“Love, Love, Love”: Débora Falabella e sua companhia de teatro estreiam peça de autor britânico que tem a passagem do tempo e as transformações políticas como pano de fundo


Embora tenha sido escrita por Mike Bartlet, o diretor do espetáculo, Eric Lenate, garantiu que o enredo dialoga com a sociedade e a realidade brasileira. “O que mais impressiona nesse trabalho é que o texto é totalmente universal e nós não ficamos alheios às discussões e aos debates. Todos que assistem se identificam e mergulham naquela realidade do palco”

Os dramas e a relação de um casal e seu filho compõem o enredo do espetáculo “Love, Love, Love”. Em cartaz no teatro do Oi Futuro do Flamengo até março, a peça é a 5ª montagem da companhia Grupo 3 de Teatro, composta por Débora Falabella, Yara de Novaes e Gabriel Paiva. Escrito pelo britânico Mike Bartlet, o texto atravessa três gerações, os anos 1960, 1990 e 2010, e traz para a convivência desta família as situações externas e transformadoras daquele momento. Como explicou o diretor da peça, Eric Lenate, o tempo e o panorama histórico aparecem quase que como mais um personagem no elenco. “O texto atravessa três momentos diferentes de uma mesma família: desde o nascimento dela até um determinado ponto, quando o casal já tem filho. Então, a peça começa em 1967 e chega até 2011, que foi quando Mike Bartlet escreveu. Na prática, ele traçou um panorama histórico e social de dois personagens que estiveram envolvidos em vários marcos do passado e o que reverberou dessas experiências”, explicou.

Apesar de ser uma peça escrita por um autor britânico, o diretor de “Love, Love, Love” garante que a plateia brasileira se identifica com a história. Como ressaltou, a questão espacial do autor se choca com a contemporaneidade do texto, escrito há seis anos. “Apesar de ser uma peça inglesa e de o autor levantar fatos e momentos muito pertencentes a cultura da Inglaterra, o material e as relações entre os personagens são muito tocantes e próprias de todos nós. Nós não sentimos que é uma peça distanciada. O que mais impressiona nesse trabalho é que o texto de Mike Bartlet é totalmente universal e nós não ficamos alheios às discussões e aos debates. Todos que assistem se identificam e mergulham naquela realidade do palco”, analisou Eric Lenate que foi completado pela atriz Yara de Novaes. “A peça vai além da pessoalidade. Ele traça o panorama político, cultural e social da época de uma forma prosaica e coloca tudo isso dentro de uma família”, concluiu.

Gabriel Paiva, Eric Lenate, Matheus Monteiro, Ary França, Rafael Primot, Yara de Novaes e Débora Falabella (Foto: AgNews)

Super adorado por todos do elenco, que além dos três atores da companhia Grupo 3 ainda tem Ary França, Matheus Monteiro e Rafael Primot, o texto é uma unanimidade entre a equipe de “Love, Love, Love”. Em uma conversa com todos eles, os elogios à obra de Mike Bartlet foram inúmeros e frequentes. Prova disso, é que esta é a primeira vez que a companhia Grupo 3 de Teatro repete um autor em sua trajetória artística. Apesar de “Love, Love, Love” ter sido o primeiro trabalho de Mike Bartlet a chegar às mãos de Débora, Yara e Gabriel, o grupo preferiu guardar este espetáculo e apostar em outra obra.  “O primeiro trabalho do Mike Bartlet que nós conhecemos foi ‘Love, Love, Love’. Mas, na época, decidimos que seria mais adequado e melhor para a companhia montar ‘Contrações’, outra peça dele. No entanto, aquele texto nunca havia saído da nossa cabeça. E, sem planejar, nós vemos hoje o quanto o texto de ‘Love, Love, Love’ se encaixa com as nossas questões atuais”, disse a atriz sobre o espetáculo que aborda as mudanças políticas e sociais de 1967 a 2011.

Com um enredo que mistura família, contemporaneidade, transformações, cobranças e o passar de gerações, “Love, Love, Love” toca em um ponto muito comum aos adultos de 30 anos de hoje em dia. No espetáculo, Débora Falabella interpreta Rose, a filha de um casal super liberal que não se preocupou em dar muitos limites e obrigações a jovem. “A Rose é fruto de um amor romântico desses pais que, apesar de serem jovens livres, tiveram aquele sonho tradicional de casar, construir casa e família juntos. Ela é uma filha que não conseguia ter muito diálogo com os pais, mesmo eles sendo muito abertos. Mas eu acredito que, muitas vezes, o exemplo de casa pode gerar influências na contramão. Ela poderia querer mais limites na vida, por exemplo”, explicou. Hoje, adulta, Rose não consegue se garantir economicamente e nem moralmente em uma sociedade que afirma que, para ser uma pessoa de sucesso, é preciso ter carro, casa própria e família tradicional consolidada. “Ela não é a artista que queria ser, não tem casa nem carro. Ela é fruto dessa geração que criou os filhos sem muitos limites e que é um pouco frustrada. Essas pessoas, que hoje têm uns 30 anos, sofrem muito a pressão de ter que ser alguma coisa. E isso vem para a Rose. Só que, não necessariamente, a gente precisa ser espetacular”, acrescentou.

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No espetáculo, Débora interpreta Sandra, na primeira fase, e Rose, nas duas gerações seguintes (Foto: AgNews)

Assim como sua personagem no espetáculo, Débora Falabella também é um exemplo desta geração. A atriz, que em 2017 completa 37 anos, destacou que vive a mesma cobrança e atravessa um momento histórico e político parecido de sua personagem. No entanto, Débora afirmou que acredita que, apesar do panorama similar, as pessoas são muito diferentes. “Eu sou de uma geração muito parecida com a da minha personagem da peça. Nós somos frutos de um momento histórico similar, mas as trajetórias são diferentes. Apesar da mesma época, eu tive uma família e uma criação que foram diferentes das que outras pessoas receberam, apesar do tempo”, disse Débora que se identificou com o discurso de Rose. “Essa parte da história foi marcada pela múltipla possibilidade de tudo, mas, ao mesmo tempo, por um vazio pessoal das pessoas. Então, eu acredito que tenha sido uma geração muito sem esperança”, analisou.

O vazio pessoal e a relação com o tempo também foram destacados por Yara de Novaes. Para a atriz, que no espetáculo interpreta a mãe de Débora Falabella nas duas últimas gerações, os anos 1990 e 2010, não cumprir as idealizações e pressões sociais torna as pessoas impotentes. E essa sensação se confunde com a realidade no momento em que Yara de Novaes traz suas experiências pessoais para a arte. “Apesar de a gente falar de uma necessidade emergencial de estar presente e de aproveitar a vida em todos os momentos, há um questionamento de como a gente se projeta para as situações que virão. Então, no palco, é como se eu rebobinasse todos os meus sonhos e fosse, naquele momento, tudo o que fui e o que não fui”, disse.

Cena do espetáculo “Love, Love, Love” (Foto: AgNews)

Com um texto tão denso, próximo e real, Yara de Novaes garantiu que o autor Mike Bartlet não esquece do caráter artístico e teatral no espetáculo. Segundo a atriz, o texto não dá pistas falsas e aponta e afirma todas as ideias que quer passar. “A gente não precisa de uma vida interior ou de um fluxo psíquico para entender como essas personagens agem. O mais importante é estabelecer uma relação com os significantes, que são as palavras de Mike Bartlet escolheu e o ritmo apontado pelo autor”, explicou.

Para garantir que o Grupo 3 de Teatro seguiria todas as propostas e intenções de Mike Bartlet, o diretor Eric Lenate contou que trabalhou com a obra traduzida e a original, escrita em inglês, simultaneamente. Segundo o diretor, essa escolha garantiu que o texto seria interpretado da forma mais real e fiel possível. “Nós nos preocupamos muito para ver se algo tinha se perdido ou havia sido adaptado de forma indevida pela tradutora. Da mesma forma, trabalhar com o texto original nos dava a oportunidade de identificar momentos mais fortes do texto em que poderíamos trocar uma ou outra palavra para dar mais intensidade”, contou.

Serviço:

Horário: Quinta-feira a Domingo | 20h
Local: Oi Futuro Flamengo
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 | Flamengo | RJ
Preço: R$ 30,00 (inteira) | R$ 15,00 (meia)
Telefone: (21) 3131-3060