Exclusiva: “Está tudo muito careta!”, diz o maestro dos “diamantes siderais” da nossa MPB, Ney Matogrosso


Artista lança CD e turnê “Atento aos Sinais” em Portugal e grava DVD em SP nos próximos meses. Ele fala sobre a sedução nos tempos de whatsapp e a performance da cantora Ana Cañas

Ney Matogrosso não é de nenhum tempo, está acima dessa rudimentar demarcação. Acima de termos como geração, época, contemporaneidade, atualidade e, principalmente, antiguidade. A arte de Ney é inserida no espaço e contemplada por meros seres terrenos. Ao vê-lo sempre gigante no palco, de peito aberto para desnudar uma interpretação musical única, se tem a noção da sua estrutura de um imortal, mas ele contrapõe nosso deslumbre e delírio com sutilezas elegantes e generosas, seja descendo do palco para dançar ou convidando o público a beijá-lo, seja mostrando-se atento ao mercado e aos anseios mundanos. Em entrevista exclusiva ao site HT, ele fala sobre a sedução nos tempos de “whatsapp” e o que é ser Ney Matrogrosso nessa era marcada pela impessoalidade. Além disso, conta como trabalhou a imagem da cantora Ana Cañas ao dirigir seu show, revelando um mulherão no corpo frágil com “imagem de universitária”. Assim, mostra que é atento a esta órbita, tentando, a todo tempo, desmistificar o astronauta lírico que a humanidade enxerga nele há mais de 40 anos. Em vão, pois Ney é mesmo o astro-rei da liberdade criativa brasileira.

Quanto às novidades, o artista leva sua turnê “Atento aos Sinais” para Portugal. Ele está lançando o CD por lá, com shows em Lisboa e no Porto, nos dias 7, 8 e 10 de maio. “Me sinto em casa, o público é bem sintonizado comigo. Achei que chocaria eles em 1983, quando pisei lá só com um tapa-sexo, mas adoraram”, conta. Em junho,  ele grava o DVD, em São Paulo, e neste fim de semana, a cidade da garoa foi ao delírio com o artista no Teatro Bradesco, em São Paulo. Ney levar a plateia ao delírio já não é novidade há pelo menos quatro décadas. Talvez fosse notícia no dia em que fizesse algo morno, mas a teoria é impossível, já que a palavra não faz parte da vida do músico, que, aos 17 anos, saiu de casa para fazer história na MPB. Ney é a liberdade criativa viva, a síntese dela. E é essa liberdade que ele credita à conquista de um público sempre heterogêneo e tão cativo. “No meio de tanta caretice, entra uma pessoa liberada, que mostra o máximo prazer em exercitar sua liberdade, no meio de tanta sexualidade reprimida, aí impressiona mesmo”, explica. De fato ele conquista todos e todas, da senhorinha ao estudante, e consegue fazer a moça recatada que namora o gerente do banco sair de seu show dizendo que ele, com sua performance andrógena para os padrões que ela convive, é extremamente sedutor. E isso acontece desde que sua astronave lírica baixou nos palcos pela primeira vez. “Desde que botei o pé no palco, isso se liberou. Eu já tinha isso, como acho que a Ana Cañas também tem. Ela só não tinha ideia. Eu descobri logo, no início eu parecia um inseto invertebrado, mas com o tempo isso foi se revelando e eu fui descobrindo uma chave. Fui diminuindo a agressividade que tinha na época e aprimorando algo ligado a uma energia sexual traduzida na sedução e liberdade que se vê da plateia”, elucida.

Não importa o tempo, ele está sempre à frente, e acredita em um certo retrocesso da humanidade em relação à sexualidade. “Está tudo muito careta, sem encanto”. O que mais impressiona ao conversar com ele, é ver a clareza que tem sobre todos estes valores que ele se coloca tão distante com sua arte, mas não no entendimento. Ney não se apresenta alternativo, nem saudosista, nem com ideias modernizadas demais, Ele mostra um conhecimento muito nítido do mercado, mesmo produzindo algo diferente da cultura decadente do país. Em suma, ele sabe o que os limitados mortais querem ver, lá de cima do seu amplo espaço sideral. E por isso  teve a generosidade de trabalhar a imagem da cantora Ana Cañas, transformando-a em uma fênix altamente sedutora e feminina. Ele disse que se encantou com a sua figura linda e delicada, mas que se transformava em mulherão quando sabia se mostrar. “Ela tinha um cabelo curtinho e lembrava uma universitária, mas quando vi o vídeo dela nua (ela aparece nua no videoclipe de Volta, canção de mesmo nome do disco), sem nenhuma vulgaridade, vi a artista que era”, conta. E, com isso, tornou-se um delicioso tutor do “cabaré Ney Matogrosso” e arrancou da moça, além de suspiros, a ótima descrição, aqui mesmo, no HT: “Ney é um astronauta lírico que distribui generosamente diamantes siderais à humanidade”. Concordamos com você, Ana Cañas! Confira a entrevista na íntegra!

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Ney desbravando na turnê “Atento aos Sinais” (foto: Ricardo Gama)

HT: O que o motivou a aceitar o convite da cantora Ana Cañas para a direção do show? O que o encanta na artista?

NM: Eu a conheci em um programa em homenagem ao Cazuza. Achei ela uma figura interessante, além de linda. Parecia frágil, mas não era. Um di,a ela me procurou e perguntou se poderia mostrar um trabalho e se eu aceitava dirigir seus shows. E já chegou com aquele vídeo incrível no qual aparecia nua e sem a menor vulgaridade. Ela pedia, me ajuda! Eu ajudei, claro. Dei uns toques cênicos, palpites. É uma menina deslumbrante que não tinha a mínima ideia da imagem que produzia.

HT: E agora? Acha que ela fez bom uso dos seus conselhos?

NM: Bom, foram pequenos toques. Mas acho que funcionou. Quando eu a conheci, ela tinha um cabelo curto e lembrava uma menina universitária. Eu disse: “Deixe este cabelo crescer!” E olha o que se transformou! Eu queria tirar um pouco a juventude impregnada apenas na imagem e mostrar aquela fêmea que ela era. E ela sustentou sim, na cena em que aparece sentada na cadeira de costas, mostra a sua sensualidade nata despretensiosamente.

HT: “Ney é um astronauta lírico que distribui generosamente diamantes siderais à humanidade”, foi o que ela disse sobre você. Concorda?

NM: (risos) Ah! É que ela é poeta! (risos)… E eu seria muito pretensioso se concordasse!

HT: Você tem uma atmosfera extremamente sedutora. Sempre foi assim?

NM: Não exatamente. Mas acho que desde a primeira vez em que botei o pé no palco, liberou. O fato é que eu já tinha isso, como a Ana também tem, mas eu não tinha ideia. Ali, entendi que existia uma chave e isso me tomava. Só que bem no início era inconsciente. Eu parecia mesmo era um inseto invertebrado. Depois, fui elaborando algo com o tempo. Aliás fui diminuindo, porque no início era muito agressivo. Na medida em que diminuí a agressividade, eu fui chegando na sedução, que era minha veia. Hoje eu já brinco. Olho para o meu público como alguém que namoro há 40 anos.

HT: E este público heterogêneo? Sempre se vê certa histeria por parte de senhoras, jovens e mulherões. Um público de idade, estilo de vida e classe social distintos? Qual o segredo?

NM: Sempre foi assim. Acho que está ligado à liberdade. Imagina: entra no palco uma pessoa liberada, mostrando o máximo prazer em exercitar a liberdade. E na sociedade existe uma insistência em esconder a sexualidade.

HT: Como se consegue seduzir no estilo Ney Matogrosso, nestes tempos marcados pela impessoalidade e contatos virtuais? Como é ser Ney Matogrosso nos tempos de Whats app?

NM: Eu não tenho nada disso. Não uso e não curto. Gosto de conversar, olhar, trocar alguma coisa além do sexo. Nada contra o sexo. Já aconteceu de algo me despertar na forma do outro se mexer, se expressar, e dali eu ir para a cama por isso. Agora você se mostrar dentro de um aparelhinho… não é caretice minha, é que não vejo onde está o encanto. O olhar, o toque, o cheiro, a sutileza, tudo isso é sedução, que não vejo em nada desses contatos virtuais. Está tudo muito careta, sem encanto. Acho que neste sentido a sociedade regrediu.

HT: Você está fazendo as últimas apresentações no Brasil de “Atento aos Sinais”, antes de gravar o DVD, até seguir para uma temporada em Portugal. Está animado?

NM: Não sou um artista de viajar muito em turnê. Não faço esforço para ir para fora, a não ser quando sou convidado. Como é o caso de Portugal. Lá me sinto em casa, desde a primeira vez em que me apresentei em 1983. Eu poderia ter chocado aquele povo, chegando só com um tapa-sexo no corpo. Mas, os portugueses adoraram. Eu gosto muito de ir a Portugal.

HT: Você gosta de dar um espaço de tempo entre as apresentações para não se cansar ou “entrar no automático”? Faz alguma preparação quando tem uma jornada intensa de shows?

NM: A única preparação que faço é física. Na noite anterior me poupo, claro, não cometo exageros. E faço ginástica para manter o corpo acordado. Uma questão de estimular o corpo para estar preparado fisicamente para o que vai acontecer ali. Eu nunca sei o quanto vou precisar do meu corpo em um show. Então,  já fico pronto para o que vier a me estimular a fazer na hora.

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Ney desbravando na turnê “Atento aos Sinais” (foto: Ricardo Gama)