Luiz Fernando Guimarães responde 10 perguntas de HT e manda: “O humor não tem que retratar o lado bom das coisas, e sim o lado perverso”


Antes de encenar “O Impecável” no Circuito Banescard de Teatro, na Ilha de Vitória, nos dias 25 e 26 de junho, o ator também nos disse: “Eu sei que existe essa vontade de saber da vida íntima da pessoa, que parte da sociedade gosta disso, do fuxico. Mas eu estou fora dessa”

Imagine um salão de beleza em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Por lá, oito figuraças: o faxineiro que é evangélico fervoroso, a atendente vigarista, a manicure que ganha um extra como garota de programa, o cabeleireiro que exala masculinidade e o que passa mais tempo inventando cortes de cabelo inusitados do que realmente atendendo a clientela, um psicólogo em momento narcisista, um solteirão e a proprietária do estabelecimento, uma ex-miss, que vive da herança do ex-marido. Em comum, todos são interpretados por Luiz Fernando Guimarães na peça “O Impecável”, proveniente do primeiro texto não-musical do duo Charles Möeller e Cláudio Botelho. Com direção de Marcus Alvisi, Luiz Fernando está às vias de chegar na Ilha de Vitória, nos dias 25 e 26 de julho, para apresentar o espetáculo no Teatro Universitário como parte do 8º Circuito Banescard de Teatro. Mas, antes, interrompeu sua tarde livre em sua casa no Rio de Janeiro para responder dez perguntas de HT. No papo, a volta de “Os Normais” (“Gostaríamos demais de fazer o terceiro filme. Seria até mais coerente”), a Lei Rouanet (“Acho fundamental que sejamos cobertos de alguma forma, se não o teatro não existe”), o teatro, lógico, e até a sua orientação sexual virando notícia (“Parte da sociedade gosta disso, do fuxico. Mas eu estou fora dessa. Existem até revistas semanais especializadas nisso. Fazer o que, né?”). Vem que vale a pena.

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HT: Eu sei que você pediu ao Charles Moeller e ao Cláudio Botelho, depois de ter terminado o musical “Fica Comigo Essa Noite”, um texto para que pudesse rodar o Brasil e aí surgiu “O Impecável”. Em que momento da sua vida – tanto profissional, quanto pessoal – você estava pensando em uma turnê?

Luiz Fernando Guimarães: Eu quis rodar o Brasil, primeiro porque eu gosto de viajar, segundo porque eu adoro fazer teatro, e terceiro porque eu amo viajar fazendo teatro. Facilita o relacionamento com as pessoas dos locais de forma bacana. E fazer uma peça em que só eu atuo está muito ligado à economia atual. É mais fácil você fazer, no sentido de ser possível de se realizar, em termos de grana, de apoiadores, quando você está realmente sozinho. Aliás, sozinho entre aspas, porque eu viajo com iluminador e tem o cenário. E você tendo seu tempo de trabalho, você é só seu. É indiscutível: eu posso tudo. Mas… antes de tudo, era essa vontade de fazer mesmo, de realizar. Trabalhar com o Chaler e o Cláudio no “Fica Comigo Essa Noite” foi inusitado e muito bom. Gostei demais de conhecê-los, porque os achava de outro universo. Quando acabou o musical, eu queria um texto que não fosse necessariamente do gênero que eles estão tão acostumados. Apresentaram-me, então, um texto, na verdade eram sete monólogos – cada um relacionado a um pecado capital -, e comecei a fazer leituras para grupos de teatro, sozinho e até em ONG’s. Foi quando percebi que não queria fazer um monólogo (dramaturgicamente falando), mas uma peça comigo mesmo. Convidei o Marcus Alvisi, um amigo de longa data, mas um diretor sério, para transformar aquele monólogo em peça de teatro. Ele me veio com a ideia de não trabalhar com figurinos para o público captar o personagem pela minha interpretação. Aí nasceu “O Impecável”.

HT: Sempre que pergunto para um ator qual a dificuldade de se fazer um monólogo, a resposta é a solidão no palco e a tarefa de segurar uma platéia sozinho. Você me responde algo semelhante?

Luiz Fernando Guimarães: Teve uma época que fiz um texto do Alexandre Machado e da Fernanda Young sobre palestras motivacionais. Eu apresentava para aquela gente em família, em congresso, em alguma praia no interior. Sabe aqueles encontros tradicionais? É um público muito difícil de você lidar, porque só quer farra. Então, eu tive uma certa experiência em monólogo nesse sentido. Mas eu não me sinto só. Eu acho que é interessante a gente ter atores juntos, mas ficar sozinho no palco não me traz nenhuma solidão. Até por que o teatro se relaciona com a plateia. Divirto-me demais com “O Impecável”, que, no palco, me toma muito tempo interno, de equações matemáticas, de ponto, vírgula, reticências no texto. E não me dá muito tempo de pensar em fatores externos. Não tenho esses temores. Todo dia que entro em cena, penso: “Como vai ser hoje?”. Procuro ser o mais coerente possível, o mais inteiro possível. Em todas as peças que fiz, procurei muito mais isso: a credibilidade naquilo estou fazendo. E o teatro é vivo. Se alguma coisa acontece, ela tem que voltar. Eu tenho que ter um jogo de cintura danado. Talvez esse medo de ficar sozinho de alguns atores é de ser desmascarado. Nesse aspecto, eu já sou um pouco desmascarado. E eu já fui criado assim. As coisas que eu aprendi foram assim na minha forma de ser. Eu não me freio, não entro com medo em cena. Eu gosto muito de atuar com pessoas, com elencos grandes, mas meu momento só era esse. E volto a dizer: relacionado à realidade que a gente está vivendo, era o ideal. Juntei a fome com a vontade de comer.

HT: O material de divulgação da peça diz que seus oito personagens têm “muitos vícios e poucas virtudes”. Logo, bem a cara da população brasileira. O que tem de crítica ou de reflexão na peça?

Luiz Fernando Guimarães: O Brasil está dentro do salão de cabeleireiro. O plano de fundo é sempre um pretexto para falar da humanidade. O humor não tem que retratar o lado bom das coisas, e sim o lado perverso. E o Brasil tem problemas da convivência. Eu nunca fiz o humor que retratava o bonzinho. E as pessoas riem das suas dificuldades, dos seus problemas. Eu sempre penso assim: “Será que o teatro é momento de reflexão?”.  Eu acho, na verdade, que a pessoa só reflete quando ela sai. Eu acho que tem um lance bacana do teatro que é a identificação – que, você olha para uma coisa e se identifica. Eu sei que um personagem carrega uma determinada gula – que é a tônica maior -, mas também carrega outros vícios e pecados. E eu devo ter criado algum personagem lembrando de pessoas. Eu não preciso conhecer um gordo para fazer um gordo, porque ele pode ter característica de magro. Se eu falar que não sei como construí um personagem, eu vou ser muito verdadeiro. E tem mais: eu não sou um ator ligado a um acabamento. É uma coisa minha. Eu sou assim. Gosto das coisas profundas e de fazer um salão de beleza desse jeito, com figuras ordinárias, terríveis, mas não faço a minha peça por causa disso. Aquilo me atrai por ser profundo, mas eu não faço questão. Eu quero mostrar para as pessoas algo que eu gostei. Como se fosse um: “Ah, já leu esse livro? É o maior barato. O que você acha?”. Sem fazer de caso pensando é mais atraente. Eu acho salão de beleza uma coisa cafonérrima e nunca havia parado para pensar nesse universo. Estou vivendo esse texto há um tempo e cada vez vou alimentando mais a peça. Então, a reflexão fica a cargo da platéia. Não é uma obrigação minha.

HT: Um evangélico fervoroso, um enganador, uma prostituta e por aí vai na sua lista de personagens. Logicamente que com uma enorme carga de humor você representa estereótipos presentes por aí e que, nem sempre, são da melhor índole. Como dosar a interpretação dessas figuras?

Luiz Fernando Guimarães: Minha forma de fazer é muito leve. Eu não estou falando mal de nenhuma religião, por exemplo, porque também tem o devoto de Iemanjá. É porque eu lembro de uma época que eu fazia um espetáculo e, em dado momento, o personagem, que também trabalhava num salão, recebia a ligação de uma cliente que queria um horário e ele não tinha como atendê-la. Ele falava: “Ah, vai de lenço que você vai parecer uma muçulmana”. E teve alguma cidade que fui fazer essa peça que, não lembro qual, mas tinha uma forte comunidade muçulmana. Como eu não estou a fim de atingir ninguém, lembro que troquei o termo muçulmana por algo diferente. E não alterou em nada os rumos da peça. Apesar de o Brasil ter muito forte essa questão de religiosidade, naquele momento aquilo é voltado para divertir, rir, não atacar.

HT: Você teve apoio da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, além de uma loja de departamentos, para viabilizar a peça. O ex-secretário e hoje Ministro da Cultura, Marcelo Calero, disse em entrevista ao Canal Brasil que houve uma “demonização” da Lei Rouanet no mandato de seu antecessor, o Juca Ferreira. Você, enquanto cidadão que vive da arte e conhece esse cenário de editais, concorda?

Luiz Fernando Guimarães: A lei é uma coisa ótima. Ela não favorece só o teatro, mas também favorece as empresas. Ela foi criada para que o teatro pudesse ter alguma possibilidade ser reerguido, porque precisa de dinheiro. E que as empresas pudessem apoiar e ter essa dedução no importo de renda. A minha peça, em questão, é relativamente barata. Eu já produzi minhas peças com meu dinheiro e vou te confessar: acho difícil o teatro ter muito lucro sem nenhum apoio. Não tenho nenhuma experiência de ter tido o dinheiro que eu coloquei de volta. Eu também já fiz peça sem colocar dinheiro nenhum, só pedindo favores. “O fica comigo essa noite” mesmo foi um espetáculo caro, que eu tive patrocínio da Shell. Acho fundamental que sejamos cobertos de alguma forma, se não o teatro não existe. Assim como cinema é caro para caramba, assim como a ópera. Os teatros cobram uma grana para que possamos encenar lá.

HT: Falando agora de televisão. A gente continua assistindo uma renovação de seriados humorísticos, tanto na TV paga ou aberta, mas ainda vemos uma demanda de inspiração no passado: “Escolinha do Professor Raimundo” retornou, o “Casseta e Planeta” vai voltar, o “Sai de Baixo” surgiu em dado momento. Como você analisa o cenário do humor na TV? É a hora do que?

Luiz Fernando Guimarães: Olha, eu gosto muito do Canal Viva. Assistindo por lá, eu me divirto mais hoje com “Os Normais” do que na época que eu fiz. As pessoas falam: “Ah, vocês podiam voltar com a ‘TV Pirata’”. Não acho que seja bom o retorno do passado puramente. No caso d’Os Normais se criou uma fórmula que você pode ficar com ela 40 anos, só que falando outros assuntos. É que você encontra uma fórmula de fazer determinada coisa, de se comunicar. É como se fosse tudo telefone, mas diferentes modelos: são as variadas formas de falar. O maior problema da gente que faz televisão é ficar massificando até envelhecer.

HT: Já que você lembrou do “Os Normais”, esse mês completam 15 anos desde que o programa estreou. Se surgisse um convite, você voltaria a viver o Rui?

Luiz Fernando Guimarães: Quando paramos de fazer no auge, eu e a (Fer) Nanda (Torres) falamos: “Acho mais bacana pararmos agora, que estamos gravando para caramba, que o programa está no auge e sair assim”.  Ótimo. Agora, eu, Luiz Fernando, não parei naquele tempo. Eu sou o Rui e a Nanda é a Vani. Se voltar, teria uma mudança, porque nós mudamos. É só você não forçar a barra, que Rui e Vani estão por aí. “Os Normais” podia voltar. Gostaríamos demais de fazer o terceiro filme. Seria até mais coerente. Nós somos atores muito presentes, faríamos algo renovado.

HT: A sua orientação sexual ainda é motivo de notícia mesmo em um país assolado pela miséria, com escândalos políticos e crise econômica – ou seja: com tantos assuntos sérios a serem tratados e que mereçam noticiação. Como você enxerga isso?

Luiz Fernando Guimarães: As pessoas gostam. Não tem o que discutir. Eu sempre fui muito na minha. Sempre quis ser ator, mas nunca celebridade. Não me interessava ser capa de jornal. Não levo minha vida pessoal para fora. Sou assim. Se tem, por exemplo, a estreia de uma peça, eu não vou naquele dia, porque sei que não vou conseguir cumprimentar meus amigos. Mas cada um canaliza de um jeito. Eu sei que o público gosta, existe essa vontade de saber da vida íntima da pessoa, que parte da sociedade gosta disso, do fuxico. Mas eu estou fora dessa. Existem até revistas semanais especializadas nisso. Fazer o que, né? Agora sobre esses outros assuntos sérios, boa parte do país é mal informado, só vê o que está na capa do jornal. Se é notícia ruim, vende, vamos vender. Está tudo errado, dentro da polícia, dentro do Senado. Nós fomos para a rua e mandamos uma presidenta embora e, agora, aquele cara, que eu não quero nem falar o nome está lá de novo? É revoltante. Como se explica? Não se explica. E eu vejo muita televisão e fico sempre ligado em assuntos iguais que ficam sendo repetidos. E a gente dá atenção. Temos que nos perguntar: “Por que aquilo está ali de novo?”. Fico pensando: será que aquele porta-voz da bancada do telejornal, que repete tudo sempre, não padece?

HT: Depois desse desabafo, o que te faz rir e o que faz você fechar a cara?

Luiz Fernando Guimarães: Gente que joga lixo na rua me faz fechar a cara. Olha, o que me faz rir…coloca piada, mas eu odeio piada.

(Luiz Fernando começa a gargalhar alto e continuamente).

Pronto, você me fez rir.

(E continua.)

HT: Planos profissionais?

Luiz Fernando Guimarães: Vou para São Paulo em agosto com “O Impecável”. Uma semana depois das Olimpíadas no Rio começarem. Eu quero encerrar no Teatro Imperator, no Méier, no Rio, mas vai depender de quanto tempo eu vou ficar em São Paulo.

Serviço – 8ª edição do Circuito Banescard de Teatro com a peça “O Impecável”, com Luiz Fernando Guimarães

Data: 25 e 26 de Junho de 2016

Direção: Marcus Alvisi

Texto: Charles Möeller e Claudio Botelho

Local: Teatro Universitário – UFES

Endereço: Av. Fernando Ferrari, 514 – Campus da UFES – Goiabeiras.

Horários: Sábado, às 21h / domingo, às 18h

Informações: Ufes: 27 3335 2953 / WB 27 3029 2765

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