Luciana Mello defende o financiamento coletivo, compara o direitos autorais com corrupção e fala de racismo: “coisa de gente que não tem humanidade”


Luciana Mello vai produzir um CD só de samba e para viabilizar o projeto partiu para o financiamento coletivo. Nessa entrevista, ela adiantou em primeira mão uma das faixas: “Na Correria” de seu irmão Jair Oliveira

Não faz muito tempo que Luciana Mello anunciou que está produzindo um CD de samba, o primeiro dedicado ao gênero de sua carreira. Para tanto, iniciou uma campanha para a pré-venda do disco na plataforma de financiamento coletivo Kickante. Funciona assim: quem quiser participar deve colaborar com quantias que vão de R$25 a R$ 20.000. Em troca, o participante ganha desde um CD autografado até um pocket show de Luciana em sua própria casa. Arrecadação iniciada, não demorou muito para pipocar por aí os comentários de que a paulistana de 36 anos estaria passando por maus bocados na carreira. Boatos, segundo ela, resultantes de uma cabeça fechada do brasileiro “porque [financiamento coletivo] é algo muito novo”. “Acham que é ruim sabe por que? Por que tem pré-conceito”.

1658318_902826566462764_1436518966502351226_o

“É algo muito comum feito lá fora. Aqui, é como você estivesse pedindo dinheiro. O negócio é você fazer um disco em que as pessoas participem e comprem antecipadamente. Isso é muito legal por causa das redes sociais e para mostrar para as pessoas o que você está fazendo. É um convite: ‘Vamos fazer juntos?’”, explicou. Em entrevista ao HT, Luciana ainda defendeu o caminho pelo qual está seguindo em vista a má impressão de alguns internautas. “Muitos acham que o dinheiro vai todo para o artista. E não que isso seja ruim, porque ele [o artista] trabalha muito. Tem muita gente envolvida nisso. Mas é uma pena, sabe? Com o tempo as pessoas, que são preconceituosas demais, vão se acostumando”, disse, dando o aviso: “Eu vou fazer isso [o CD] de qualquer jeito, batendo ou não a meta”.

Determinada, Luciana Mello quer, com o projeto, matar dois coelhos com uma cajadada só: comemorar seus 30 anos de carreira contados a partir de sua primeira gravação, a da música “O Filho do seu Menino”; e atender a um pedido de seu pai Jair Rodrigues, falecido em 2014 vítima de um infarto do miocárdio. “Meu pai sempre falava: ‘Minha filha, no dia que você gravar um sambão mesmo, você vai arrebentar a boca do balão!”, lembrou ela lamentando, mas sem tristezas: “Ele [Jair] não viu o Tony [filho de Luciana] crescer”. E por que não atendeu o desejo do pai ainda em vida? “Tudo tem sua hora, tem seu momento. Para ele sempre foi a hora, mas para mim não, eu queria outras coisas. Eu sou um artista independente”, se explicou.

Junto do produtor Walmir Borges, o mesmo de Jeito Moleque e Simoninha, Luciana ainda está escolhendo o repertório, parte que ela avalia como “a mais difícil”. Mas com exclusividade para HT, ela adiantou uma faixa que estará inclusa: “Na Correria” de seu irmão Jair Oliveira. A entrada no estúdio será em muito breve. Aliás, mais uma com as próprias pernas, já que Luciana está sem gravadora. O motivo ela não sabe precisar. “A vida levou para isso. E eu gostei também, sabe? É muito difícil ser artista independente, mas ao mesmo tempo é muito legal”, garantiu.

Nessa conversa com HT, Luciana Mello ainda falou sobre preconceito racial, as dificuldades em se manter na mídia televisiva e a polêmica do repasse de direitos autorais que vem rondando a indústria fonográfica brasileira. Abaixo, o suprassumo!

HT: Você fez parte da gravadora Trama numa época em que os downloads ilegais de música estavam no auge e também no momento de boom dos downloads, por exemplo. E isso com a internet discada. Como é hoje para você estar usando a banda larga e produzindo um vídeo por meio de um financiamento feito online?

luciana_mello

LM: A internet está aí para a gente usar direito. Se eu puder fazer o meu trabalho e estar no mercado é maravilhoso. É uma coisa muito boa. Mas, como tudo, também tem gente ruim, que usa a internet para o mal. A gente tem que usar o bem nesse sentido, porque, musicalmente falando, gente alcança mais pessoas mais rapidamente.

HT: E já que você falou de usar a internet para coisas ruins, muitos casos de racismo ainda são identificados. O Emicida já narrou um episódio e o Projota já falou sobre isso com o nosso site. Você sofre preconceito racial ainda?

LM: A gente briga até hoje por isso. É uma mentalidade tão pequena, que eu procuro até abstrair. Hoje eu tenho dois filhos e claro que tenho receio de eles sofrerem também. Isso é coisa de gente com mentalidade pequena, coisa de gente que não tem humanidade.

HT: Se manter na mídia não é fácil. Estar nos grandes programas de televisão em específico principalmente. É um espaço muito disputado, para poucos. Como é para você tentar passar por essa peneira?

LM: Tem espaço para todo mundo. É claro, infelizmente, tem pouco espaço para muitos talentos. Por isso que a internet está aí, como dissemos. A gente acaba não mostrando nosso trabalho para mais pessoas como gente gostaria, mas eu não posso reclamar nesses 30 anos de carreira. Sabe o que eu fico pensando? A gente vê pelo jornal o Ibope. O segundo lugar é muito distante, mas muito distante do primeiro. A gente acaba tendo uma emissora muito grande, seguida pela segunda de um grande alcance. Mas é uma pena que essa primeira emissora sempre acaba optando pelas mesmas pessoas.

HT: Há uma discussão no meio fonográfico sobre o repasse de direitos autorais. O Procure Saber e o Frejat, por exemplo, já se pronunciaram. Você acha que essa conta é justa ou que ela realmente não fecha?

LM: Meu irmão é compositor, e ele acaba sentindo mais. Eu e meio pai somos basicamente intérpretes. Essa é uma questão muito grande e tem que haver respeito. É só olhar para a corrupção que temos no nosso país. Existe isso em tudo quanto é área. Temos que lutar para que essa conta seja aberta, para que o meio seja honesto.