Rafael Rocha lança novo álbum solo e autoral que foi produzido em quatro dias “no meio do mato”. “Eu não consigo gostar do convencional”


O músico que toca bateria, percussão e canta ao mesmo tempo considera esse momento político como “um relexo de uma mudança muito maior e natural”. “Esse momento político é um chacoalhar”

Tocar bateria e cantar (bem) ao mesmo tempo. Sua coordenação motora dá conta disso, leitores? Rafael Rocha é músico há 20 anos e domina essa dobradinha nos palcos. Para ele, como contou com exclusividade ao HT, “isso é super natural”.  “Como eu toquei bateria por muitos anos, e nesse instrumento você está sempre usando os quatro membros – dois pés e duas mãos simultaneamente – eu adquiri uma coordenação motora maior. Tocar bateria é você fazer várias coisas ao mesmo tempo, e eu me acostumei com isso desde pequeno. Então cantar, foi só mais uma delas. Além de usar os quatro membros, eu adicionei um quinto, que é a voz. É como se o ritmo fosse uma estrada e a melodia e a harmonia os veículos que vêm depois por cima”. – disse ele que tem Buddy Miles (1947-2008) como inspiração. Rafael lançou na semana passada o novo álbum no Rio, com show com direito a participação de Ney Matogrosso, que já gravou a música “Não consigo” de autoria do nosso entrevistado. O CD “Pirâmide” é todo autoral e foi produzido em quatro dias “no meio do mato”. “O disco foi gravado de forma espontânea, muito diferente do que se faz hoje em dia nos estúdios. A gente foi sem estrutura nenhuma, só eu e mais dois amigos (Bernardo Pauleira e Fábio Lima)”. – contou o vocalista-percursionista sobre a experiência.

"Eu respiro meu trabalho. Eu só sei fazer isso” (Foto: Divulgação)

“Eu respiro meu trabalho. Eu só sei fazer isso” (Foto: Divulgação)

O músico, que já tocou em diversos grupos como Brasov, Binário, Rabotnik e Tono, agora aposta na companhia de Fábio Lima (guitarra) e Pedro Dantas (baixo) para deslanchar em carreira solo. “Os coletivos me ajudaram a conquistar minha personalidade para eu exercer esse trabalho sozinho. Há anos que eu venho lapidando isso”. – afirmou. Segundo ele, sua música é “baseada na ancestralidade”. A partir do estudo de culturas indígenas, indianas, do deserto e africanas, Rafael absorve as informações e aplica nas composições. “É como se eu fosse um pesquisador de etno-músicas. Eu acabo juntando um pouco disso tudo. Imagina um desenho da Turma da Mônica em que aparecesse o Homem Aranha. É um pouco isso que eu faço: juntar a cultura indiana com o candomblé, por exemplo”. – nos explicou. Rafael Rocha, que se considera “muito adepto” aos diferentes tipos de música, e que, ultimamente, tem escutado muito a música do Iraque. E não estranhe, ele contou o porquê: “A música iraquiana que eu ouço tem a precursão um pouco distorcida. Às vezes ela simboliza até o som das armas, a força de um povo oprimido que está querendo uma vida melhor”. – disse ele comparando ao som pesado do Black Metal – que também gosta.


Com tantas influências e gostos além do senso comum, os shows de Rafael não poderiam ser sem originalidade. “Meu show Pirâmide é uma apresentação audiovisual com projeções, bailarinos e etc. Eu não consigo gostar do convencional. Eu estou sempre precisando inventar alguma coisa nova. E, às vezes, essa novidade pode estar há mil anos, em que uma coisa muito antiga passa a ser nova. É uma busca no espaço e tempo: a minha performance nunca é a mesma e eu nunca sei o que vai acontecer. Eu respiro meu trabalho. Eu só sei fazer isso”. – disse Rafael. Como o músico e amigo Jorge Mautner escreveu sobre o estilo do vocalista-percursionista, “ele usa o acaso de forma pensada”. E Rafael Rocha completa: “Eu vou vivendo o acaso, filtrando e aquilo vai criando a obra. Eu estou sempre muito aberto para o novo e para o velho. A minha natureza é de estar constantemente descascando e vai vir sempre alguma coisa nova por baixo. Na verdade, é uma busca infinita, uma espécie de agonia”.

"Eu estou sempre precisando inventar alguma coisa nova" (Foto: Divulgação)

“Eu estou sempre precisando inventar alguma coisa nova” (Foto: Divulgação)

O novo álbum do músico já está disponível na internet e nas plataformas digitais para o público. Embora reconheça que há “muito lixo na rede”, Rafael acha que “a internet tem muita coisa boa”. “É uma ferramenta maravilhosa que alguma força alienígena trouxe para a gente. Com isso, a comunicação aumentou muito e é bem positivo”. O músico, que se considera “totalmente adepto à tecnologia”, disse que não dispensa “o couro, o atabaque e o encontro humano”. E vai além: “Eu acho que a internet jamais substituirá um ritual, um couro de um atabaque esticado sobre o fogo para ficar afinado. A internet não tem pele”. – completou.

Rafa Rocha

Para Rafael Rocha, “a internet é uma ferramenta maravilhosa que alguma força alienígena trouxe para a gente” (Foto: Divulgação)

Com um panorama político e econômico tão agitado no nosso país, Rafael destaca a importância da poesia nos dias de hoje. “A poesia está acima de tudo, é algo sublime. Para mim, a poesia é como respirar. No dia que não tiver mais essa arte, todo mundo morreu. Ela está acima do bem e do mal, ela está em outro plano, em outra ordem. Da para fazer poesia política. Mas essas coisas que vêm de outra ordem vêm antes. A polarização vem depois”. O vocalista-percursionista, que se considera “super ligado” no “momento intenso” que estamos vivendo, diz que “em algumas situações tem que se proteger dessa realidade e ficar com algo maior”. “Se a gente pensar, tem milhares de anos que o ser humano habita a Terra e o que está acontecendo agora é um movimento. Quando disseram que o mundo ia acabar em dezembro de 2012, na verdade queriam dizer que o mundo ia renascer. Eu acho que é o que está acontecendo hoje em dia, faz parte de uma mudança necessária”. E concluiu valorizando “a presença da energia feminina”: “A gente tem que permitir as utopias. Eu acho que esse momento que a gente vive na política é um reflexo dessa mudança muito maior e natural que vai mexendo com todo mundo. Esse momento político é um chacoalhar, como se a gente estivesse mexendo no fundo de um pântano e levantando o lodo para as coisas se reorganizarem de outra forma”. Bela reflexão, né?