Em família: “Os Insones”, de Tony Bellotto, vira teatro pelas mãos da sobrinha, Erika Mader: “Lisonjeado de ela ter escolhido meu texto”


A história que põe um holofote na inquietação dos jovens diante da violência que domina os morros e a cidade foi escrita há quase dez anos e não poderia ser mais atual: “Quando comecei a adaptar, há uns dois anos, tinha um momento político muito específico e era uma questão meio tapada. Agora, no momento em que estou estreando, parece que borbulhou. Mas com um diferencial, eu acho. Em 2007 nossa juventude estava um pouco mais apática, agora acho que estamos mais na rua”, disse Erika

Jovens que vivem em uma cidade onde a violência domina os morros e dita as regras de comportamento de toda uma sociedade. A história de “Os Insones”, que tem como pano de fundo o fictício Morro do Café não poderia ser mais atual. Mas engana-se quem pensa que foi só por isso que Erika Mader se apaixonou pelo texto e o transformou em peça de teatro que estreou nessa terça-feira, 12, no Teatro Leblon. E, se a plateia – claro – estava recheada de familiares, podemos dizer o mesmo dos palcos. Ou, pelo menos, dos bastidores. É que o texto foi escrito há quase dez anos por seu tio, Tony Bellotto. “Eu estava procurando textos para montar alguma peça. Costumo pesquisar muito, guardar referências, leio bastante teatro porque gosto de dirigir e, em um dado momento, voltei ao livro do Tony e, sem muita expectativa, comecei a ver teatralidade naquela história. Quando ele foi lançado já tínhamos pensado em filme, mas quando eu voltei ali, vi teatro. Avisei ao Tony e ele: ‘vai fundo, você tem total liberdade’. E aí eu fui. Mas não fui direto a uma obra de um tio meu, fui procurar obras e por acaso cheguei na dele”, contou Erika.

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Malu Mader, Erika Mader e Tony Bellotto (Foto: AgNews)

Tony endossou a sobrinha: “Quando comecei a namorar a Malu (Mader), a Erika era pequenininha e eu sempre notei que ela tinha muito jeito para arte, interpretação, e quando soube que ela estava adaptando ‘Os insones’ fiquei muito lisonjeado, honrado de ela ter escolhido meu texto”, revelou ele, que foi além: “Foi muito emocionante. Primeiro porque a adaptação é muito boa, é fiel ao livro, a Erika conseguiu pegar a essência e contar a mesma história no palco. Para mim, ver os personagens e falas que eu inventei faladas por gente de carne e osso é uma sensação indescritível”, elogiou.

Pensa que é só? Pois o Titã assina, ao lado do filho mais velho, João, de 21 anos, a trilha sonora da peça. “Me envolvi até o pescoço. Quando a Erika pensou na trilha e pediu para eu fazer, disse que adoraria, mas eu estava sem tempo, viajando muito. Meu filho, João, ama. Costumo brincar que descobri isso em casa, quando eu estou escrevendo de tarde e ele está sempre escutando coisas incríveis que eu sempre me pergunto onde será que ele descobriu. Ele topou fazer o dia a dia com a Erika e eu tocando tudo de longe e deu muito certo”, contou Tony. Erika explicou: “No processo, quando eu cheguei à trilha sonora – a peça e o livro tem muitas referências musicais – era tudo muito específico, não conseguia pensar em ninguém. Fui falar com o Tony e ele se animou, indicou o João, que estava estudando cinema e migrando para a área de trilha sonora, para uma parceria. Ninguém melhor do que o Tony, que criou essa história, para trazer referências para os palcos”, disse.

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Erika Mader, Tony Bellotto e João Mader Bellotto: parceria familia no palco (Foto: Reprodução)

Com filho, sobrinha e marido envolvidos, Malu Mader, claro, não poderia estar mais feliz: “Acompanhei todo o processo de perto. Na época que o Tony escreveu o livro ele dizia muito que, infelizmente, tinha sido inspirado na violência na cidade. Víamos tiroteios, vivíamos com uma sensação ruim de ameaça. Quando a Erika falou em adaptar me parecia mais cinematográfico do que teatral, pelas locações, tudo. E não sei se, há um tempo, estávamos com uma sensação de que o Brasil estava em outra situação e não me parecia mais tão atual. Infelizmente agora, com tudo isso voltando, a violência… então bateu hoje, assistindo à peça, acredito que para todo mundo”, analisou Malu, que fez questão de elogiar o trabalho: “Fiquei superimpressionada com o trabalho dos atores, da Erika, estou superorgulhosa. Voltei a ter contato com o texto do livro, que eu tinha lido faz tempo, fui me lembrando de como era forte. Além disso, tem trilha sonora do meu filho e do marido também. Então foi um dia de orgulho da tia, mãe e mulher, realmente. Infelizmente o livro e a peça voltaram a ficar bem atuais, mas hoje é dia de alegria, estreia, deu tudo certo”, destacou.

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Pedro Richaid, Erika Mader, Malu Mader, Tony Bellotto e João Mader Bellotto (Foto: Reprodução)

De fato: chega a ser assustadora a contemporaneidade de um texto que fala sobre a inquietação da juventude através de personagens como Samora (Guilherme Ferraz), um adolescente negro e rico criado no Leblon que, depois de ler e ouvir os grandes ícones da guerrilha e do movimento negro, decide fazer uma revolução, Sofia (Amanda Grimaldi), uma jovem branca, que mora em Ipanema, e está desaparecida, seu irmão, Felipe (Leonardo Bianchi), um adolescente calado, estranho, que coleciona armas e mente para a família sem o menor ressentimento, Mara Maluca (Polly Marinho), uma jovem abrutalhada, dona do tráfico do morro, que mata com uma indiferença dilaceradora, Anjo (Yuri Ribeiro), um rapaz branco, ignorante, perdido e apaixonado por Chayene (Sol Menezzes), negra e moradora da comunidade, que sonha ser atriz e faz parte do grupo de teatro do morro, uma ONG liderada por Humberto (Izak Dahora), professor de teatro que pensa que vai salvar os jovens do morro através da arte.

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“Na verdade quando eu comecei a adaptar, há uns dois anos, não pensei muito se era a hora apropriada, porque tinha um momento político muito específico naquela época, acho que algo foi meio que tapado durante esse meio tempo e, agora, no momento em que estou estreando a peça, parece que borbulhou e que é a mesma coisa: essa onda de violência, o medo de sair na rua. Mas com um diferencial, eu acho. Em 2007 nossa juventude estava um pouco mais apática, agora acho que estamos mais na rua. Acho que o Samora, que é o protagonista, esse cara que se manifesta, está em todos nós. Então veio em uma hora legal. Fiquei satisfeita com o momento que a peça saiu, não foi planejada, mas era a hora”, disse Erika.

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Tony Bellotto, Erika e Malu Mader: comemoração e carinho após a estreia (Foto: AgNews)

Para Tony, por outro lado, o texto pode falar de qualquer época: “Quando escrevi o livro, há dez anos, era no tempo do governo do Garotinho e havia um problema sério de violência urbana. Com a vinda das UPPs, pensamos que estava resolvido e vemos que não, que é uma situação recorrente. A história também vai além disso: fala da condição humana, do idealismo, de o ser humano, de alguma forma, sempre acabar na guerra. Ficou atual, mas vale para qualquer época”, destacou. A gente assina embaixo.

Serviço:
Local: Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro)
Endereço: Rua Conde Bernadotte 26 – Leblon
Tel.: 2529 7700
Lotação: 346 lugares
Horário: Terças e quartas às 21hs
Preço: inteira R$60,00 / meia R$30,00
Classificação: 16 anos
Duração: 100 minutos
Ingressos: ingresso.com e bilheteria do teatro
Temporada: 12 de julho a 31 de agosto