“Abraçar e agradecer”: Maria Bethânia volta ao Rio com espetáculo que celebra seus 50 anos de carreira, enquanto fãs reverenciam a abelha rainha


Espetáculo dirigido por Bia Lessa visita a história da artista, passando por todas as suas facetas performáticas e pessoais, em noite que teve casa lotada no Vivo Rio

De saia longa, blusa e colete dourados, usando no pescoço a joia quadricular que a acompanha há anos – Bethânia adora desenhar joias – , com os pés descalços e cabelos soltos, como sempre, Maria Bethânia entrou saltitando no palco do Vivo Rio na noite de ontem (11/9), sendo recebida com empolgação por uma casa lotada, que teve seus ingressos esgotados ainda no início do mês. Foi ali, naquele mesmo espaço, que ela inaugurou o espetáculo comemorativo dos seus 50 anos de carreira, “Abraçar e Agradecer”, e, logo após cantar “Eterno em mim”, a artista se vira para o público extasiado, e diz: “Estou me sentindo mais nervosa do que na primeira vez”.

Desde o primeiro instante em que entra no palco, fica claro que a cenografia/iluminação (que se confundem nesse caso, uma vez que não é usado nenhum recurso além de luz para o show) e direção de Bia Lessa têm como objetivo focar a atenção do público na performance poderosa de Bethânia. Sua silhueta se alonga ou é realçada de acordo com o mar de luzes à sua volta ou em cima dela e, quando começa a emendar “Dona do dom” e “Gita”, parando apenas 40 minutos depois para uma rápida troca de figurino, não há dúvida de que a artista é mais do que uma das maiores vozes e nomes da MPB, mas uma entidade viva da cultura nacional.

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A essa altura, com meio século de carreira, não é surpresa para ninguém que a teatralidade performática com que Maria Bethânia, a abelha rainha da música brasileira, dá significado a cada sílaba que pronuncia no palco é algo único, envolvente e uma poesia corporal à parte daquelas que ela declama no palco. Mas ainda assim, é impressionante como em questão de segundos, ela passa da extrema vulnerabilidade de “Você não sabe” à veemência de “A tua presença morena”, resgatando a nostalgia de “Nossos momentos”, como se estivesse ali contando ao público uma história que acabou de acontecer momentos antes.

A produção musical de Guto Graça Mello, além de dar conta dos sucessos imortalizados na voz da artista e da nova leva de músicas escolhidas especialmente para este repertório, ainda traz Bethânia em versões surpreendentes para clássicos como “Tatuagem”, de Chico Buarque, e Non, Je Ne Regrette Rien”, de Edith Piaf, ambos capazes de levar o público ao delírio. E aí, entra também a competência, sincronia e cumplicidade da banda que acompanha a cantora, formada por Jorge Helder (regência e contrabaixo), Túlio Mourão (piano), Paulo Dafilim (violas e violão), Pedro Franco (violão, bandolim e guitarra), Marcio Mallard (cello), Carlos César (bateria) e Marcelo Costa (percussão).

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No entanto, além do que mostrar a versatilidade de Maria Bethânia, “Abraçar e agradecer” é um passeio pela própria história da mulher que, aos 17 anos, saiu da Bahia e, lançada no Rio de Janeiro, conquistou todo o país. E isso transparece nos textos que são recitados ao longo da noite: sua trajetória e o status que alcançou no meio século podem ser traduzidos nos versos de “Sou eu”, de Álvaro de Campos, enquanto as dores de cotovelo e o coração partido transparecem em “E eis…”, de Clarice Lispector, que é apresentado pela artista há décadas. Sua relação com a cultura africana chega pelos poderosos tambores de “Eu e água”, “Abraçar e agradecer” e “Vento de lá”, assim como sua origem interiorana, em músicas como “Casa de Caboclo” e “Viver na fazenda”.

Ao longo de todo o espetáculo, as luzes criam ao redor de Maria Bethânia uma plataforma interativa, ora dançando ao seu redor, ora formando uma espécie de altar e até se concentrando à sua volta, não como se saíssem dela, mas como se fossem atraídas por seu magnetismo. O show termina no bis com “Brincar de viver” e “O que é, o que é”, de Gonzaguinha, com a baiana abençoando fã por fã no gargarejo do palco, enquanto a banda repete os versos “É bonita, é bonita e é bonita”. E, certamente, a vida fica ainda mais bonita quando Bethânia canta.

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Após o espetáculo, fãs de todas as idades se concentravam na entrada para o camarim, querendo reverenciar a abelha rainha, ou conseguir uma bênção especial ao beijarem sua mão. Na ante-sala onde ela se preparava para receber os convidados, a gente via presentes que iam de buquês de flores a um quadro gigantesco de “O Auto da Compadecida”. Cléo Pires, acompanhada da irmã Antonia Morais e do padrasto Orlando Morais, aguardavam a chance de darem um beijo em Bethânia. E, é preciso frisar, a cantora recebeu todos com a mesma atenção e humildade, não só realizando o sonho de muitos que estavam ali, mas também provando que sua majestade continua e continuará intacta, seja depois de 50, 70 ou 100 anos.