Exclusivo! Após dez anos de hiato, Fernanda Abreu lança o disco “Amor Geral”: “É muito autobiográfico, é um manifesto libertário”


Cantora ficou afastada por problemas pessoas e volta ao holofotes com músicas que pregam a liberdade de expressão e a tolerância. “A gente está vivendo uma caretice enorme, um momento difícil no Brasil. O país passa por uma série retrocessos. A sociedade tem que avançar por esse debate”

Uma celebração ao amor e ao renascimento de uma estrela. Depois de quase dez anos sem lançar um disco de inéditas, Fernanda Abreu volta às paradas de sucesso com seu novo trabalho: “Amor Geral”. O trabalho, 100% autoral, traz uma Fernanda despida de todos os seus preconceitos e fantasmas em uma ode à tolerância. Em entrevista exclusiva ao HT, a artista, que iniciou sua carreira na Blitz, explica, antes de mais nada, o motivo que a deixou afastada dos holofotes durante tanto tempo.

“Nesses dez anos, a vida me apresentou algumas situações difíceis e precisei priorizar minha vida pessoal. Tive um processo de luto muito estranho da minha mãe, que ficou em coma por seis anos, somado ao sofrimento do meu pai que passou a vida ao seu lado, vivi um longo processo de separação do meu casamento de 27 anos, minhas (duas) filhas precisando de mim e eu delas. Senti que tinha de administrar esses desafios da forma mais amorosa possível. Segurei uma onda gigante e nem pensava em criar um material novo, visto que o cenário da música estava em uma transformação violenta”, confessou ela. “Trabalhei direto, criei um novo show ‘Eletro-Acústico’, participei de projetos especiais de outros artistas, continuei fazendo minhas apresentações do ‘MTV ao Vivo’, mas não me sentia inspirada. Era como o samba-enredo da União da Ilha, ‘o que será, o amanhã? Responda quem puder…’, pontuou.

Fernanda Abreu (Foto: Divulgação)

Fernanda Abreu (Foto: Divulgação)

Voltando ao “Amor Geral”, que tem produção criativa do diretor Giovanni Bianco (que trabalhou com nomes como Madonna e Anitta), Fernanda adiantou que o trabalho surgiu por conta de um vontade de externalizar coisas que ela vinha carregando há um tempão. “Esse disco é muito autobiográfico. Muitos amigos vieram comentar que é preciso ter muita coragem pra expor sua vida pessoal. Eu sempre fiz muitas crônicas, como em ‘Rio 40°’, por exemplo”, disse. “É um manifesto libertário. A gente está vivendo uma caretice enorme, um momento difícil no Brasil. O país passa por uma série de retrocessos. A sociedade tem que avançar por esse debate”, completou a cantora, que levanta a bandeira da igualdade e tolerância. “As pessoas precisam ser livres para amar quem quiser e formar suas famílias com quem quiser. Assuntos como homofobia, aborto, legalização das drogas e racismo têm que andar pra frente. Precisam ser respeitados. Meu CD tem esse pano de fundo: o amor”, destacou.

capa FERNANDA ABREU

Enquanto tentava converter caos em beleza na vida pessoal, os novos tempos da indústria da música também exigiam cuidado. “No meio de tudo da minha vida pessoal, o mercado estava indo ladeira abaixo: pirataria, depois o lance é o iTunes, depois o lance não é mais o iTunes, é o streaming. O mercado ficou terrível e teve uma transformação violenta desde o meu último CD lançado”, ponderou.

Sua nova música de trabalho “Outro Sim”, lançada há um mês no YouTube, já ultrapassou a marca de 200 mil visualizações. “Eu estou em um momento muito especial. A música teve uma receptividade maravilhosa e inesperada”, comentou ela, que ainda avaliou o cenário atual do funk. “As pessoas sempre denegriram o funk e falavam que não o consideravam como uma expressão musical. Pra eles era uma submúsica. Além do som, gosto desse approach social que ele traz. No entanto, hoje teve esse lado que entrou no sistema das gravadoras e se disseminou. Hoje temos o pop e a ostentação. Faz parte da evolução. Quando se fala de funk, estamos falando de uma nova geração da comunidade que tem o direito de se expressar. Hoje as cantoras de destaque são todas universitárias. Acho incrível”, comemorou.

Durante toda a sua carreira, Fernanda teve que quebrar muitas barreiras para chegar aonde chegou. Em um mundo dominado por homens, como o da música, a cantora conta que, às vezes, foi necessário assumir uma postura mais autoritária para conseguir o que queria. “Preciso me impor até hoje. As mulheres precisam de muito mais espaço, não digo nem espaço, elas precisam ser tratadas como iguais. Eu tento não criminalizar nem homens nem mulheres por viver numa sociedade machista. É uma luta diária que nós temos que fazer. E os homens também. Estamos de braço dado com um monte de homens bacanas que entendem o que as mulheres querem. A música é um universo masculino, em todos os ambientes. Eu tive que impor minhas opiniões, sempre que possível, com uma delicadeza feminina. É a referência de botar o pau na mesa, mas a gente não tem pau”, contou, aos risos, ainda comentando a falta de amor que permeia o mundo. “Vejo que as pessoas estão se xingando e não optando pelo debate. Há uma boca enorme para uma orelha mínima. Quando conversa, posta, comenta, a gente tem um debate saudável e troca ideias para crescer. Esse lance de agressão é repugnante”, enfatizou ela.

A cantora em ação nos palcos (Foto: AgNews)

A cantora em ação nos palcos (Foto: AgNews)

A garota carioca, swing, sangue bom acredita que a cidade do Rio ainda é o purgatório da beleza e do caos, parafraseando sua música de maior sucesso. Fernanda Abreu gostaria que a canção ficasse obsoleta, mas, segundo ela, nada mudou desde então. “O Rio tem uma desigualdade social tremenda. A gente oscila muito: fica legal, mas depois cai. O que eu sinto agora é uma falta de sensação de pertencimento do carioca, mais do que nunca é aquele papo do: ‘eu quero meu crachá'”, comentou. “O carioca está muito apático, só observando as decisões dos governantes sem ter uma voz ativa. A educação está ruim e o brasileiro, no geral, está sofrendo com essa falta de gentileza”, ponderou a cantora, que ainda falou sobre a expectativa para os Jogos Olímpicos Rio 2016. “Eu não sou aquela pessoa que fala que a gente tem que fazer o saneamento pra fazer as Olimpíadas. O básico não deveria ser pedido,  deveria ser uma obrigação deles. Eu acho que será ótimo para a cidade. Ela traz benefícios econômicos e culturais enormes, mas em termos de estrutura eu estou com medo. Fica essa grande interrogação. Foi um susto a ciclovia e o legado do Pan-Americano, que não deu certo. Eu acho que todo carioca está um pouco inseguro”, avaliou.

Questionada sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a cantora não deixa brecha para dúvidas: “O Temer (Michel) era da chapa da Dilma. O PT implodiu o próprio governo quando resolveu fazer uma aliança com o PMDB. A nossa política virou um grande balcão de negócios e foi parar no fundo do poço. É preciso fazer uma reforma geral. Eu acho uma hipocrisia terem pedido o impeachment, mas quem esta assumindo também está sendo investigado. A gente vê agora um presidente ilegítimo, que jamais conseguiria ser eleito nas urnas. O que a gente pode esperar é novamente o movimento das Diretas Já“, concluiu. Papo reto, de quem tem o que dizer.