Cantor, compositor e engajado, Péricles contou como é trabalhar com música em tempos de internet e as leis de streaming: “Não podem ser simplesmente impostas”


Assim como a forma de negociar a música mudou, a maneira de escrever também. Hoje, as transformações sociais e ideológicas trouxeram novos termos, nomenclaturas e ideias para as artes. Sobre isso, Péricles ressaltou que é preciso saber filtrar para usar todas essas novidades. “Hoje, nós temos muita informação, mas não sabemos como usá-las”

Paulista de nascimento, mas com a alma solar de carioca, Péricles se apresentou nos últimos dois domingos na Arena Banco Original. Nos shows que agitaram o Armazém 3, o cantor e compositor misturou clássicos de sua carreira da época do Exaltasamba com sucessos da carreira solo. Uma dessas canções da fase mais recente do pagodeiro é “Melhor eu Ir”, atual música de trabalho de Péricles que já superou a marca dos 28 milhões de visualizações no Youtube. Sobre a escolha do repertório para um festival como o promovido pelo banco Original no Rio de Janeiro, o músico não escondeu a dificuldade. Para ele, o mais importante na escolha é garantir que a plateia se emocione com as letras. “Eu acho que quando o artista se preocupa em mexer com as sensações das pessoas é muito mais especial. A gente ganha e, principalmente, o público também”, explicou.

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Representante do pagode no palco da Arena Banco Original, Péricles dividiu os microfones com Teresa Cristina e Mosquito, no dia 15, e Thiago Martins no dia 22. Acostumado a cantar em grupo, como foi durante os 26 anos que integrou o Exaltasamba, o pagodeiro contou que já se adaptou à carreira solo. Desde 2012, após a saída de Thiaguinho da banda, Péricles segue seu caminho na música sozinho. “Eu tinha medo de pegar gosto e, agora que isso aconteceu, eu não quero mais largar. Sem dúvidas, é muito diferente do que a vida em grupo. Hoje, tudo é pela minha conta em risco. Mas eu tenho certeza que estou no caminho certo”, disse.

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Thiago Martins e Péricles na Arena Banco Original (Foto: Felipe Panfili)

Por falar em Exaltasamba, Péricles é responsável por vários clássicos do pagode da época que compunha o grupo paulista. Principalmente nos anos 1990 e 2000, o gênero emplacou diversos hits que estão vivos até hoje na memória musical de muitos brasileiros. Atualmente, o pagode não possui mais aquele caráter popular do passado e se faz presente no gosto de todas as classes, como destacou o cantor. Mas, para Péricles, a mudança mais significativa para o gênero foi mais recente, quando passou a ganhar espaço nos cinemas e na televisão. “Eu acho que o pagode teve seus tempos áureos em várias fases dos anos 2000 e 2010 quando conquistou espaço em trilhas sonoras de filmes e novelas. Mas o sucesso desta década ainda não se compara aos anos 1990. Pelo menos não em quantidade, mas em qualidade, que cada vez mais fica melhor”, argumentou Péricles que fez uma análise do atual momento. “Eu acredito que hoje, o samba vive um momento de reconstrução. Os novos grupos e artistas que chegam ao cenário musical precisam desse espaço e dessa chance para mostrar o seu trabalho. É importante que haja esse processo de renovação”, completou.

Para conquistar esse novo espaço apontado por Péricles, muitos novos talentos usam a internet como trampolim para o sucesso. Amiga de uns e inimiga de outros, a rede é vista com bons olhos pelo pagodeiro de Santo André. “Eu acho que a internet só ajuda. Se a gente souber usar essas plataformas, todo mundo acaba ganhando. As nossas músicas ganham dimensões muito maiores, chegam a mais pessoas e é uma porta que a gente jamais pode desprezar”, analisou Péricles que também não escondeu os problemas da rede.

Péricles faz parte do grupo “Procure Saber”, que luta pelas leis de streaming no Brasil (Foto: Felipe Panfili)

Engajado na luta pelos direitos dos músicos nas plataformas de streaming, o músico contou que corre atrás dos seus direitos. “Nós compositores brasileiros estamos sempre discutindo isso através de um grupo chamado ‘Procure Saber’. Por isso, estamos constantemente indo a Brasília e para fora do país para que as leis do streaming não sejam simplesmente impostas. Nós também queremos opinar e ver como elas melhores se adaptam à realidade brasileira”, explicou Péricles que acredita que as mudanças na profissão são inevitáveis. “A maneira de se negociar música é diferente, porque tudo mudou. A internet só veio para ajudar. O que precisa é que a gente se acerte dentro deste panorama”, concluiu.

Se a internet mudou a maneira de fazer e negociar música, como destacou Péricles, as novidades também são verdadeiras quando o assunto é a nossa sociedade. Com o advento das redes sociais e com o fluxo inesgotável de novas informações, hoje, as pessoas argumentam e analisam dezenas de assuntos diariamente. Apesar das novas maneiras de pensar e de se referir às mulheres, aos gays e aos negros, por exemplo, Péricles disse que a arte de compor se mantém da mesma forma. “O grande mal da nossa sociedade é a falta de educação. Hoje, nós temos muita informação, mas não sabemos como usá-las. A internet é um importante meio de divulgar novas visões. No entanto, é preciso saber como aproveitá-las. Mas eu acredito que os temas não vão mudar e que a arte de compor nunca irá morrer”, afirmou Péricles. Que assim seja!

“O grande mal da nossa sociedade é a falta de educação” (Foto: Felipe Panfili)