No Oásis da Bethania, qual é o carcará que te persegue para pegar, matar e comer?


A cantora retornou domingo (24) ao palco do Vivo Rio com o encerramento da turnê ‘Carta de Amor’

Depois de viajar o Brasil com a turnê ‘Carta de Amor’, Maria Bethânia retornou ao Vivo Rio, no  sábado (23), para transformar o clima chuvoso em uma noite inspiradora para os cariocas. O show, em parte extraído do álbum ‘Oásis de Bethânia’, lançado em março do ano passado, confirma um formato novo na carreira da artista: mais simples, conciso, pessoal, reflexivo e sem apoio de banda, maestro ou produtor. Somente seus parceiros e arranjadores de composições. O resultado dessa versão mais clean agradou muito os fãs, que sentem-se mais próximos da poesia da cantora.

Sem atrasos, Bethânia deu início a noite às 22h10, subindo ao palco com aquele figurino que lhe é peculiar: saia longa, cabelos soltos e pés descalços. Sim, quem não espera Bethânia dando aquelas corridinhas no palco com os pés leves e soltos? Já o cenário idealizado por Bia Lessa trazia uma sofisticada iluminação concebida por uma fileira de lâmpadas suspensas que, em alguns momentos, subiam e desciam até o nível do chão, de acordo com as variações dos agudos e graves da marcante voz da artista. Na superfície do palco, um tapete de tiras entrelaçadas, costuradas artesanalmente uma a uma, remetiam ao universo, ao mesmo tempo, popular e erudito, além de um pedaço de tronco que servia de apoio para a cantora em algumas músicas. Todos os elementos corroboravam a amplitude cênica de Bethânia.

Embora ‘Oásis da Bethânia’ seja marcado pela simplicidade, poucos instrumentos e arranjos limpos, sete músicos, liderados pelo maestro mineiro Wagner Tiso ao piano, acompanharam o repertório da cantora. A dupla de seu repertório clássico, ‘Negue‘ e ‘Reconvexo‘ foi cantada pelo público em coro. Já as mais recentes, obtiveram a exclusiva atenção da plateia que a admirava, como aconteceu em ‘O velho Francisco‘, de Chico Buarque, a faixa título ‘Carta de amor‘, além da inédita Estado de poesia‘, fornecida por Chico César, e ‘A casa é sua‘, de Arnaldo Antunes, vista pela primeira vez na voz da baiana de Santa Amaro. E, como um marco das apresentações da cantora, algumas canções vieram entremeadas, ocasionalmente, por textos de autores como José Régio e Fernando Pessoa.

Fotos: Vinícius Pereira

Considerada um expoente indiscutível da música brasileira, Maria Bethânia ficou conhecida em 1965, depois de estrear o espetáculo ‘Opinião’, nos palcos cariocas, interpretando o sucesso ‘Carcará’, de João do Vale. Composta originalmente para o timbre de Nara Leão, a música caiu como uma luva na voz imponente da irmã de Caetano Veloso que, a partir daquela data, assumiu o papel de porta-voz desse carcará musical. A emblemática canção trafega pelo protesto social, usando a imagem de um pássaro nordestino que possui uma grande capacidade de sobrevivência, apesar de todas as dificuldades.

Em meio a problemas sociais e dificuldades pessoais que a vida traz, perguntamos ao público presente, antes do show, qual é o carcará que o persegue nos dias atuais. Para a funcionária pública Marcelli Falcão, falta um pouco de educação e amor no coração das pessoas: “A falta de respeito é o que mais me incomoda”, afirmou. Já o psicólogo carioca Tyrone Medeiros mirou a política e foi certeiro no denominador problemático: “Como morador do Rio, posso dizer que nosso carcará é o Sérgio Cabral“. Enquanto isso, o músico paulistano Paullo Henrique confessa que o trânsito de São Paulo é a maior perseguição não só dele, mas de todos os paulistas em geral: “É a pior sensação do mundo levar duas horas para chegar a um lugar, que, na verdade, está a apenas 20 minutos”. Bom, essa questão não é só de Sampa, mas de todas as cidades grandes, inclusive o Rio, enquanto o governo estimular a venda irrestrita de automóveis para mamar impostos.

Para algumas pessoas, no entanto, além dos problemas sociais, existe a dificuldade de lidar com seus próprios defeitos, como destacou a atriz Julia Cartier Bresson: “Minha ambição é meu carcará, porque é ela que me pega, me mata e come”, afirma. Já o relações públicas Gustavo Caldas encontra fortes barreiras para viver bem com suas manias detalhistas: “Sou virginiano, sabe como é? Sair tudo perfeito é minha maior cobrança”.

Fotos: Vinícius Pereira