Marcia Disitzer celebra a trajetória de 43 anos de Marília Carneiro, uma das maiores figurinistas do mundo, em bate-papo exclusivo para o site HT


Marília é uma das atrações do EspaçoRJ, no Boulevard Olímpico, nesta segunda-feira, onde rola o Moda Made in RJ – Fashion Day, e vai falar, com mediação de Marcia Disitzer, sobre a influência da televisão no varejo de moda: o figurino de novelas e minisséries, que têm o poder de disseminar tendências e de transformar acessórios e produtos de beleza em recordistas de vendas

*Por Marcia Disitzer

Marília Carneiro é daquelas pessoas de se tirar o chapéu. Encontrei a figurinista em um café no Shopping da Gávea, no fim de uma tarde do mês de julho. Depois de mais de duas horas de conversa, ela me avisa: “Tenho que ir para a terapia”. No que respondi, brincando: “Acho que você já teve a sessão de hoje”. Escrevo isso porque tivemos um papo reto. Marília me contou inúmeras histórias, relembrou fatos, comentou passagens, analisou a TV, a moda e o mundo, que, segundo ela, está muito careta. “O politicamente correto dos dias de hoje me dá nos nervos. Eu prezo o humor”, declara.

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A figurinista é uma das estrelas do evento Moda Made in RJ – Fashion Day, que acontece na segunda-feira, no Espaço Rio de Janeiro, localizado no Boulevard Olímpico. Em talk-show às 15h, ela vai compartilhar sua vasta experiência como figurinista de TV, teatro e cinema. Além de Marília, outros nomes consagrados da moda participam do evento, promovido pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços do Rio de Janeiro (veja abaixo a programação e como participar).

Filha de um arquiteto requintado, que tinha mania de roupa, e de uma dona de casa cinéfila, que amava os filmes de Ingmar Bergman, Marília lembra que desde criança desenhava croquis. Estreou no cinema como atriz, em 1968, e iniciou sua carreira de figurinista na TV Globo em 1973, indicada pela atriz Dina Sfat: “Entrei inocente. Nunca tinha visto TV. Naquela época, era feio ter TV em casa, tinha que fazer cinema e a revolução. Quando comecei, não sabia quem Glória Menezes e Tarcísio Meira eram”.

Inocente ou não, Marília foi responsável por uma verdadeira revolução. Não aquela sonhada pelos guerrilheiros dos anos 70, mas na moda brasileira. Tirou o ranço dos figurinos das novelas e levou a rua para a TV. Mais precisamente as ruas de Ipanema, bairro onde ela circulava com total desenvoltura, como legítima carioca da Zona Sul. Foi assim que as roupas das butiques mais badaladas da cidade passaram a vestir os personagens globais, garantindo modernidade e realidade às tramas. Marília deu tchau para a caretice que vigorava até então, iniciou uma nova era e se transformou na maior lançadora de moda do Brasil. “Minha primeira novela foi ‘Os Ossos do Barão’. Na época, pessoas que trabalhavam na emissora me chamaram de sacoleira, disseram que eu não ia durar nem um mês. Já os amigos falaram que eu estava vendida ao poder norte-americano”, diverte-se. “Só comecei a fazer figurino com mais segurança quando Artur da Távola (1936-2008) me chamou de gênio em sua coluna do jornal O Globo”.

E foi a sua genialidade que a fez ir muito além. Quando assinou o figurino da primeira versão de ‘Gabriela’, Marília não hesitou: pegou o carro e se mandou para Ilhéus (BA) para pesquisar como seria o Seu Nacib do romance de Jorge Amado e o Brasil em 1925. “Foi uma viagem mágica, que fiz por minha iniciativa e com o meu dinheiro”, ressalta. Outro desafio foi o figurino da primeira versão da novela ‘O Rebu’. “Durou nove meses e cada personagem tinha apenas um figurino. A vantagem da novela é que um capítulo conserta o outro. Mas neste caso isso seria impossível. Imagina ficar nove meses olhando uma roupa errada?“, questiona.

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Quando Marília reencontrou Sônia Braga, em 1978, com quem já tinha feito ‘Gabriela’ e o filme ‘A Dama do Lotação’, elas não poderiam imaginar o efeito do furacão ‘Dancin’ Days’. “Não tinha uma TV no Brasil que não estivesse ligada na novela. Com esta história, Gilberto Braga conquistou a classe A, que se identificou com a personagem de Joana Fomm, Yolanda Pratini”, analisa. O figurino mais visto e revisto da TV brasileira, o de Júlia Matos (Sônia Braga), quando ela faz seu retorno triunfal dançando em uma discoteca, é dissecado pela figurinista: “Não lembro mais de onde eram as meias de lurex… Mas posso te garantir que eu e a Sônia não ganhamos nem um centavo com elas. Só quem lucrou com as meias de lurex foram as Casas Olga, que copiaram o modelo. A calça era da Fiorucci, marca italiana que depois foi representada no Brasil pela Gloria Kalil. O bustiê fiz em cinco minutos na costura da TV Globo. Na minha cabeça, a Júlia tinha voltado alucinada, fumando um. Por isso, ela está usando óculos escuros”.

Além do figurino pop de Júlia Matos (Sônia Braga), Yolanda Pratini (Joana Fomm) desfilava o novo chique. “Ela andava de jeans, camisa de seda, colar de pérolas e salto alto. Era uma imagem muito moderna. Até então, apenas os pobres podiam usar jeans nas novelas. Eu falei que este código estava estranho. Meu pai era diretor do Country Club do Rio de Janeiro e vestia jeans. O Daniel Filho, diretor de ‘Dancin’ Days, me disse: ‘Você tem toda liberdade para fazer o que quiser. Se errar, vai para a rua”, lembra a figurinista.

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Depois de Dancin’ Days, Marília colecionou muitos outros sucessos: vestiu a ‘Malu Mulher’, os hippies de ‘Ciranda, Cirandinha’, voltou à década de 60 em ‘Anos Rebeldes’ e criou uma Lolita dos anos 2000 em ‘Celebridade’. “A Darlene surgiu na TV com a menor saia do mundo, que encontrei em uma loja da Oscar Freire, em São Paulo. Só a Deborah Secco poderia usá-la. Ela também usava plataformas de madeira e meias soquete. A Deborah me pediu para colocar as meias em homenagem à novela Dancin’ Days”, diz, lisonjeada. Na segunda versão de ‘Ti-Ti-Ti’, Marília assistiu a inúmeros desfiles e mergulhou mais uma vez no universo fashion.

E quais são as grifes preferidas da figurinista hoje? “Gosto da Osklen; a Lenny Niemeyer é imbatível, tem uma modelagem espetacular; a Farm é bacana e a Fábula, uma gracinha. O que realmente importa é reconhecer o DNA da marca, busco sempre esta identidade”, conta ela, que está debruçada na década de 60 por conta do figurino do musical ‘Garota de Ipanema, o Amor é Bossa’, que estreia no fim deste mês no Teatro Riachuelo. O subúrbio carioca também arranca elogios da figurinista. “É surpreendente, original. As mulheres mostram o corpo e não têm cerimônia com as cores. Como criadora, acho isso sensacional. Coisa mais chata o mundo de crepe bege”, exclama. E por falar em coisa chata, Marília não tem paciência para o que ela chama de politicamente correto. “Por isso fiquei encantada com a ‘Porta dos Fundos’. Quando assisti pela primeira vez, pensei ‘Meu Deus, esta é a minha turma’”.

Programação do evento Moda Made in RJ – Fashion Day no Espaço Rio de Janeiro, na segunda-feira, dia 08 de agosto.

Onde: Avenida Rodrigues Alves 303, Saúde, Zona Portuária

Quanto: A entrada é franca. Para participar, basta se cadastrar no site www.espacorj.rio.

11h Um mergulho no Rio. A evolução da moda praia carioca: do biquíni de lacinho ao estilo resort, sempre um objeto de desejo mundo afora.
Participantes: Jacqueline de Biase (Salinas), Thomaz Azulay e Patrick Doering (The Paradise) e Amanda Mujica (Amú).
Mediação: Marcia Disitzer

15h. A influência da televisão no varejo de moda: o figurino de novelas e minisséries, que têm o poder de disseminar tendências e de transformar acessórios e produtos de beleza em recordistas de vendas.
Participante: Marília Carneiro (figurinista da TV Globo)
Mediação: Marcia Disitzer

17h. A Joia do Rio.
Participantes: Carla Pinheiro (presidente da Associação de Joalheiros e Relojoeiros do Estado do Rio de Janeiro – AJORIO), Lisht Marinho (Lisht) e Alessandra Schiper (Atelier Schiper)
Mediação: Regina Machado.

19h. São Cristóvão: o que faz com que o bairro imperial tenha vocação fashion.
Participantes: Yamê Reis (Mercatto), André Carvalhal (Malha) e Roberta Ribeiro (Maria Filó)
Mediação: Marcia Disitzer
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