Dragão Fashion 16 #Day1 – Concurso dos Novos starta temporada e Lindebergue leva Lampião ao asfalto para protestar contra a cara de palhaço do povo


E também teve Almerinda Maria inspirada na Bonequinha de Luxo, André Sampaio acertando na manipulação de tecidos, Jeferson Ribeiro e Rebeca Sampaio

Concurso dos Novos – C.Univ.Senac Sto Amaro / IDECC / IESB / Unifor

O HT, pelo quarto ano consecutivo, teve o prazer de participar do corpo de jurados do Concurso dos Novos – realizado há mais de uma década pelo Dragão Fashion Brasil. A iniciativa, que reúne todas as instituições que oferecem o curso de moda no estado, preza pelo objetivo de dar visibilidade ao trabalho autoral de jovens talentos em período discente. Nesse primeiro dia de concurso – terá mais um -, desfilaram Centro Universitário Senac de Santo Amaro (São Paulo), Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Instituto de Desenvolvimento Educação e Cultura do Ceará (IDECC). As coleções-cápsula são julgadas nos quesitos paleta de cores, conceito, stylist e criatividade – com notas de zero a dez. O briefing? Pensar em looks de fácil reprodução industrial, que conversassem com o sangue latino – qualquer país do continente poderia ser escolhido como mote. Segundo Heloisa Tolipan, “é prazeroso ver os holofotes da moda serem direcionados para fora do eixo Rio-São Paulo”. Os destaques? “Linhão, renda filet de primeira linha e o saber de manipular os tecidos que privilegiam a regionalidade”. O que se viu foi um passeio pelos territórios da Cordilheira dos Andes – e toda a sobreposição que o figurino da região pede, de acordo com o que os nativos imprimem, por meio de ponchos, uma paleta de cores multicolorida e lã. A alfaitaria masculina (de ótimo corte e acabamento) recebeu um perfume das revoluções do continente, com destaque para aplicações e fios de lã. E não só: Frida Kahlo, símbolo da força feminina, passeou pelo sertão com cortes terrosas, aplicações, couro e construções inusitadas, e não menos caprichadas por isso. As imagens falam por si só, já que a gente, por motivos de pertencimento ao corpo técnico, prefere guardar as impressões para o dia do resultado final. Ainda desfilam: Faculdade Senac de Porto Alegre, Universidade Federal do Ceará, Universidade da Amazônia e Universidade Estadual de Maringá.




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André Sampaio (CE)

Para você, como a luz – seja ela de qual incidência for – reflete no mar? Que efeito esse encontro projeta? Pois para André Sampaio arma-se um verdadeiro jogo entre o claro e o escuro. Nesse duelo, bom adiantar, o soturno ganha. É que o primeiro bloco de seu desfile, dominado por listras em preto e branco e transparências, se mostrou incrivelmente superior ao segundo (talvez pelos tecidos usados e respectivos recortes), quando a paleta de clores clareou. Além da importância das cores, André resolveu dedicar boa parte de seu talento para a manipulação de tecidos. E…acertou em cheio no quesito. Todas suas apostas de plissados, pregueados e drapeados funcionam – sejam em algodão, linho ou organza. A inspiração do jovem – apesar de ganhar destaque em detalhes da trilha sonora -, não fica evidenciada para o comprador e admirador leigo, mas, não por isso, deixa de entregar uma coleção funcional com croppeds, ombros à mostra, cinturas marcadas, pantalonas, e até babados – provocando um volume que, para tentar viajar na ideia de Sampaio, representariam um bom mar noturno e agitado. Bem que dizem que mar calmo nunca fez bom marinheiro. E nunca fará, pelo visto. Em tempos de see now, buy now, para usar já.

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Almerinda Maria (CE)

Representante peso pesado do handmade de luxo da moda cearense, Almerinda Maria bebeu da fonte da sétima arte para continuar imprimindo sua chancela. Ela viajou até 1961 e resgatou a obra “Bonequinha de Luxo”, dirigida por Blake Edwards. Só que aqui, abaixo da Linha do Equador, a acompanhante de fino trato que sonha em viver abastada labutando como atriz, pode saracotear pelos mais “diversos ambientes”, como explica a própria estilista. Batizada de “Luxo no paraíso”, a coleção imprime aquela dualidade de Holly Golightly, a protagonista do longa, que mescla a verve de alpinista social com ar sofisticado – afinal, ela circula nos mais altos círculos do society. Exatamente por isso que a renda filé branca aparece ora com decote em “V” na parte de trás de vestidos, ora com comprimento mídi. Ora a silhueta é fluida, ora ela é delineada. Ora os longos vão até o pescoço, ora deixam seios e derrière à mostra (uma ousadia, digamos, arriscada). Esse jogo de mostra e esconde aproveita para corroborar o conceito e agradar a gregas e troianas. Uma bonequinha de luxo, portanto, pós-moderna. Hollywood que se cuide.

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Jeferson Ribeiro (BA)

Caos, no sentido denotativo, estado de absoluta confusão, extrema e irremediável. Mas o caos de Jeferson Ribeiro, grafado “Khaos” – como sua coleção foi batizada – encontra uma verve positiva para o termo. É que, quando o assunto vira moda pelas mãos do baiano, resulta em uma nova sensualidade para a mulher cosmopolita que não abre mão do handmade de luxo e da regionalidade impressa. Para tanto, esquentou um caldeirão complexo: “A escrita alegórica de Mário de Andrade, a deformação geométrica do expressionismo alemão e o hibridismo cultural presente no encontro dos ameríndios africanos e europeus”. O resultado não é linear, porém é totalmente justificável no quesito conceito. A mulher de Jeferson começa minimalista, desfilando off-white, encarna a ousadia dos tempos modernos com fendas, seios à mostra e termina étnica com listras mil. Apesar de muitas referências artísticas, a coleção, no resultado final, é comercial, perfeita para a casualidade e o próprio Mário de Andrade vem como exemplo: “A realidade é simples e isto apenas”.

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Rebeca Sampaio (CE)

O desfile da cearense Rebeca Sampaio poderia muito bem ter tido “Disparada”, composição de Geraldo Vandré e Théo de Barros, como trilha sonora. É que, assim como na canção, ela veio lá do sertão e…pode até não te agradar. Rebeca resolveu entregar “um novo olhar da mulher sertaneja”, celebrando “um sertão moderno, sem deixar de lado o artesanato e o folclore da região”. Pois bem. As flores do sertão nordestino foram o símbolo encontrado por ela para permear toda a coleção, seja em detalhe ou em evidência, e marcar seu conceito. Ela aproveitou o jogo fluído versus rígido ao entregar saias com telas e jaquetas em um mesmo look. A cartela de tons terrosos se rendeu ao preto em dado momento, que é quando o couro tomou de assalto todas as atenções. Acompanhado até de camurça, o material não agregou a proposta, já que saiu com o efeito de mais do mesmo – recortes tecnológicos poderiam ter ajudado. Destaque, porém, para as fitas em longos que conferiram fluidez e ajudaram na (ótima) silhueta desabada. As transparências e drapeados também conferiram pontos louváveis à coleção. Maria Bonita poderia até estranhar, mas Lampião iria até esquecer a garrucha de lado, de tamanha boca aberta pela beleza em meio a caatinga.

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Lindebergue Fernandes (CE)

Todo o processo de Lindebergue Fernandes para entregar seu “cangaço de asfalto lírico” começou com Virgulino Ferreira da Silva, conhecido pela alcunha de Lampião, o mais bem sucedido cangaceiro brasileiro. E foi revirando o baú do figurão nordestino que Lindebergue descobriu que o dono do trabuco mais temido do sertão se inspirava em Napoleão Bonaparte, o imperador francês que, após tocar o terror para aplicar um golpe de estado, acabou exilado. E foi esse perfume que startou toda a coleção. E aí começa a esperteza do estilista. Temendo cair no mais do mesmo, já que o figurino de ambas personalidades são muito caricatos, Lindebergue então apenas deixou Lampião e Napoleão em espírito na catwalk. Ótima sacada. Utilizando do palco de resistência e de luta que o cangaço sedimentou, o estilista linkou com os tempos atuais, onde, segundo o próprio, o país está com os “nervos expostos, instável, dividido”. Para tanto,  entourage se pintou de palhaço enquanto, ao fundo, surgiram dizeres como “cidadão”, “futuro”, “torto” e “fé”. Até uma bandeira branca, de paz, deu as caras no fim. “É uma reflexão. Não quero levantar nenhuma bandeira, citar nenhum partido. A cara de palhaço está lá porque é a cara da gente”, nos explicou. Daí foi ladeira acima. Todo o perfume do conceito – para entregar um streetwear de responsa – refletiu em um oversized comercial, sarjas, rigidez na silhueta (com um quê de militarismo), bordados de pedrarias e neoprone. Porque precisamos de ordem e progresso, mas com charme, por favor.

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