não se permite fixar a um caminho limitado e restrito que, na grande maioria das vezes, usa-o como referência para esse glamour”, refletiu o ruivo.

Ator Cirrillo Luna (Foto: Divulgação)

Ator Cirrillo Luna (Foto: Divulgação)

Mas quando questionado sobre os benefícios da Lei Rouanet, Cirillo se mostra desapontado com a medida. “Infelizmente o que acontece na grande maioria das vezes é que boa parte desses recursos acabam beneficiando sempre os mesmos, enquanto que a distribuição desses benefícios teria que respeitar o interesse público e as necessidades da política pública de cultura. Eu já tive um projeto que passou por toda a imensa burocracia necessária para a aprovação, depois de um longo tempo foi aprovado e, mesmo assim, não conseguimos captar. Não deixei de fazer a peça, mas ela foi viabilizada pelos nossos próprios recursos”, relembrou.

Inquieto, o ator viaja no mês de agosto para Curitiba com a peça “O Processo” e estreia outra produção, no Rio, no segundo semestre, a peça “The Pride”. Enquanto isso, vive a expectativa de ver o “Escaravelho” decolar. “Estou em dois projetos que ainda esperam o resultado de alguns editais: ‘Tubarões’, projeto idealizado pelo ator Christian Landi e texto da Daniela Pereira de Carvalho, e “A Ordem Natural dos Coisas”, segundo projeto que tem dramaturgia e direção de Leonardo Netto. No segundo semestre estreio a peça ‘The Pride’, texto inédito do inglês Alexi Kaye Campbell. O projeto é do Arthur Brandão e do Ivan Vellame e a estreia será na Caixa Cultural Rio“, adianta ele, que ainda revela novos trabalhos no cinema. “Agora em maio deve ser lançado o filme/clipe da nova música do Marcelo Yuka, dirigido pelo Cavi Borges. Faço uma participação nele junto do ator Tonico Pereira e das atrizes Ana Abbot e Patricia Niedmayer” finalizou.

Confira na íntegra a entrevista que nós do Heloísa Tolipan fizemos com o ator:

Ator estreou no teatro com a peça "Os Ruivos" (Foto: Divulgação)

Ator estreou no teatro com a peça “Os Ruivos” (Foto: André Nicolau)

HT: Como e quando você descobriu que queria ser ator? Conta um pouco da sua formação:

CL: Sou formado em odontologia pela UFF. Quando estava no quarto período da faculdade minha amiga Juliana, que estudava na mesma turma, me chamou pra fazer um curso livre de iniciação teatral na CAL. Nós sempre íamos ao teatro e cinema juntos, víamos muitas peças e filmes, conversávamos muito sobre arte. Ela queria fazer cinema na UFF depois que se formasse dentista. Sabia da minha curiosidade com o teatro e as artes cênicas e, por isso, acabou me convencendo a fazer o curso. Eu gostava da odonto, mas confesso que não era apaixonado pela profissão. Na época em que minha amiga fez o convite pra estudar teatro, eu estava começando a entender e digerir a ideia que não seria dentista por muito tempo. E foi na apresentação final desse curso livre que caiu a ficha. Decidi que seria ator naquele dia. Me formei, trabalhei numa clínica em Niterói, larguei o emprego depois de um ano e, logo em seguida, mudei-me pro Rio pra fazer a faculdade de Teatro. Em 2008 fiz a minha primeira peça profissional e me formei Bacharel em Artes Dramáticas no final de 2010.

HT: O que pra vc era ser ator (antes de começar de fato a carreira) e o que é, hoje, já dentro do processo e fazendo tantas coisas? Mudou algo no conceito de ser ator para você?

CL: Ah sim… muda bastante quando se vive realmente na prática a profissão. Existe todo um glamour que é vendido e construído sobre a profissão do ator. Mas esse nunca foi o meu foco, de verdade. Troquei de profissão por acreditar que poderia desenvolver o ofício que me dava prazer ao trabalhar, que me fez pensar inúmeras vezes as possibilidades humanas que carrego em mim. Queria investigar as ferramentas do ator, tentar desenvolvê-las ao máximo e evoluir de acordo com o tempo, através dos projetos que fizesse. O meu foco sempre foi o trabalho e o estudo constante. O que na verdade mudou foi vivenciar na prática as dificuldades inerentes à profissão. Sempre soube que não seria fácil, principalmente quando se fala em estabilidade, tanto financeira quanto emocional. Confesso que tinha um olhar romântico pra esse lado da profissão. Achava que era bonito “sofrer”, receber vários “nãos” em testes, ficar na iminência de não ter dinheiro para pagar o aluguel. Tinha a ideia de que essas dificuldades me serviriam de alguma forma e que eram importantes para a minha formação humana, acreditava que elas contribuiriam como bagagens e aprendizado para o meu ator no futuro. E com certeza contribuíram. Mas vivê-las na prática não foi tão romântico assim, a realidade é bem mais cruel. Tenho amigos super talentosos que foram buscar meios alternativos de sustento, até mesmo dentro da própria arte, e acabaram abandonando a atuação. Mudou também a minha percepção e conscientização sobre a importância que nós, artistas e formadores de opinião, temos. Tudo que expressamos artisticamente tem um impacto externo. Passei a me preocupar e a ter muito mais cuidado com os discursos que acredito e defendo. Busco uma forma de expressar essas ideias sem impor ou agredir os outros, através de uma via que não seja apenas unilateral, sem troca. O ator/artista passa a ter uma responsabilidade muito grande sobre o seu discurso a partir do momento que o torna público. Pode interfirir na forma como as pessoas pensam. É preciso muito cuidado.

HT: O ator sempre foi um instrumento político de conscientização no Brasil, mas parece que com o tempo ele foi se transformando em mero status e uma falsa ilusão de glamour. Como fugir desse caminho vazio e não se deixar fazer concessões nesse sentido?

CL: Acredito que o ator/artista não pode deixar se acomodar nunca, muito menos quando esse “status” e essa ilusão do glamour chega em algum momento da carreira. Você foge desse caminho à medida que continua estudando, atualizando-se, buscando novas referências, produzindo, exercendo a sua criação artística independentemente do status que as pessoas atribuem a você. O ator que, por exemplo, busca produzir e idealizar os seus próprios espetáculos a partir de suas inquietações, burla um pouco essa trajetória ilusória, pois entende que tem muito a contribuir cultural, social e também politicamente. Não se permite fixar a um caminho limitado e restrito que, na grande maioria das vezes, usa-o como referência para esse glamour. O que realmente faz a diferença é a conscientização sobre esse fato, não permitindo que essa falsa ilusão se estabeleça e guie o seu pensamento artístico.

HT: Como você vê a sua geração de atores? Como analisa a atuação dessa nova turma?

CL: Eu tenho um profundo respeito e admiração por essa geração. Conheço muita gente que se vira em mil funções além da atuação, que trabalha também produzindo, operando som, luz, escrevendo e, muitas vezes, precisa dessas alternativas para justamente poder atuar. Trabalho e conheço atores com muita garra, disponibilidade, que procuram o novo e estão sempre se aperfeiçoando, apesar das dificuldades inerentes à profissão e da instabilidade do mercado. Tenho muitos amigos que são engajados politicamente, que buscam entender e cooperar para o desenvolvimento não só da cultura, mas para as questões sociais e também econômicas do país. Me sinto privilegiado por estar junto e compactuar com esse tipo de postura. O ato que os alunos da Martins Pena promoveram recentemente no Centro do Rio alertando sobre o sucateamento da escola me emocionou profundamente. É uma geração que entende e voltou a brigar pelos seus direitos. Faço parte de um grupo de atores que no momento está em greve por melhores condições de trabalho na parte publicitária. Não dá mais pra ficar calado e continuar aceitando as condições que nos obrigam a trabalhar. Estamos há mais de quatro anos sem aumento no valor do cachê teste no Rio, que é de 15 reais, enquanto em São Paulo os atores recebem o valor de 80 reais. Eles também fizeram esse movimento um tempo atrás, reivindicando os seus direitos e conseguiram. Outro ponto positivo pra nossa geração é que cada vez mais temos opções de escolas profissionalizantes de teatro. O acesso ao estudo pro ator cresceu muito e isso contribui para uma melhor formação e preparação dos novos profissionais. Muitos realmente estudaram, possuem referências e conseguem dialogar e produzir com conteúdo, com embasamento e qualidade artística.

Ator também seguem em cartaz com peça "O Processo" (Foto: Divulgação)

Ator também seguem em cartaz com peça “O Processo” (Foto: Claudio Senra)

HT: E o teatro no Brasil hoje? O que você destacaria como pontos (ou pessoas) a serem aplaudidos e o quais as principais falhas?

CL: Li uma matéria de um crítico de teatro aqui do Rio dizendo que estamos vivendo uma fase bastante rica no cenário teatral brasileiro. Concordo com ele no sentido da criação. Existem centenas de grupos, companhias, coletivos e também as idealizações individuais que, apesar das dificuldades concretas de produção e viabilização dos espetáculos, continuam suas pesquisas e conseguem desenvolver suas linguagens de forma permanente e contínua.

Alguns diretores e encenadores, que não trabalham fixo dentro de um mesmo grupo ou cia, também conseguem criar uma linguagem própria mesmo atuando em produções distintas, como é o caso do Aderbal Freire-Filho, Ulisses Cruz, João Fonseca, Enrique Diaz, Cesar Augusto. Considero que essa continuidade nas pesquisas cênicas é a responsável por permitir que se crie verdadeiras obras de arte. No ano passado vi a peça “PROJETO BRASIL”, da Companhia Brasileira, dirigia pelo Márcio Abreu. Saí do teatro em catarse. Acompanho o trabalho deles e percebo que a cada peça, independentemente das escolhas criativas , existe um rigor pela pesquisa que marca a trajetória da Cia. Assim como outras montagens de diferentes companhias também refletem essa experiência ao aprofundarem as suas linguagens e criarem novas possibilidades cênicas a partir dessa pesquisa contínua. Admiro e destaco o trabalho das companhias Armazém Companhia de Teatro, Aquela CIA.; Sutil Companhia, do Felipe Hirsh; Os Desequilibrados; Teatro Independente; Teatro Inominável; CIA Omondé; e as peças ‘Corte Seco’, ‘Júlia’, ‘E Se Elas Fossem Pra Moscou?’, da Chris Jatahy e a cia TVNI.

O teatro musical brasileiro é outro ponto forte na cena teatral atual. Estamos cada vez mais produzindo espetáculos que não deixam a desejar em nada se comparados aos musicais norte-americanos, por exemplo. Infelizmente, no Brasil ainda existe muito pouco incentivo à cultura de uma forma geral. As artes cênicas sofrem essa carência há anos, e isso não é segredo pra ninguém. Existe também uma parte burocrática absurda que só dificulta os processos de seleção dos editais culturais, que estão cada vez mais escassos. Todos esses contratempos criam barreiras e muitas vezes nos inviabilizam de ter uma constante e rica produção teatral, interferem na qualidade das pesquisas à medida que dificultam os processos criativos e prejudicam os resultados pela falta de recursos palpáveis.

HT: Qual o seu posicionamento sobre a Lei Rouanet? É importante, é dispensável, precisa de ajustes, fica como está?

CL: A Lei Rouanet tem o objetivo de apoiar e direcionar recursos para investimentos em projetos culturais. Até aí tudo bem. Infelizmente o que acontece na grande maioria das vezes é que boa parte desses recursos acabam beneficiando sempre os mesmos, enquanto que a distribuição desses benefícios teria que respeitar o interesse público e as necessidades da política pública de cultura. Eu já tive um projeto que passou por toda a imensa burocracia necessária para a aprovação, depois de um longo tempo foi aprovado e, mesmo assim, não conseguimos captar. Não deixei de fazer a peça, mas ela foi viabilizada pelos nossos próprios recursos. Concordo que a lei seja de extrema importância para a viabilização de projetos e ações culturais, mas do jeito que ainda funciona não pode ser a única maneira de se obter as verbas necessárias. Ela precisa de muitos ajustes estruturais para atender de forma igualitária a todos. A fomentação de mais editais culturais é um dos caminhos alternativos e que me parece viável como solução paliativa no momento para a questão.

HT: Você é ruivo e pouco se vê atores ruivos na TV, publicidade ou nos palcos. Sofreu algum tipo de preconceito pela diferença? Ou foi um plus na sua trajetória? Gostaria de ver mais “iguais” no mercado?

CL: Não posso falar sobre preconceitos contra ruivos, imagina, rs. No máximo algumas brincadeiras que rolam por conta das sardas que ficam muito evidentes no vídeo. O que acontece, na realidade, é que como vivemos no Brasil, país latino-americano, o que se estabelece como perfil dominante nas produções são morenos e, às vezes, alguns loiros. Adoraria que meus colegas vermelhos e eu tivéssemos mais oportunidades e que não ficássemos restritos, apenas por sermos ruivos. No início da carreira era muito chamado para os testes de personagens gringos, principalmente em publicidade e cinema. Quando não conhecem o seu trabalho direito, procuram te escalar de acordo com o perfil que você imprime. Já fiz testes para personagens russos, irlandeses, croatas, alemães, americanos, todos gringos, turistas que vêm para o Brasil (risos).

Essa situação vai mudando a partir dos trabalhos que você faz, quando os produtores começam a te conhecer melhor e passam a não te enxergar apenas como um rótulo. Já peguei um trabalho que o perfil do personagem durante as audições mudou, também já fiz testes com vários amigos morenos e acabou no final rolando pra mim. Isso é legal, quando acreditam no trabalho do ator independentemente da característica que ele imprime de cara. É claro que o perfil conta muito mas, devido aos trabalhos que você faz e que vai construindo ao longo da carreira, chega um momento em que ele não atrapalha ou interfere tanto assim. No teatro isso nunca foi um problema pra mim. Só teve uma peça que na última hora chamaram uma outra pessoa, pois o ator que faria meu pai tinha mudado. Eles acharam melhor ter um moreno em cena, que seria mais crível pra família na ficcção. Na grande maioria dos projetos que participei isso não foi uma questão. Muitas vezes ser ruivo, inclusive, ajuda. Ter a pele marcada por sardas e os cabelos cor de fogo pode ser um diferencial que também contribui bastante.

Cirilo abandonou a odontologia para seguir a carreira de ator (Foto: Divulgação)

Cirilo abandonou a odontologia para seguir a carreira de ator (Foto: André Nicolau)

HT: Como foi o processo de filmagem do Escaravelho do Diabo, e como tem sido a reação das plateias?

CL: Fazer o Escaravelho me possibilitou muitos aprendizados. Tive que reaprender a andar de moto para fazer o Hugo, tirei habilitação, contracenei com um gênio de 12 anos que me fez ter um outro olhar sobre a atuação. As crianças são muito econômicas quando atuam, possuem uma simplicidade, uma organicidade “invejável” e ainda não adquiriram alguns vícios que funcionam como muletas para nós atores, que nos atrapalha em cena.

Poder observar e trabalhar com o Thiago foi quebrar um pouco desses automatismos que procuro sempre driblar nos trabalhos. Além de tudo isso, pude viver ao lado de muita gente experiente e que faz cinema há muito tempo. Entendi um pouco mais como funciona a dinâmica no set, os ensaios, toda a preparação antes, durante e depois das filmagens. Realmente é tanto tempo junto das mesmas pessoas durante um longo periodo, que todos acabam virando uma grande família, mesmo. Isso é muito bonito de observar no cinema. A reação do público tem sido a melhor possível. O Milani conseguiu fazer uma bela adaptação dessa história que permeia o imaginário de toda uma geração. As pessoas que já assistiram ao longa enfatizam de forma positiva esse mérito do cinema nacional, de transformar a literatura infantojuvenil em filme. Parabenizam também por explorar um gênero ainda pouco comum nas produções nacionais, o suspense. A plateia se emociona, leva susto e ri bastante. Tenho certeza que O Escaravelho do Diabo é um suspense que vai agradar toda a família.

HT: Você é um dos atores mais profícuos. Emenda peça atrás de peça. Por que acha que você é tão lembrado (além do talento, é claro)?

CL: Gosto muito do que eu faço, sou apaixonado, mesmo. Já fiz uma faculdade inteira pra perceber que não era aquela profissão que gostaria de exercer. Então, ser ator pra mim é um questão muito consciente e que me faz sempre buscar o melhor em todos os sentidos. Acho que uma série de fatores contribuem pra isso. Me considero uma pessoa bastante dedicada, que corre atrás dos sonhos, busco me preparar sempre e tenho a certeza que nunca estarei pronto, isso permite também ter um pouco de flexibilidade e não me torturar pelas complicações e dificuldades inerentes à labuta de ser ator. Também tenho a sorte de ter muitos amigos que confiam no meu trabalho e acabam me chamando para as produções deles, além de atuar nos projetos que também já idealizei. Acho muito importante manter uma boa relação interpessoal. Nessa profissão existe muito ego, às vezes é difícil lidar com algumas situações que fogem ao seu controle. Se você não cuidar e encasquetar com algumas paranoias, pode acabar seguindo um caminho onde a autossabotagem se torna recorrente, e no fim isso te prejudica de alguma forma. E procuro sempre superar as minhas próprias limitações, estar em constante aprendizado. Ter essa consciência e colocá-la em prática tem sido fundamental.

HT: Quais os projetos que você tem mais orgulho de ter participado? E de que forma eles acrescentaram na sua trajetória de ator?

CL: Gosto muito de desafios, de ter que aprender algo novo para realizar algum trabalho. Todos os projetos que participei são especiais por algum motivo, de verdade. Mas existem aqueles que exigiram um esforço diferente para que eu pudesse dar conta e fizesse o trabalho da melhor maneira possível. Tenho um carinho muito grande pela peça “Quebra-ossos”. Fazer essa peça me acrescentou muito enquanto ator, pois ficamos em cartaz por mais de um ano, o que contribui muito na prática e no aprendizado cênico. Além de ter me dado autonomia enquanto artista idealizador do próprio projeto. Outro desafio que enfrentei e que me fez crescer foi atuar no musical “Um Violonista no Telhado”. Não sabia cantar e muito menos dançar. Tive que aprender durante os ensaios e acabei me apaixonando pelas aulas de canto. Além de ter trabalhado com dezenas de profissionais excelentes e que viraram meus amigos até hoje. É um projeto que tenho um carinho muito grande.

A peça “Para os que estão em Casa” me permitiu trabalhar com amigos que sempre tive vontade de estar ao lado em cena, foi um lindo presente do Leonardo Netto, que me fez perceber o quão importante é estar junto de pessoas que dialogam e compactuam de um mesmo pensamento artístico. Com “Paralelamente” viajamos muito. Isso gera e cria novas possibilidades de jogo a partir dos inúmeros e diferentes espaços físicos aos quais somos expostos num curto intervalo de tempo. E foi o primeiro projeto contemplado por um edital que fiz parte do elenco. Na peça “O Processo”, além de o projeto ter sido indicado ao Shell, a gente teve que “enfrentar”, a cada dia de peça, um ator convidado diferente. Uma experiência única para nós atores do elenco fixo, pois o jogo cênico se estabelecia através do improviso com o convidado. E tenho muito orgulho da peça “Os Ruivos”. Foi a minha estreia no teatro ao lado dos meus amigos Pedro Monteiro e Dida Camero. Posso dizer que aprendi muitas coisas sobre atuação ao observar os dois da coxia, além de rir muito também. São dois parceiros e excelentes atores.