Fafá de Belém volta com “Meu Rio de Muitos Janeiros” e revive o glamour e o talento dos anos dourados na Cidade Maravilhosa


Antes de ela subir ao palco do Theatro Net Rio, batemos um papo com a cantora sobre novela, internet, música, eleições e, claro, sobre o Rio de Janeiro

*Por João Ker

Fafá de Belém está de volta ao Rio com a segunda rodada de seu show-tributo à capital fluminense, “Meu Rio de Muitos Janeiros”. A setlist é uma ode subliminar ao clima boêmio e cultural que impregnava a “Cidade Maravilhosa” nos anos 1970 e 1980, quando a própria Fafá desembarcou por aqui cheia de sonhos e de sede por música e aventuras. “Era um mundo mais interessante do que…. Ok, eu não vou falar isso”, ela comenta no palco do Theatro Net Rio, onde se apresentou ontem e retorna hoje. Apesar de ter segurado a frase no meio, a semi-declaração soa condizente com o que ela revela exclusivamente para HT no camarim, poucos momentos antes de o show começar.

O camarim em questão fica atrás do palco do Theatro, mas bem antes de você entrar nele, sem nenhum aviso, um sinal já indica aos desavisados que Fafá está no recinto: sua risada. Há metros de distância da porta, ela ecoa pelos corredores e contagia até quem não sabe o motivo para tanta alegria e bom-humor. É com essa mesma risada e um delicado aviso de “Não posso falar muito,  porque estou poupando minha voz para o show” que ela recebe nos recebe. Usando um caftã estampado, os cabelos presos enquanto o maquiador trabalha, ela está sentada em frente ao espelho decorado com flores.

“Esse é um show em homenagem à cidade”, afirma com a voz potente. Mas que cidade? As constantes transformações do Rio o fizeram totalmente diferente daquela capital que a cantora conheceu quando chegou do Pará. Para ela, o que mudou tanto na capital fluminense, principalmente na cena cultural com a qual era tão familiar? “No que me interessa de música, naquilo que eu gosto de escutar, o que mudou foi a revitalização da Lapa, com os jovens sambistas e os novos clubes de choro. O movimento do funk eu já confesso que não acompanho”, diz e, logo em seguida, solta uma das suas risadas reverberantes. “Eu sou muita sincera, essa é minha marca registrada”, explica com um sorriso gigante.

Fafá, com 30 anos de carreira, estourou no Brasil inteiro quando sua música “Filho da Bahia” entrou para a trilha sonora de Gabriela, em 1975. Depois disso, figurou em trilhas de Janete Clair, Manoel Carlos e por aí vai.  Claro, tanto ela quanto as telenovelas mudaram de lá para cá, mas diz que ainda acompanha e muito. “Quem não assiste, querido?!” pergunta de volta. “Há novela boa e novela ruim. Hoje, eu já não vejo tanto quanto antigamente, mas tenho acompanhado Geração Brasil. E Rebu! Nossa, esse último capítulo foi mortal! Aquela menina, a Sophie Charlotte, estava perfeita nesse papel. Muito boa”. Aqui, a cantora e o repórter passam alguns minutos trocando figurinhas sobre a trama, papo que termina com ela dizendo:  “É muito difícil regravar uma novela, mas essa ficou espetacular”.

Não é só a novela que Fafá acompanha. A cantora se autodeclara como “totalmente” imersa no mundo das redes sociais, mas com ressalvas e uma forte opinião – como não poderia deixar de ser – sobre o assunto. “Eu uso tudo, mas não me exponho. Acho que cada um tem seu limite. De vez em quando, eu gosto de fazer um detox e parar de usar, porque isso vicia”, afirma. Ela, então, conta que estava jantando com amigos e se viu obrigada a conversar com a garrafa de vinho, porque todos na mesa estavam olhando para o celular. “É extremamente grosseiro isso! Eu falei ‘vou conversar com o vinho,  porque ele é um líquido vivo e vai me responder mais do que vocês’. Eles me olharam meio assustados, assim, sem entender, mas saíram do celular”. Fafá solta outra risada poderosa e é impossível você não rir junto.

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Mas, para a cantora, nem tudo são mil maravilhas no mundo online. Ela, por exemplo, não apoia a questão da distribuição gratuita de músicas para download. “Sou radicalmente contra. Creative Commons é o único direito autoral. E eu sou contra por causa dos autores, porque isso é um direito sagrado deles. É inevitável que as músicas cheguem à internet e que haja essa história de baixar ilegalmente, mas eu não apoio. Eu queria ver se os advogados que defendem isso fariam consultoria de graça para novos artistas. É a mesma coisa”.

É hora de a conversa assumir um tom mais sério. Nos idos dos anos 1980, Fafá foi a grande musa do movimento Diretas Já, cantando em comícios Brasil afora e impressionando um público que, ao contrário da Justiça, aplaudia suas performances. Agora, o país passa por um período um tanto quanto peculiar na pré-eleição e, claro, a cantora tem um ponto de vista forte sobre isso. “Antes de tudo, eu me reservo o direito de não declarar meu voto. Desde as Diretas Já que eu não faço mais isso. Talvez quando nós tivermos uma causa nacional… mas eu espero que não precisemos lutar pela democracia novamente”, afirma, acrescentando: “De qualquer forma, acho que esse é um ano muito especial para a política. Fabuloso! Todos os três candidatos que estão à frente são de esquerda, não temos nenhum de extrema direita brigando pela liderança. Claro que aquele do trem-bala a gente nem comenta”. Sim, ela soltou outra gargalhada animada nesse momento.

“Eu acho que o importante é analisarmos a trajetória do candidato. Todos eles têm uma herança política forte: o Aécio [Neves] no Governo de Minas, a Marina [Silva], no Senado,  e a Dilma. Saudades do Eduardo Campos…”. Aqui, ela se permite viajar um pouco nas memórias e fica um levemente mais séria e compenetrada do que no resto da conversa, com o olhar momentaneamente distante e os olhos brilhando um pouco mais. Suspira e prossegue: “Foi horrível. Eu estava dentro de um avião quando recebi a mensagem. Conhecia o Eduardo Campos desde que ele tinha 16 anos, assim como conheço o Aécio desde quando ele tinha 21. É muito difícil, porque são pessoas que fazem parte da minha vida”. Ela retoma o fôlego e continua: “Mas tenho a maior simpatia por todos. Acho as agressões que acontecem nos debates exageradas e desnecessárias, mas também fazem parte do jogo político no país. A discussão é sempre saudável. De qualquer maneira, meu recado para os eleitores é: votem com consciência”. Time’s up. Fafá precisa acabar de se produzir e ainda tem outras entrevistas pela frente antes de poder descansar a voz.

Cerca de duas horas depois, a cantora está no palco, acompanhada pelo piano de Cristóvão Bastos, o baixo de Renato Loyola, a bateria de Ricardo Costa e alguns copos de água e uísque. Antes de sua entrada, um áudio gravado por ela começa a reverberar pelo Teatro: “O Rio era a minha Disneylândia. A praia, a música, os músicos… Essa é uma homenagem a essa cidade que recebe tudo e todos de braços abertos”. O telão começa a exibir, então,  o vídeo de ‘Tortura De Amor”, no qual Fafá vive como uma estrela dos anos dourados de Hollywood, cantando e encantando um jovem José Wilker, que, quando aparece, recebe aplausos respeitosos da plateia em sua memória. Dançando em um suingue lânguido e sensual, a diva entra e começa a cantar “Cidade Maravilhosa“. A plateia, um eclético público com idade entre 30 e 70 anos, delira.

O espetáculo segue em um clima simples e intimista, no qual as maiores atrações são a voz e a performance dramática de Fafá, que dá atenção a cada detalhe vocal com que entoa as palavras. Logo no início, ela praticamente declama “Coração do Agreste” e, nos versos finais “Fiz de uma saudade a felicidade para voltar aqui”, segura a última nota e termina com os olhos marejados. Para o público, a cantora confessa: “Subir no palco do Tereza Rachel, atual Theatro Net Rio,  significa muito. Eu costumava passar minha juventude me escondendo aqui e vendo ótimos espetáculos, como Gota D’Água, Medeia, etc..”

No repertório, Fafá de Belém interpreta tanto suas gravações clássicas como as de outros grandes nomes do cenário brasileiro. Chico Buarque, Lenine, Caetano Veloso e Maysa dão as caras por ali, todos apresentados por um introdução pessoal e um depoimento da intérprete, que conta como conheceu cada um e como eles representam muito para esta cidade. Claro que, até no palco, a cantora encontra espaço para a sua outra marca registrada (além da sinceridade): a risada. E o público se deleita quando ela a mostra, no que uma das senhoras na plateia chega a exclamar “Ah, a risada da Fafá!”, antes de se render ao seu poder. A interação da artista com os fãs faz parte do show e é com bom-humor que ela avisa: “Podem cantar, fazer coro, o que quiserem. Isso é um sarau”, ri. Não que ela precisasse de dizer isso, já que basta Fafá parar a voz e levantar a sobrancelha para o público completar os versos que ela começou.

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“Eu sou uma grande mistura. Para mim, não existe música chique ou música brega. Existe música boa ou ruim. Não canto Lepo-Lepo“, comenta no palco, sendo ovacionada pela plateia. Música boa, claro é sua especialidade. O show termina com um bis inspirado de “Vapor Barato”, originalmente de Gal Costa, mas que assume um tom mais dramático na voz da paraense de alma carioca. Foi um bis tão poderoso que deixou a vontade de ser eterno. Assim como sua apresentação, que revive uma época impregnada de cultura que deve ser lembrada sempre que possível, principalmente através de grandes vozes como a sua. Ela que, em meio aos “não-me-toques” atuais e a generalização do politicamente correto, traz os ares da irreverência e do talento que a consagraram. Se na infância ela via nos artistas e no Rio a promessa de um mundo de glamour, a cantora pode ficar contente. No Theatro Net Rio, Fafá não só provou que conseguiu entrar nesse mundo, como também se transformou em um de seus maiores patrimônios. Não importa se de Belém ou do Rio, Fafá sempre terá o que falar e o que cantar. E o público agradece.

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