Em cartaz no Rio, Armando Babaioff estrela peça “Tom na Fazenda” que levanta discussões a partir da homofobia: “Sinto necessidade de dar voz”


Para o ator, é dever dos artistas de hoje levantar questões e discursos modernos para renovar as formas de pensar da sociedade. E, no teatro, tudo fica mais livre e democrático, como destacou Babaioff. “Eu acredito que nos palcos a gente ainda tenha mais liberdade do que no cinema e na televisão”

“Não é para ser panfletária e nem para levantar bandeiras”. É assim que Armando Babaioff brilha no palco do Teatro Oi Futuro Flamengo com o espetáculo “Tom na Fazenda”. Em um texto inédito no Brasil escrito pelo autor canadense Michel Marc Bouchard, o ator aborda temáticas como violência, preconceito, impotência e fracasso a partir da homofobia. Em entrevista exclusiva ao HT, Armando Babaioff contou que este é um daqueles projetos que suprem uma necessidade pessoal do ator de falar sobre algo que acredita. “Às vezes, eu preciso dizer para o mundo o que eu de fato tenho como verdade. A minha arte não é de cantar e nem de pintar, eu atuo. Então, é em cima de um palco que eu vou fazer isso. Muitas vezes, a nossa profissão torna-se apenas uma reprodução do desejo alheio e nem sempre fazemos personagens com paixão. Eu sinto muito prazer em criar, mas sinto necessidade de dar voz”, argumentou.

Armando Babaioff em “Tom na Fazenda” (Foto: Renato Mangolin)

Em “Tom na Fazenda”, Babaioff divide o palco com Kelzy Ecard, Camila Nhary e Gustavo Vaz para contar essa fabulosa história que, a partir da sexualidade do personagem, faz diferentes questionamentos contemporâneos. Apaixonado pela criação do canadense Bouchard, o ator contou que decidiu montar a peça assim que terminou de ler o texto original. “Estava conversando com um amigo sobre cinema e ele contou do filme homônimo que era baseado na peça ‘Tom na Fazenda’. Antes de procurar o longa, quis ler a versão de teatro e, quando terminei, já estava apaixonado pela história. Na mesma hora, liguei para o Rodrigo Portella, que assina a direção da nossa peça, para que ele também lesse”, lembrou o ator que neste momento acumulou mais uma função na peça. “Como o original estava em inglês, eu traduzi todo o texto para que o Rodrigo conhecesse a história”, contou Armando Babaioff que aprendeu o idioma sozinho.

Armando Babaioff e Kelzy Ecard na peça “Tom na Fazenda” (Foto: Ricardo Brajterman)

Se já não bastasse atuar e ainda traduzir o texto do espetáculo ‘Tom na Fazenda’, Babaioff também assina a produção da peça. Empolgado com o novo projeto, o ator contou que, à medida que ia conhecendo melhor a história, já pensava na interpretação dos colegas de cena. “Sem querer, eu já fui escalando o elenco”, disse Armando Babaioff sobre sua terceira experiência como produtor teatral. Neste posto, o ator tem a oportunidade de assinar projetos que preenchem seu desejo pessoal de falar sobre algo que acredita. “O que me fascina é essa possibilidade de falar de assuntos que eu realmente acho necessário. Eu sinto essa necessidade de dizer para o mundo verdades das quais eu acredito”, apontou.

Assim, o esqueleto de “Tom na Fazenda” estava montado. Além da oportunidade de escolher as temáticas, Armando Babaioff ainda contribui para enriquecer o cenário cultural brasileiro. Com esta peça, o ator introduziu um novo autor ao universo teatral e que hoje, já é pesquisado por outros artistas e companhias tupiniquins. Sobre a importância de trazer novos escritores para o meio artístico, Armando Babaioff afirmou que quem ganha é a sociedade e o teatro brasileiro. “É muito bacana saber que as pessoas estão curiosas para saber quem é esse autor e o que mais que ele tem de obra escrita para o teatro. De alguma forma, eu sinto que estou colaborando para que a gente saia de um lugar comum e traga novos autores e pensamentos para o circuito cultural”, analisou.

Armando Babaioff e Gustavo Vaz na peça “Tom na Fazenda” (Foto: Ricardo Brajterman)

Escrito em Montreal, Canadá, em 2011, o texto foi definido como moderno e atemporal por Armando Babaioff. Na história, após a morte do seu companheiro, o publicitário Tom (Armando Babaioff) vai à fazenda da família para o funeral.  Ao chegar, ele descobre que a sogra nunca tinha ouvido falar dele e tampouco sabia que o filho era gay. Nesse ambiente rural austero, Tom é envolvido numa trama de mentiras criada pelo truculento irmão do falecido, estabelecendo com aquela família relações de complicada dependência. A fazenda, aos poucos, vira cenário de um jogo perigoso, onde quanto mais os personagens se aproximam, maior a sombra de suas contradições.

O espetáculo, que estreou no final de março no Teatro Oi Futuro Flamengo, é como um choque nas atitudes e nos pensamentos da sociedade contemporânea. “Essa peça é um retrato do comportamento de qualquer país em qualquer ano. Apesar de ter sido escrita no Canadá, se me contassem que foi no Brasil eu perfeitamente acreditaria. E essa característica do texto revela a mágica do teatro: a obra deixa de ser local e se torna mundial”, destacou o ator que explicou a riqueza da peça. “A história parte de um fato que ocorreu em uma fazenda. A partir daí, os personagens levantam diversas questões que os transportam para um pântano de incertezas. E as verdades assustam”, alertou.

No entanto, abordar temáticas afloradas em um contexto que parte da sexualidade de um personagem não é tarefa simples. Embora hoje a sociedade levante a bandeira do não preconceito e acredite viver tempos de maior liberdade, Armando Babaioff contou que na prática, pensamentos retrógrados ainda prevalecem. “Quando a gente começou a buscar patrocínios para a peça, a palavra homofobia na sinopse da peça já assustava. Muitas empresas descartavam o projeto por se dizerem conservadoras demais para a obra”, contou.

Armando Babaioff, Gustavo Vaz e Kelzy Ecard na peça “Tom na Fazenda” (Foto: José Limongi)

Mas ele não desistiu. Aliás, a classe artística não desiste. Para Armando Babaioff, é dever dos artistas de hoje levantar questões e discursos modernos para renovar as formas de pensar da sociedade. E, no teatro, tudo fica mais livre e democrático, como destacou o ator. “Eu acredito que nos palcos a gente ainda tenha mais liberdade do que no cinema e na televisão. Mas o que importa é que a gente lute e levante essas bandeiras através da nossa arte. É preciso falar de sexualidade, de preconceito, da posição da mulher na sociedade em todos os lugares. Ao mesmo tempo. Hoje, com esse texto de um autor canadense de anos atrás, eu vejo o quanto o Brasil de 2017 está atrasado em comparação com outros países”, disse.

Para reverter esse quadro, o ator acredita que a arte precisa estar ainda mais inserida na sociedade brasileira. E desde cedo, como apontou Babaioff. Formado em um colégio que tinha aulas de teatro como matéria obrigatória do currículo escolar, o ator destacou que a formação ideológica de seus colegas seja ainda mais completa, independente da profissão. “Os meus amigos que hoje são advogados, empresários, médicos ou qualquer outra profissão, são melhores seres humanos por causa do teatro. Eu acredito que a arte seja importante para formar a nossa base social e nos transformar em pensadores, além de simples cidadãos. É assim que transformamos o lugar comum em uma sociedade mais humana”, argumentou.

Armando Babaioff e Gustavo Vaz na peça “Tom na Fazenda” (Foto: Ricardo Brajterman)

E esse engajamento social e ideológico de Armando Babaioff na carreira artística já é uma identidade de seu trabalho. Ao longo da caminhada no teatro, televisão e cinema, o ator acumula experiências que, de fato, tiveram um propósito. “Eu sinto necessidade disso. Como diz o meu amigo Caco Ciocler, alguns trabalhos me pagam para eu entender a minha essência. Quando eu procuro um texto, eu gosto de entender o que aquele ser humano quer falar e, a partir das minhas vivencias, eu traduzo aquela mensagem. Eu acho que essa é a função do ator. Afinal, não é porque eu tenho voz que sou cantor ou porque eu escrevo algumas palavras que sou um poeta”, disse.

Caminhando desse jeito que Armando Babaioff escreve suas ideologias sobre o mundo moderno. Longe de posts nas redes sociais ou de posicionamentos muito polêmicos, o ator contou que gosta de defender suas causas através de projetos artísticos engajados, como o “Tom na Fazenda”. “Para saber o que eu acho sobre determinados assuntos, procure saber o que eu estou fazendo no teatro. É lá que eu vou expressar a minha opinião mais verdadeira. Mas por favor, não me peça para publicar nada em rede social. Eu não gosto e não tenho a menor paciência para esse embate virtual. Me chama para tomar uma cerveja no bar e a gente conversa, é melhor”, confessou bem-humorado.

Armando Babaioff (Foto: Pino Gomes)

E é desta forma que Armando Babaioff quer viver este momento de sua carreira. Em cartaz com uma peça que traduz suas verdadeiras emoções, o ator contou que está dedicado exclusivamente ao espetáculo “Tom na Fazenda”. Inclusive, depois de atuar em “A Lei do Amor”, ele negou um novo trabalho na televisão para continuar mergulhado na peça do autor canadense. “Eu fui convidado para fazer o Dedé em um remake de ‘Os Trapalhões’. Mas, infelizmente, eu não aceitei. A peça está me consumindo muito, tanto física quando emocionalmente, e eu não pude aceitar essa outra proposta no momento”, explicou Armando Babaioff que está com planos de levar o espetáculo para São Paulo após a temporada no Rio de Janeiro.

Porém, apesar de não ampliar sua interpretação para a televisão neste momento, Armando Babaioff contou que deve estrear dois filmes ainda este ano. Um deles é “Introdução à música de sangue”, que também tem Ney Latorraca no elenco. O longa, que foi baseado em um conto, retrata a vida no interior de Minas Gerais e conta sobre a última casa de uma região a receber energia elétrica. Já o outro filme a estrear de Armando Babaioff é “O Homem Livre” que, no papel principal, tem um ex-astro de pop rock que, após ficar dez anos preso, reintegra a sociedade com a ajuda de uma igreja evangélica no Rio de Janeiro.

SERVIÇO
Espetáculo: Tom na fazenda
Temporada: 23 de março a 14 de maio.
Local: Oi Futuro (R. Dois de Dezembro, 63 – Flamengo).
Informações: (21) 3131-3060.
Dias e horários: Quinta a domingo, às 20h.
Classificação indicativa: 18 anos.
Gênero: Drama.
Ingressos: R$ 15 (meia) e R$ 30 (inteira)