André Heller-Lopes assume a direção artística do Theatro Municipal com o desafio de contornar os problemas: “A dificuldade do país nos afeta’


Apesar da crise, o novo diretor artístico está cheio de ideias para tentar solucionar os problemas. Além disso, ele conta sobre a experiência de viajar a América Latina para ministrar masterclasses em busca de encontrar novos talentos

André Heller-Lopes assume a direção artística do Theatro Municipal do Rio de Janeiro com o desafio de contornar os problemas que o local vem passando: "Não estamos vivendo uma crise lá dentro, mas a dificuldade do país nos afeta'

A arte no país tem enfrentado sérios  problemas, e a música clássica e a ópera não ficam de fora, mas André Heller-Lopes, um dos maiores diretores do gênero no Brasil, está tentando provar que não é bem assim. Neste momento, ele está rodando alguns países da América Latina para dar aulas gratuitas sobre este tema para novos talentos. A iniciativa tem parceria com o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e o Covent Garden, de Londres. “O que considero mais importante no projeto é o fato dele ter como objetivo abrir oportunidades. Pela primeira vez, uma ação deste gênero de uma das mais respeitadas casas de ópera mundiais, acontece por aqui, e tem a ver com a minha visão do TMRJ: um teatro que funciona, sobretudo como uma casa de descoberta e desenvolvimento de talentos brasileiros e latino americanos. É o que o Covent Garden faz e por isto é grande casa de ópera”, contou para o site HT. E por falar no Theatro, ele foi convidado ao posto de diretor artístico do patrimônio histórico. Na busca de driblar os problemas que o estabelecimento tem passado devido ao o atraso de pagamento dos funcionários públicos, o diretor tem a ideia de procurar formas de trazer mais talentos para a casa.

Ideias para melhorar o Theatro não faltam. Heller está muito dedicado ao projeto de forma a ajudar o presidente do local, André Lazaroni. O importante para ambos é continuar trabalhando em conjunto com as associações de funcionários. “Precisamos investir muito em formação de plateia e preços populares. O Theatro tem que começar a atrair pessoas do estado inteiro, e não só como ponto turístico. Que as pessoas percebam que é um teatro vivo, que recebe pelo menos uma vez por mês uma atração criada pela casa, que é sua vocação, e também oferecer várias formas de espetáculos: companhias de dança moderna, música popular, concertos sinfônicas”, relembrou.

David Gowland e André Heller-Lopes no theatro (foto: Júlia Rónai)

O objetivo sempre será atrair cada vez mais gente para assistir. É importante que, mesmo com dificuldade financeira, as pessoas tenham consciência de que é importante continuar consumindo e vivendo a cultura. “Na minha opinião, as palavras crise e criatividade andam juntas. Não estamos vivendo uma crise no Theatro Municipal, mas sim uma crise que a afeta.  A programação de 2017 já está planejada até o final do ano, mas optei por anunciar as atrações a cada cada mês, sem mais antecedência, em função de ter certeza de que de fato acontecerão. A imagem do teatro precisa ser mantida, assim como o respeito aos seus funcionários, especialmente neste período”, afirmou Heller.

Anunciando uma vez por mês, o público pode frequentar ainda mais a casa, pois não ficará esperando por um evento que, por causa de algum imprevisto, pode não acontecer. Logo, as pessoas ficam cientes de que o espetáculo daquele período está confirmado. Um exemplo de deste imprevisto foi o adiamento da peça “Jenufa”, obra-prima do maior compositor tchecoLeoš Janáček. “O espetáculo estrearia no Municipal em novembro passado, mas por conta da greve dos funcionários públicos acabou abrindo a temporada de 2017 do teatro”, lembrou. O caso já foi muito noticiado nos jornais. O mais interessante é que foi feito pela Cia Ópera Livre que o próprio Heller criou. Antes mesmo de se estruturar, grupo teatral já havia montado as peças ‘Anjo Negro’ e ‘Sonho de uma noite de verão” que foram dirigidas por ele, em 2012 e 2013, com direito a indicação ao ‘Opera Awards’, em Londres. “No momento da confecção dessas peças é que uma outra forma de fazer ópera mostrou-se para mim e o elenco, formado por nomes como Gabriella Pace, Eric Herrero, Vinícius Atique e Carolina Faria. Somos um grupo de artistas de grande afinidade pensando em novos formatos, em encenar títulos que sejam ousados e artisticamente instigantes, oferecendo aos grandes teatros e público a possibilidade de levar à cena pela primeira vez obras importantes e consagradas que ainda não tenham sido apresentadas por aqui”, explicou.

André Heller-Lopes assume a direção artística do Theatro Municipal do Rio de Janeiro com o desafio de contornar os problemas que o local vem passando: "Não estamos vivendo uma crise lá dentro, mas a dificuldade do país nos afeta'

André Heller-Lopes no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (Foto: Leo Aversa)

Mas a indicação não é o único contato que o diretor artístico tem com a terra da rainha. Há três anos ele dá aulas no Covent Garden como como professor convidado do projeto “Young Artists” para treinar cantores jovens do mundo todo. A troca de ideias com os londrinos chamou atenção para os trabalhos do diretor aqui, na América Latina. A partir de então, foi criado o projeto de masterclasses para descobrir novos talentos. “Em função da dificuldade, falta de oportunidades e de acesso que enfrentamos, o Covent Garden decidiu bancar a ideia. Acho que existe um estilo latino americano de ser fazer ópera. Então, eles decidiram investir em mandar o diretor artístico do projeto de novos talentos deles, o David Gowland, e me convidaram para ministrar as aulas junto dele. Já fizemos as masterclasses, que duram entre três e cinco dias no Theatro Municipal do Rio, com artistas selecionados por todo o Brasil. Estivemos no Teatro Colón, em Buenos Aires, Theatro Municipal do Chile e terminaremos em Bogotá, nesta terça-feira”, explicou.

Para que as aulas fossem as mais democráticas possível, foi feito um processo de seleção pelo site YATracker. Os artistas mandavam as gravações para um júri e, no final, ambos os diretores faziam uma seleção final. “Aqui em Buenos Aires, por exemplo, além de argentinos, temos peruanos, mexicanos e venezuelanos. O critério foi pautado na diversidade e cantores, preferindo os menos favorecidos”, afirmou.

Apesar de todas estas dificuldades, a Ópera resiste. A cia de Heller pretender faz a ópera “Orphée”, do Philip Glass, que junta a beleza melódica e intensidade dramática. Neste ano, a grande espera é para o projeto solo do diretor, Yerma”, de Villa Lobos, baseada na história do espanhol Federico Garcia Lorca. A peça, principalmente, tem o papel de comemorar os 133 do nascimento do autor. “A narrativa tem muito a ver com o Rio, pois o carioca gosta de títulos clássicos, mas também de novidades. Fizemos uma nova edição da partitura e neste momento estou esperando a aprovação dela pela Academia Brasileira de Música, que detém os direitos da obra de Villa Lobos. Teremos grandes artistas da ópera brasileira no palco e também em seus bastidores: o cenário vai ser assinado por Renato Theobaldo e o figurino de Marcelo Marques. Minha montagem se inspira no trabalho de Cristina Romero. No elenco, além da grande Eliane Coelho, teremos Claudia Riccitelli, outra importante cantora lírica brasileira, que mora na Alemanha há muitos anos, e dividirá o papel principal com ela. É uma ópera que desperta grande interesse no resto da América Latina e Espanha”, contou. Por isso, é interessante que a peça possa ser levada para fora do país.

Será um dos muitos trabalhos do diretor no qual a Eliane Coelho está. Ela é considerada uma das grandes divas do país quando se trata de ópera e vista como a Fernanda Montenegro do mundo lírico nacional’. “Ela é uma artista que vale qualquer esforço que seja preciso para tê-la em meus espetáculos e tenho muito orgulho de a ter em vários trabalhos como “Salomé”, “A Valquiria”, Crepúsculo dos Deuses”, Isolda” e “Jenufa”, que foi um marco, algo absolutamente inesquecível, com a plateia a ovacionando em uníssimo ao fim de suas cenas”, enalteceu a atriz.