O estilo Heavy Baile conta com Tati Quebra Barraco e Lia Clark para mostrar outro lado da favela no clipe da música Berro


O vídeo foi gravado na Cidade de Deus e mostra como as pessoas são felizes na favela. A ideia é fugir do discurso tradicional que exibe a comunidade como um lugar violento. Além disso, Berro conta com uma afirmação das minorias como negros, mulheres e o grupo LGBT

O clipe de Berro tem como pano de fundo a favela Cidade de Deus, uma das mais importantes do Rio de Janeiro (foto: Vincent Rosenblatt)

“Então galera, está tudo pronto aqui na laje. Estou aguardando vocês”, convida Tati Quebra Barraco no início da canção Berro. A música é uma parceria do Heavy Baile com a funkeira e Lia Clark tendo como pano de fundo do clipe a favela Cidade de Deus, uma das mais importantes do Rio de Janeiro. Apesar de trazer uma letra de curtição, a concepção do vídeo vai muito além do rebolado. A ideia central é trazer luz para as minorias, trazendo uma atmosfera de afirmação. “Quisemos mostrar com Berro um clipe legal sobre algo que nós acreditamos. Mostramos negros, mulheres e travestis na busca de empoderar estes grupos, provando que eles fazem parte do todo. Além disso, a nossa ideia foi trazer outro lado da favela. Nos filmes e novelas, as pessoas enxergam apenas a violência, mas queríamos ilustrar a noção de comunidade que os moradores têm. É uma alegria invejável. A classe média tem muitos privilégios, mas não tem este. Isto é muito especial e único. O nosso protesto com este clipe é trazer certa autoestima fazendo com que todos se sintam representados”, afirmou Leo Justi, um dos criadores do estilo Heavy Baile. A faixa faz parte do primeiro disco do estilo, Carne de Pescoço, que será lançado em 2018 em parceria com a Ubuntu Produções.

O estilo Heavy Baile ainda é muito recente na discografia brasileira e acaba sendo uma tentativa de afirmar o funk. A sonoridade é um pouco diferente do que estamos acostumados quando falamos deste gênero musical, porque um dos objetivos é pegar o produto bruto e transformar em algo que possa ser mais passível de aceitação para quem detesta os MCs. “Sendo assim a ideia não é levar o gênero para o grande público, porque estas pessoas já o consomem. Quero que este estilo musical que vem da periferia chegue também na minoria, como os jovens rockeiros que não são muito fãs do funk. Quero abrir a cabeça dessa galera e fazê-los perceber que é uma batida legal. Sempre vai ter gente que não gosta de certa coisa, mas é uma tentativa de abraçar a todos”, informou Leo. O Heavy Baile pode ser definido como um subgênero do funk, no qual Leo mescla a batida com outros tipos de músicas.

O resultado parece estar sendo bastante satisfatório. De acordo com Leo Justi, ele já recebeu recados muito positivos nas redes sociais com a aprovação de uma galera que passou a gostar do funk. Isto acaba sendo muito importante para a discografia brasileira, por mostrar que um estilo que vem da periferia pode ser ampliado. “O que prejudica muito o funk é possuir uma produção mal feita no sentido técnico, ou seja, não existe um cuidado estético como muitas músicas pops teriam. Esta característica faz com que muitas pessoas torçam o nariz para o gênero. O que eu faço é pegar as produções da favela no geral e criar outro tipo de formato que vai tocar o coração de quem não gosta do estilo tradicional. É apenas uma faceta que facilita a aceitação”, contou.

A ideia do clipe Berro era mostrar a felicidade e sentimento de comunidade que existe na favela (foto: Vincent Rosenblatt)

Mas engana-se quem pensa que o funk acaba se perdendo dentro do Heavy Baile. O som ainda é feito para curtir e dançar muito nas festas. Porém Leo Justi contou que ao se associar a algum cantor, ele seleciona bem o tipo som que está comprando. De acordo com ele, é importante peneirar para escolher temas relevantes. “O clipe Baile de Favela não possui um carro caríssimo como sustentação do vídeo. A música traz apenas os moradores se divertindo na favela e acho isto muito legal. Não gosto destas filmagens ostentação que mostram que o sucesso financeiro é a coisa que valida o cantor como ser humano. Tem muitos MCs atuais que exaltam a vida em comunidade e como as pessoas podem ser felizes lá e isto é muito importante. Não curto os funkeiros que tentam passar algo que não são, ilustrando bens materiais que apenas 1% da população vai poder ter. Não curto este viés, mas respeito porque qualquer manifestação artística é válida. Cada um tem o seu momento e expõe as suas experiências”, afirmou.

A música conta com um ícone feminista, a Tati Quebra Barraco, que além de mulher é negra representado as ‘minorias’. Assim como Lia Clark que representa a comunidade LGBT por ser um travesti (foto: Vincent Rosenblatt)

Apesar de fazer esta seleção, o funk enfrenta criticas ainda mais fortes. Muitas pessoas que não curtem o gênero reclamam que as letras falam apenas de balada e deixam de lado alguns aspectos sociais que poderiam ser importante. Melodias antigas como o Rap da Felicidade afirmavam a vida na comunidade, algo que atualmente passa longe das canções. “Estes trabalhos mais antigos são importantíssimos e muito fortes. Considero estes MCs grandes compositores e gostaria que houvesse mais variedade dentro do gênero. No entanto, qual a efetividade de músicas de protesto e de hedonistas? O funk cresce a cada segundo e, com ele, temos muito favelados ganhando dinheiro e melhorando a qualidade de vida. Eles estão fazendo algo que amam em vez de trabalhar no caixa das lojas Americanas”, rebateu o profissional.

Muitas vezes a transformação social pode não estar explicita e pode ser vista se as pessoas começarem a debater mais sobre este assunto. “Berro, por exemplo, é uma música para dançar, mas traz a Tati que é um dos ícones feministas que temos dentro do funk. Ela foi uma das primeiras mulheres a se posicionar e falar livremente sobre seu desejo sexual. Existe um protesto se pensarmos por este sentido”, afirmou Leo Justi. Para ele, existe uma preguiça do público em querer enxergar tais debates. “Infelizmente, a galera tem opiniões, visões e conceitos muito rasos. A culpa disto é do nosso sistema de educação atual que acaba não estimulando o debate. A preguiça acaba gerando discussões superficiais. Ninguém conversa mais, porque é mais fácil acusar”, lamentou.

O heavy baile traz ritmos diferentes e uma melhor qualidade técnica para os funks (foto: Vincent Rosenblatt)