Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “O Como e o Porquê”. “Suzana Faini faz 50 anos de carreira em espetáculo imperdível!”


“O Como e o Porquê” (“The how and the why”) foi escrito em 2011 por Susan Treem, dramaturga mais conhecida por seus trabalhos como roteirista da TV americana, entre os quais, dois episódios de “House of cards”, do Netflix.

* Por Rodrigo Monteiro

“O Como e o Porquê” abrilhantou a programação carioca durante o mês de abril no Teatro Sesc Ginástico, no centro do Rio de Janeiro. A peça, escrita pela roteirista americana Susan Treem, é dirigida por Paulo de Moraes em belíssimo trabalho. No elenco, em ótimas atuações, Alice Steinbruck e Suzana Faini, que comemora, em 2016, cinquenta anos de carreira. Na história, uma renomada cientista recebe a visita de sua filha biológica quando descobre que essa está seguindo seus passos na vida profissional. Questões intelectuais e laços afetivos se alternam nesse excelente espetáculo cuja segunda temporada começa no próximo dia 13 de maio no Teatro Fashion Mall, na Barra da Tijuca. Imperdível!

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Alice Steinbruck e Suzana Faini (Foto: Fabiano Cafure)

“O Como e o Porquê” (“The how and the why”) foi escrito em 2011 por Susan Treem, dramaturga mais conhecida por seus trabalhos como roteirista da TV americana, entre os quais, dois episódios de “House of cards”, do Netflix. A inspiração para o texto surgiu durante a leitura de “Mulher: uma geografia íntima”, de Natalie Angier, recentemente publicado no Brasil pela editora Rocco. A peça tem ainda relação com a teoria de Kristen Hawkes, antropóloga da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, sobre a importância das avós na criação dos filhos. Produzida duas vezes nos Estados Unidos, nenhuma delas apresentada na Broadway, a peça ganha sua primeira versão na América Latina com a montagem da Diga Sim Produções que aqui se analisa.

A narrativa é densa como complexo é seu tema. A primeira das duas cenas da peça se passa no gabinete da Dra. Zelda Mildred Kahn (Suzana Faini), pesquisadora famosa por uma teoria acerca da menopausa sobre a qual tem se dedicado nos últimos trinta anos. Ela recebe a visita da jovem Rachel Hardeman (Alice Steinbruck), sua filha biológica com quem aparentemente não teve quase qualquer contato até então. É o laço de sangue entre elas, revelado muito discretamente, que justifica a manutenção do encontro entre alguém célebre e uma iniciante, apesar desse começar com as iniciais grosserias da segunda. Então, Zelda descobre que Rachel está seguindo seus passos na vida acadêmica. Recém doutora, ela elaborou uma tese sobre a menstruação, defendendo que essa é uma ação natural de defesa do organismo feminino contra os elementos patogênicos do espermatozoide. Seu artigo, no entanto, foi reprovado por um comitê científico do qual Zelda faz parte. Em busca de explicações, a filha viaja até a cidade da mãe, que desconhecia qualquer detalhe entre Hardeman e o referido estudo e sua avaliação.

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Com a habilidade, a narrativa se estrutura a partir de uma complexa teia de relações. De um lado, uma pesquisa sobre menstruação. De outro, uma sobre menopausa. Aqui, uma bióloga com longa e célebre carreira. Lá, uma outra dando seus primeiros nobres passos na pesquisa científica. Uma filha abandonada pela mãe, uma teoria sobre as avós. A maternidade, o sangue, os laços. Pouco a pouco, o texto vai abandonando o palavrório científico e deixando ver duas mulheres com medo da solidão talvez, mas certamente envolvidas nos laços que inegavelmente as une. Um texto inteligente, emocionante, delicado e forte!

A direção de Paulo de Moraes, que de modo brilhante recentemente assinou “Inútil a chuva”, mais uma vez estrutura espaço ideal para acontecer a grande dramaturgia e a excelente interpretação. Nos pequenos detalhes, a conversa da primeira, mas sobretudo da segunda cena, que tem lugar em um bar, são as marcas de aprofundamento das questões da narrativa. É partir deles que o jogo vira, se transforma e que o ritmo se mantém positivamente em ascensão. Assinado por ele, o cenário é composto por várias cadeiras diferentes. As atrizes mudam de lugar ao longo da peça como uma forma do espetáculo oferecer ao público a oportunidade de suas impressões e reflexões também assentarem. O espetáculo flui!

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Alice Steinbruck (Rachel) perde algumas boas oportunidades de variar o modo como sua personagem fala, preferindo uma linha regular e um tanto monótona. Sobram-lhe gritos e faltam-lhe delicadezas que poderiam conferir, através da ironia, algum colorido maior para sua atuação. Vale a pena elogiar, no entanto, o modo como essa atriz investe no nervosismo, na sensibilidade aflorada e na determinação da jovem pesquisadora que, com audácia, investe contra sua interlocutora.

Suzana Faini, recém elogiadíssima em “Silêncio!” e em “Família Lyons”, está mais uma vez em trabalho brilhante! Cada palavra é contextualizada em um todo de sensações que dá profundidade ao discurso de modo excelente. Há emoção, equilíbrio, foco. Há clareza em todos os seus momentos. Eis aqui outra bela atuação de sua carreira que começou em 1966 também no palco do Teatro Ginástico. Na ocasião, ela apareceu em um pequeno papel na peça “Oh, que delícia de guerra”, o segundo espetáculo do grupo paulista Teatro de Esquina, dirigido por Ademar Guerra. A montagem, que unia teatro e dança, era uma adaptação de “Oh, what a lovely war”, de Charles Chilton, a partir de improvisações inspiradas no Theatre Workshop dirigido pela inglesa Joan Littlewood. Irina Grecco, Stênio Garcia, Paulo Goulart e Cacilda Lanuza, entre outros, estavam com ela.

“O como e o porquê”, com figurinos de Desirée Bastos, tem nobres participações da iluminação de Maneco Quinderé e da trilha sonora original de Bianca Gismonti, agregando méritos ao todo de maneira bela, potente e inteligente. Eis um espetáculo que merece ser visto e aplaudido em pé!

Serviço:

Onde: Teatro Fashion Mall. Endereço: Rua Estr. da Gávea, 899 – Telefone: (21) 2422 9800 – São Conrado
Quando: Sexta e sábado – 21h30. Domingo, às 20h. Até 05 de junho.
Quanto: R$ 60,00 na Sexta-feira – R$ 70,00 Sábados e domingos

Ficha técnica:
Texto: Sarah Treem
Tradução: Alice Steinbruck
Direção e Cenografia: Paulo de Moraes
Elenco: Suzana Faini e Alice Steinbruck
lluminação: Manéco Quinderé
Trilha sonora original: Bianca Gismonti
Figurinos: Desirée Bastos
Fotos e Desenho Gráfico: Fabiano Cafure
Coach Alice Steinbruck: Zé Wendel Soares
Coach Suzana Faini: Rogério Freitas
Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias
Marketing Cultural: Gheu Tibério
Assistente de Marketing Cultural: Andréa Tonia
Produção Executiva: Carin Louro
Direção de Produção: Sandro Rabello

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.