Sem temer o risco, a trupe de O Teatro Mágico passa o chapéu longe das fórmulas de mercado


Os multiartistas falam com o site HT em lançamento da turnê “Grão do Corpo”, no Vivo Rio, sobre o momento mais questionador do grupo com o fim da trilogia encantada

Mais de 600 mil cópias vendidas, mesmo disponibilizando tudo de graça na internet. Dez milhões de visualizações no youtube e 30 milhões no facebook, além de quase um milhão de seguidores. Começar a falar de uma banda tão sensorial em números seria injusto se não fosse cômico. É cômico por ver um mercado musical quebrado reproduzindo fórmulas e assistindo a banda O Teatro Mágico crescer dessa forma estrondosa de uma maneira moderna para estes tempos, mas ao mesmo tempo milenar. Tal qual os primeiros artistas de rua da história, os integrantes mostram a arte e passam o chapéu no final. Sempre há uma “barraquinha” capitaneada por Odácio Anitelli, o pai do vocalista Fernando Anitelli, capitalizando o trabalho depois de certa hipnose causada pelos artistas no palco. E é aí que a legião de fãs corre e faz fila, como se fosse a Liquidação Maluca da Casa & Vídeo, para comprar os produtos com as músicas que acabaram de ouvir, mesmo já tendo tudo baixado em mp3.

Os álbuns sempre apetecem pela qualidade gráfica e visual, e os espetáculos são uma verdadeira experiência onírica, uma explosão de cores e expressões. Mas não é isso que se vê agora no palco encantado do Teatro Mágico, no mais recente trabalho “Grão do Corpo”, quarto álbum da banda, com o conceito todo em preto e branco. Nesta sexta-feira, o que se viu no lançamento da turnê no Rio, que aconteceu no Vivo Rio, foi uma banda mais questionadora e quase minimalista. O circo abriu espaço para a dramaturgia, o excesso deu lugar para a sofisticação, o clown tornou-se quase um mascarado questionador sem a lágrima de pierrot. Vale destacar, nesta nova fase, o figurino feito em parceria com o estilista Marcelo Sommer, um palhaço clássico com pegada Les Miserables, além da coreografia primorosa da Andréa Barbour, que talvez possa ser vista melhor com ausência do rococó circense. Fernando parece tentar dar uma dica para aqueles que ainda não entenderam a lebre levantada e postam nas redes sociais que este novo trabalho está sem cor, quando, após uma pausa silenciosa, solta com a voz imponente no microfone. “Eu decidi mudar o set list”.

Em longo bate-papo exclusivo no camarim, a equipe do site HT corrobora suas impressões com Fernando Anitelli e Andrea Barbour.

“Fechamos a nossa trilogia com “Recombinando Atos” e agora entramos em um novo ciclo. Precisávamos traduzir a contemporaneidade, tem gente morrendo por causa de sua orientação sexual, gente nas ruas lutando para mudar uma história. Continuamos falando das relações humanas, mas, agora, o discurso é mais político e social e hoje eu chorei no espetáculo, foi lindo ver os cartazes, todo mundo acompanhando essa ideia. O grão do corpo precisa germinar, do nosso corpo, da sociedade. Precisamos sair sempre da zona de conforto, eu sempre fui um militante da música e da minha arte”, explica Anitelli. Já Barbour mostra o quanto a coreografia acompanha esse novo diálogo estabelecido. “A coreografia teve de vir mais dramática, pisando forte, causando impacto. Não mais aquela coisa virtuosa e cheia de encantos sutis, leves”, conta Barbour.

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O diálogo conclui a segurança dos criadores para arriscarem sempre, sem medo mudanças mal sucedidas e sem insistência em fórmulas consagradas. Sem gravadora, sem jabá e, obviamente, sem muitas aparições na grande mídia, apenas uma legião de seguidores que o acompanham como se ele fosse uma espécie de terapeuta da inspiração. Um imenso sarau afinado sempre foi a aposta no palco que mescla música, poesia, dança, interpretação, elementos circenses, uma verdadeira experiência sensorial que os jovens são capazes de entender e propagar, além de cinquentões e até famílias inteiras com crianças. Um mostra do público que está se tornando cada vez mais heterogêneo é a presença da professora Patrícia Rodrigues, de 47 anos, e o contador Claudio Figueiredo, de 57, que foram levados pelos filhos, respectivamente. “Um vídeo no youtube atiçou minha curiosidade, achei a banda cult e engajada. A poesia prevalece à música aqui.”, diz o contador.

Outro fã incondicional presente foi o deputado estadual Marcelo Freixo, que foi com o filho e a camiseta de sempre, com a frase “Os opostos se distraem, os dispostos de atraem”. Ela faz parte das inúmeras frases da banda vendidas em diversos produtos. “Eu sofro bulling por só usar esta camiseta”, brinca. “Eu conheci o grupo através dos meus filhos e vou em todos os shows que posso. Eles são um desafio, um exemplo do que se pode vir a ser. Mas eu gosto muito deles, não só pela qualidade artística, mas também pela visão de mundo”, fala o deputado que abraçou a turma e que teve como música mais ovacionada “Amanhã.. Será?”, que fala da Primavera Árabe, ao fim do show.

A prova de que o sucesso deles paga bem todas as contas da enorme banda é também mostrada por fãs que são a maioria, como a comerciante Barbara Monserrate, de 28 anos, que depois de estar aos prantos no fim do show, comprou o CD na intenção de eternizar a “intensidade da noite e a forma como se identificou”.

“Parecia que aquilo foi escrito para mim, como eles conseguem traduzir tão bem nossos sentimentos. Tem uma música que lembra tanto uma história minha de vida, onde em um momento de extrema fragilidade aquelas letras me deram tanta força”, conta. Barbara é mais uma dessas fãs que acompanham a trupe por onde ela passa. E olha que essa turma gosta de passear. Está sempre com agenda lotada nos quatro cantos do Brasil. Mas os fãs fazem parte do espetáculo, sem dúvida. Eles participam das mais variadas formas e expressões de amor à banda. Apenas neste espetáculo, bolas de sabão vindas da plateia invadiam o palco, pessoas caracterizadas assistindo, cartazes e até bandeiras do Brasil.

 

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