Dragão Fashion 16 #Day4: David Lee é excepcional ao desfilar um jangadeiro urbano e Doisélles prova que as ovelhas negras não são tão ruins assim


Fechando a temporada de desfiles no Terminal Marítimo de Passageiros de Fortaleza, também desfilaram Weider Silveiro, João Paulo Guedes e Bikiny Society

David Lee (CE)

Tão admirável quanto assistir a uma puxada de rede ao pôr do sol (se você nunca fez isso, por favor, reveja seus conceitos), foi acompanhar look a look, o desfile do cearense David Lee no último dia de Dragão Fashion Brasil. Homenageando os pescadores e jangadeiros da Praia do Mucuripe, na própria capital Fortaleza – onde foi criado e ainda vive -, o estilista fez rede virar roupa. Com um crochê (que demora mais de uma semana para ficar pronto) de ótimo corte e modelagem que valoriza a silhueta, David entregou uma perfeita sobreposição – com quê de trench coach. Os total black e off white são do tipo objeto de desejo. Até a combinação jaqueta estampa + crochê + short floral curtíssimo deu certo. Esse homem de David Lee, que não abre mão de um handmade bruto e que confere presença, ganha as ruas com combinações com alfaiataria e perfume streetwear. O pescador tomou o asfalto com sofisticação – já que o acabamento é primoroso e o caimento é digno de um rolê ao redor do Palácio de Westminster – perdoe-nos a viagem, mas é que a regionalidade da roupa de Lee é também cosmopolita na medida certa, perfeita para levar ao redor do mapa o perfume regional. Ainda com espaço para jaquetas estilizadas e estampas com lembrança al mare, a coleção conseguiu imprimir a reverência de Lee ao trabalho dos jangadeiros que observa desde criança (“É uma ofício tão lindo e que precisa ser respeitado”, nos disse ele) e não por isso deixar de apresentar a trinca tendência, comercialidade e conceito. Bem que cantam: “Foi na puxada de rede que o mar nos presenteou”. O canto de Iara ficou no chinelo – e ela amarrada no crochê. Ah, e um adendo: isso não é história de pescador.

Weider Silveiro (SP)

Essa coleção de Weider Silveiro nasceu da melhor forma que um conceito para um também desfile de moda possa começar: do inesperado. Em pleno carnaval paulistano, ele encontrou plumas em branco e vermelho descartadas no lixo. Daí, veio o sinal. Como toda coleção de Weider parte do branco (ele gosta de comparar com uma tela virgem, que dali nascerá toda e qualquer construção), e ele quis fazer um jogo com o vermelho do urucum – já que a verve étnica continua mais latente que nunca, como seus últimos trabalhos apresentaram. Num misto de brasilidade e contemporaneidade, a mulher de Silveiro é sagaz no momento em que quer seduzir, mas que não opta pelos caminhos mais tradicionais para isso. Ela não precisa de uma silhueta delineada, quão menos de um decote. Apostando no comprimento midi, na modelagem vestido-coluna e no efeito da silhueta – e não na proximidade dela com a pele -, essa mulher consegue perfumar fetiche por onde passa. Destaque também para duas trends da trends: oversized e caimento desabado – em particular para o maxi blazer como composição de um dos looks. Um desfile tipo-manual para não sair da moda – mesmo apostando na arte plumária para saracotear por aí.

Doisélles (MG)

O desfile da mineira Raquel Guimarães foi muito além de pura moda, tendência, roupa ou fashion show. Tinha mensagem – não necessariamente explícita para gregos e troianos – por trás de cada cruzada de agulha presente naquela passarela. A começar pelo modus operandi: Raquel é uma mineira expert em crochê e tricô. E utilizou lã de ovelha do Uruguai para desenvolver sua coleção. Mas não é qualquer ovelha. São as negras. E daí já se traça outro paralelo: presidiários, as ovelhas negras da sociedade, homens de um presídio de segurança máxima ensinados por Raquel a tricotar, têm dedo – literalmente – nas peças. Assim como a trilha sonora que começou “caminhando” a passos lentos até chegar ao nível de tensão, as roupas da coleção seguiram pelo menos rumo: Raquel começa a coleção clara, até ser sucumbida por completo pelo preto – com espaço para o vermelho. Sobreposições e silhuetas justas, com uma fluidez pesada evidenciam o handmade trabalho com agulhas grossas, resultando em modelagens amplas, mezzo oversized – o termo do momento para quem gosta de seguir o mainstream fashion. Destaque para as sobreposições e para a fluidez das peças de apoio, contrastando com a rigidez do croché e do tricô da Doisélles.

João Paulo Guedes (CE)

A coleção de João Paulo Guedes – que já foi desfilada na semana de moda masculina de Toronto e na Vancouver Fashion Week, ambas no Canadá – chegou em boa hora ao Dragão Fashion Brasil, já que o outono-inverno está em voga. Batizada de “Vírus”, a série de looks foi inspirada em “fotos microscópicas de vírus e bactérias”. Para João Paulo, “há uma beleza secreta por trás das lentes”. É desse conceito que saem as estampas – não muito diferente do que possa se imaginar para esse tipo de proposta. A moda masculina do cearense sugeriu a subida da barra da calça ao mesmo tempo que seguiu a tendência oversized. Com um pé na alfaiataria e outro no streetwear, João Paulo Guedes aderiu a uma cartela de cores mais soturna, usando do neoprene, que, diferente de uma primeira impressão, se saiu tão bem como o corte e a modelagem que ele deu – belamente – aos tecidos italianos. Destaque para o japonismo nas amarrações, para as sobreposições, pela opção de looks total black e para a silhueta ora modelada, ora ampla. Os recortes não necessariamente proporcionais do segundo bloco em diante também foram uma ótima sacada. Um ótimo caso onde a temática é o de menos e a funcionalidade das peças é o de mais. Porque a moda clama por isso.

Bikiny Society (CE)

Apoiando-se no conceito de arte livre, sem perímetros e amarras, independente de espaços físicos ou molduras, a Bikiny Society de Paula Pinto Villas Boas entregou a coleção “Liberd’Art”, fazendo da passarela do Terminal Marítimo de Passageiros de Fortaleza, no Ceará, uma galeria fashion. Por isso estampas geométricas, mosaicos, pinceladas abstratas e modelagens híbridas nortearam toda a entourage de modelos. Destaque para o mise-en-scéne inicial, quando o desfile aconteceu à luz negra, evidenciando as formas que modelavam as peças. Com bons recortes, a coleção se destacou também pelas peças casuais, de ótimo efeito na passarela, como vestidos e macacões – com estampas abstratas – que facilmente acompanham um pós-praia, ou servem para quentes noites de verão. Corroborando, aliás, com o objetivo da grife: entregar um beachwear de luxo. É hora de apostar na riqueza e na luxuosidade nas areias e mais: nada de colo à mostra – apostar nos croppeds amplos é uma boa pedida para andar na linha, ou melhor, na crista da onda.