Imitação-pastiche de Beyoncé com Izabel Goulart, “Miss Brasil 2014” elege a bela Melissa Gurgel, mas precisa aprimorar o showbizz!


Excesso de trejeitos, falta de timing, cópia de Mugler, naturalidade de boneca de cera e até ensaio ao vivo revelam amadorismo da equipe técnica e lança a pergunta: o que é preciso fazer para o concurso retomar seu caminho?

* Com André Vagon

Beleza não põe mesa, okay, diz o ditado. Mas, tanto uma mulher bonita quanto uma mesa bem posta são lindas de se admirar e, independente da enxurrada de opiniões sobre quem ou não deveria ir para o trono – natural em concursos plurais como esse – fica claro que os brasileiros ainda têm muito a aprender com os papas do showbizz na hora de produzir standards como o Miss Brasil 2014, realizado em Fortaleza nesta noite de sábado (27/9) e televisionado para todo o país. Falta Broadway, falta fashion show, falta Noite do Oscar, falta tudo. Pontificaram a ausência de ritmo, figurinos que parecem devaneio de drag de quinta, o excesso de maneirismos corporais, coreografias pouco melhores do que aquilo que se viu na abertura da Copa do Mundo, em junho, e um roteiro capaz de tornar uma novela mexicana tão boa quanto um plôt de Tarantino, se comparada. E é lamentável essa inexistência de feeling, sobretudo se levarmos em conta que é justamente essa moldura cênica que proporciona o espetáculo necessário para que as beldades se destaquem, emocionem o público e possam se tornar, de fato, mais uma vez verdadeiras candidatas da estética brasileira na 63ª edição do Miss Universo, que acontece em Doral, na Flórida, em 18 de janeiro próximo – primeira vez que o concurso é realizado fora do ano em curso. Somente esse acabamento dramático poderá tirar definitivamente dos escombros do passado o suposto glamour que esse tipo de competição pode encerrar.

Antes que se comente o show em si, nada mais óbvio – mas necessário – que se fale da vencedora. Que a Miss Ceará, Melissa Gurgel (20 anos e, agora, nossa Miss Brasil) é bonita, não se nega, e para os detratores que dizem que ela é baixinha (1,68m), vale lembrar que a norteamericana que abocanhou o Miss Universo em 2012 também não tinha lá essa altura, provando que a era de agigantadas amazonas adoradoras de Diana Caçadora abre agora espaço para a multiplicidade de belezas e, desde que a candidata não seja um chaveirinho, é possível, sim, provar que grandeza é maior do que estatura física. Segundo lugar no concurso, a Miss São Paulo, Fernanda Leme (de Ribeirão Preto), também é linda, embora sua espontaneidade não a credenciasse a sequer meia-hora de frequência no renomado curso de teatro da CAL, no Rio. De vomitar.

A nova Miss Brasil Melissa Gurgel: linda e over (Foto: Divulgação)

A nova Miss Brasil Melissa Gurgel: linda e over (Foto: Divulgação)

Entretanto, é imperativo ressaltar que o conjunto de trejeitos forçados das representantes do Ceará e São Paulo – assim como da grande maioria das competidoras, à exceção da Miss Goiás (Beatrice Fontoura) que, contida, chegou entre as cinco finalistas ­­–, com muitas caras, bocas e sorrisos artificiais capazes de seduzir o Coringa do Batman, além de rebolado barroco, faz com que todos os andares, paradinhas na passarela e pivôs as façam parecer adolescentes de curso de etiqueta que tentam emular Gisele, mas que acabam se tornando a caricatura da caricatura.

Aliás, não só Melissa, mas praticamente todas elas. A Miss Rondônia Micheli Eggert, por exemplo, tentou encenar paradinha a la Bündchen no palco. O resultado, desastroso. A candidata do Distrito Federal, Luísa Lopes, ensaiou uma envergadura de asa na etapa dos figurinos folclóricos que decide as 15 classificadas. Vai voar? Ninguém corrigiu os joelhos da Miss Rio Grande do Norte, Deise Benício, que tirou terceiro lugar. Com sua beleza fora do padrão, Frida Kahlo, que sofria de problemas ortopédicos gravíssimos, deve ter se regojizado do além. E não faltaram concorrentes apostando em tremeliques de mão e braço, como se tivessem alguma disfunção muscular, crentes que estavam abafando.

Embora seja necessário aos concursos de miss reencontrar seu próprio caminho, em dias atuais (após as top models as haverem engolidos) a comparação com o universo da moda é inevitável. E, no caso, curso de aspirante a modelo, tipo Rita Mancini, perde. O resultado visto ontem é digno de criança que quer ser celebridade no catwalk, e não se sabe se toda essa (má) evolução corporal é premissa estipulada pelos organizadores ou se é ideia da coreógrafa Paula Bonadio, Mas tudo indica que a ordem veio de cima, já que a competente profissional – ela assinava Paula Peixoto em seus tempos de bailarina – é capaz de desenvolver trabalhos infinitamente melhores e tem estrada suficiente para fazer um ótimo trabalho.

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E está aí o principal problema, que vai da abordagem às marcações de passarela: desde quando as top models substituíram no imaginário popular as vênus idealizadas que as antigas misses representavam, nunca mais a competição foi a mesma. E está aí o dilema: um concurso de miss deve tentar se modernizar reproduzindo a estética do mundinho da passarela ou deve sucumbir a toneladas de naftalina e assumir que é uma coisa antiga, déjà vu, com seu velho charme cheirando a mofo? Bom, nem uma coisa, nem outra. Talvez seja possível resgatar aquilo que esse tipo de evento tem de melhor, usando a seu favor a aura vintage devidamente repaginada. Ser retrô nunca foi problema em lugar nenhum do mundo, e se fosse, as coristas de cabaré, pin ups de folhinha, divas do cinema e Bettie Pages de outrora não estariam por ai, com a força toda no imaginário geral, inspirando desde catálogos de moda praia a desfiles de moda, de Dita Von Teese a Cíntia Dicker.

Ao que parece, o problema se encontra no fato de os organizadores do Miss Brasil não terem ainda encontrado uma fórmula que renove para valer esse tipo de empreitada, olhando exclusivamente para o universo atual das passarelas e das music divas como única solução na hora de tentar pseudo incrementar o concurso. De maneira amadora, sem que a certeira dose de showbizz tenha sido desbravada pelo staff técnico contratado, o que se vê é calamitoso, mesmo com a cenografia correta e a boa iluminação. Não há domínio de cena, nem sequer de timing e surpresa, com alguns quadros se arrastando, outros sendo intercalados com videos de makin’ of constrangedores (que deveriam estar na Fashion TV argentina) e o suprassumo do amadorismo: o show interromper para marcações ao vivo, diante do público atônito, enquanto os apresentadores Renata Fan e André Vasco se desdobram para encher a linguiça dos telespectadores com frases originalíssimas como: “O churrasco se tornou o prato típico dos brasileiros”. Hoje em dia todos sabem que bom redator é coisa rara, mas onde foi recrutado esse time de roteiristas? No Supletivo? Até o texto do “Chavez” é melhor.

As vírgulas e sorriso Colgate de Fan e a bow tie de Vasco: marcas de um espetáculo (Foto: Divulgação)

As vírgulas e sorriso Colgate de Fan e a bow tie de Vasco: marcas de um espetáculo que precisa ser repensado (Foto: Divulgação)

Os apresentadores se esforçam para dar cabo da tarefa, com Renata Fan entediando todos com a menção à época em que concorreu (1999). Foram contabilizadas pelo menos seis vezes em que proferiu a máxima: “Na época em que eu participei do concurso…” Tédio. Um misto de naturalidade do Madame Tussaud com “saudade não tem idade”. Para piorar, gritava no ar tanto seu sorriso de comercial de dentifrício quanto o demoníaco penteado repartido ao meio, com duas vírgulas laterais e um rabo de cavalo maior do que o do equino que transportava Lady Godiva nua. Só restava ao público prestar atenção na gravata borboleta do seu companheiro em cena.

Mas duas coisas são certas: se existe mais coisas entre o céu e na terra do que supõe a vã filosofia de Afrodite, a deusa da beleza, é fato que os produtores só conseguem enxergar duas referências: Izabel Goulart desfilando para a Victoria’s Secret e a popstar Beyoncé.

Daí o exagero kitsch de tentar representar a modelo brasileira desfilando na passarela da grife de lingerie, com cabelos ornados por ondas provenientes de baby liss com mais curvas que a estrada de Santos. Claro, não são tops, muito menos Izabel,  não vai ficar igual nunca. As viradinhas na ponta do palco surgem toscas e a tentativa de fazer com o que o show de roupas típicas se pareça com o runaway show da marca de underwear americana, no máximo, alcança o patamar de um evento mediano de shopping. E as quebradas de quadril, que já ficariam caricatas em modelos de verdade com medidas inferiores a 90cm, viram um pastiche nas candidatas com mais carnezinha que Viviane Orth na região abaixo da cintura de pilão.

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Na outra ponta, a vontade de fazer com que tudo acabe se tornando uma apresentação da Beyoncé faz como que a produção do Miss Brasil perca a mão no uso do ventilador para movimentar as madeixas das moças e na overdose de rebolados, viradas de pescocinho e mão nas cadeiras com parada abrupta. Uma maravilha, as transformistas devem ter amado!

Isso sem falar que, em um país onde existem tantos talentos bons na moda, os cafonérrimos figurinos em todas as etapas conseguiam ser piores que um desfile de formatura da Socila. Quem será que permite uma monstruosidade dessas? De que vale tentar dar upgranding no evento chamando o às da fotografia J.R. Duran e até uma blogueira (Edith Gomes, com óculos que deve ter surrupiado do espólio da costume designer hollywoodiana Edna Mode, ops, Edith Head) para dividir a banca de jurados com a ex-Miss Brasil Natália Guimarães, se a quantidade de chifon e bordados usada nos vestidos pelo figurinista Alexandre Dutra é capaz de abastecer por uma ano e meio todos os bailes de debutantes do pais? E para que serve convidar Duda Molinos para dar uma abrilhantada no evento, recauchutando o make de uma das concorrentes, se aparece, logo a seguir, o beauty artist Fabinho Araújo (sic!) dando dicas com um visual que faz com todos acreditem que o Halloween da Auslander chegou mais cedo esse ano?

Miss Brasil 2014: muito chifon, muita fluidez, excesso de brilho, tudo quase perfeito para agradar de drags a debutantes (Foto: Divulgação)

Miss Brasil 2014: muito chifon, muita fluidez, excesso de brilho, tudo quase perfeito para agradar de drags a debutantes (Foto: Divulgação)

Isso sem falar que a trupe do styling deve ter ouvido o galo cantar que maxi brinco e maxi colar estão na moda, pesando a mão. Tá bom, meu bem, bacana, mas adianta usar colar mega junto com bustiê com alcinha sem que o resultado fique jeca? E a pobre da Miss Rio Grande do Norte? Aquele excesso de brincos gigantes mais colar monstro não a faz parecer a representante ideal do Miss Cleópatra Paty do Alferes? Pode isso? Bom, pelo menos o visual de santa envergado pela Miss Espírito Santo, Amanda Recla, usado na parte dos trajes folclóricos, arrasou!

* André Vagon é coreógrafo pós-graduado em psico-motricidade, diretor de cena em show e eventos corporativos, estudioso e professor de dança, tendo atuado por mais 20 anos como bailarino profissional. Crítico de dança do site, para ele a vida é puro movimento, tendo sido responsável pelo trabalho de corpo que garantiu junto com a preparação em moda e estilo administrada por este jornalista que a Miss Angola Leila Lopes ganhasse, em 2011, o título de Miss Universo