Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “Estamira – Beira do Mundo”. “Para ver muitas vezes e aplaudir sempre!”


“Estamira – Beira do Mundo” serve, na programação teatral carioca, como base para a reflexão sobre o homem. “A minha missão, além d’eu ser Estamira, é revelar.” – diz a personagem.

* Por Rodrigo Monteiro

“Estamira – Beira do Mundo”, que foi a sensação do teatro carioca entre 2011 e 2012, está de novo em cartaz para a beleza da programação da cidade. A montagem foi inspirada no filme documentário “Estamira”, de 2005, dirigido por Marcos Prado e vencedor de mais de trinta prêmios nacionais e internacionais. Interpretado por Dani Barros, o monólogo foi ganhador dos prêmios Questão de Crítica, Shell, APTR e APCA na categoria Melhor Atriz entre várias outras importantes indicações. Depois de rodar o país e de ter se apresentado em Portugal e na Espanha, esse excelente espetáculo pode ser visto no Teatro Poeira, em Botafogo, até o dia 29 de maio. A direção e a dramaturgia são de Beatriz Sayad. É para ver muitas vezes e aplaudir sempre.

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A versão para teatro é diferente do filme. No segundo, a câmera acompanha a catadora de lixo Estamira Gomes de Souza (1941-2011), que sofria de problemas mentais, e o seu universo: o aterro Jardim Gramacho, na Baixada Fluminense; sua casa; sua família. Na peça, a personagem título divide espaço com mais duas personagens: a própria Dani Barros e sua mãe, Maria Helena, falecida em 2003. O jogo entre essas três figuras – nem uma delas fictícia – marca a proximidade do espetáculo em relação ao público.

O discurso caótico de Estamira, no filme e na peça, ganhou, na edição cinematográfica e na dramaturgia, uma lógica avassaladora. Suas reflexões sobre Deus, pecado, humanidade, ciência e sobre sociedade têm força o bastante para atravessar o espectador para muito além da experiência estética. No palco, o ponto de vista da intérprete e a relação que esse oferece entre sua mãe e Estamira são combustíveis que incendeiam todos os lugares em que o teatro é menos realista que o cinema. Além disso, ele relembra o espectador da vocação da cena de obrigar o ser humano a ficar em frente a outro de sua espécie.

Os movimentos da dramaturgia e principalmente o modo como a direção de Beatriz Sayad propõe, apresenta e defende o jogo entre as personagens e o público são vibrantes. O espetáculo vai do lúdico e do poético ao trágico e ao reflexivo. A peça diverte e emociona, mas também convoca para o pensamento e propõe um caminho, retrata, motiva e critica. “Estamira – Beira do Mundo”, elogiadíssimo desde sempre, é um marco na história contemporânea do teatro brasileiro pelo conjunto de seus méritos, que vão da sua proposta à sua realização.

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A interpretação de Dani Barros é fulgurante. Ela está atenta à entrada do público, suas ações, ao modo como se envolve. Não se distancia de si em favor de sua personagem e nem da personagem em favor de si, fazendo explodir o teatro enquanto preenche a cena de níveis diferentes de fruição. A atriz, cuja preparação corporal é assinada por Georgette Fadel e vocal por Luciana Oliveira e Marina Considera, faz dos menores detalhes os pontos de maior força. E dos grandes momentos de enorme delicadeza. Eis um magnífico trabalho sob todos os aspectos.

O figurino de Juliana Nicolay sobrepõe uma capa de sacola plástica por cima de uma camiseta cheia de objetos. A peça mantém a curiosidade, prende a atenção e enriquece o trabalho já tão rico. O cenário de Aurora dos Campos situa a personagem em um banco cujo estofamento é em tom terra. Em volta, centenas de sacolas plásticas de várias cores preenchem a cena. Sua leveza, sons naturais e texturas ampliam o universo de possibilidades significativas, oferecendo uma belíssima cena final. A iluminação de Tomás Ribas é delicada, eficiente e pontual.

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A direção musical de Fabiano Krieger e de Lucas Marcier age no mesmo sentido, auxiliando na convergência, mas oferecendo outros pontos de ancoragem para possíveis níveis mais aprofundados de leitura. Um dos grandes momentos da peça é quando a personagem ouve uma canção, um fado brilhantemente interpretado por Soraya Ravenle. Cheio de poesia, de sensibilidade e de força, o trecho se destaca positivamente.

“Estamira – Beira do Mundo” serve, na programação teatral carioca, como base para a reflexão sobre o homem. “A minha missão, além d’eu ser Estamira, é revelar.” – diz a personagem. Cabe a nós, deixar que essa missão se cumpra, aplaudindo várias vezes. Viva Dani Barros!

Serviço:

Onde: Teatro Poeira – Rua São João Batista, 104 – Botafogo. Tel: 2537-8053
Quanto: R$ 50 (qui e sex) e R$ 70 (sáb e dom)
Quando: qui a sáb, 21h; dom, 19h Até 29 de maio.

Ficha técnica:
Direção e Dramaturgia: Beatriz Sayad
Atuação, Dramaturgia e Idealização: Dani Barros
Luz: Tomás Ribas
Cenário: Aurora dos Campos (Col.: Beatriz Sayad e Dani Barros)
Figurino: Juliana Nicolay
Direção Musical: Fabiano Krieger e Lucas Marcier
Assistente de Direção e Operação de Som: Marina Provenzano
Preparação de Ator: Georgette Fadel
Preparação Vocal: Luciana Oliveira (Fonoaudióloga) e Marina Considera (Canto)
Condicionamento Corporal: Cristina Wenzen
Voz do Fado: Soraya Ravenle
Preparador Vocal – Soraya Ravenle: Felipe Abreu
Assistente de Luz e Operador de Luz: Sandro Lima
Assistente de Cenografia: Camila Cristina
Costureira: Cleide Moreira
Produção: Ana Kutner
Produção Executiva: Gabriela Rocha
Coordenação Geral do Projeto: Dani Barros
Realização: Momoenddas Produções Artísticas

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.