DFB 2018 – Day 2: Enquanto o protesto poético de Weider Silveiro valoriza a luta feminista, o artesanato de luxo made in Brazil de Rendá mostra para o que viemos


Ao todo, tivemos nove desfiles rolando nas três passarelas de Fortaleza, nesta quinta-feira. As manifestações de apoio a causas sociais continuam por aqui em um verdadeiro show de empoderamento feminino e valorização do trabalho artístico, no maior festival de moda autoral da América Latina. As estrelas da noite foram as marcas Hand Lace, Rendá e Elo Collab e os estilistas D’Aura, André Sampaio, Fábio Caracas, Gisela Franck, Weider Silveiro e Iury Costa

Da Amazônia até o Sul do Ceará, o segundo dia do DFB Festival contou com discursos empoderados sobre respeito às mulheres e a valorização da arte produzida no Brasil. A grife Hand Lace começou os trabalhos investindo na vegetação esquecida do nosso país para valorizar a silhueta feminina. Na sequência, D’Aura quebrou paradigmas ao mostrar que os erros na confecção podem gerar bons resultados estéticos em uma pegada destroyed. André Sampaio apostou no universo do motocross para expor uma mulher que está em busca de si mesma e ainda soltou o verbo sobre a falta de negros nas passarelas.  A inovação ficou por conta da Elo Collab que trouxe uma confecção aos moldes da Indústria 4.0 e levantou a bandeira do ‘juntas somos mais fortes’. A estilista Gisela Franck enfatizou a feminilidade em roupas que brincam com a figuração do papel. O luxo do artesanal made in Brazil ficou por conta da marca Rendá. Weider Silveiro fez da hashtag ‘respeita as minas’ uma realidade em um protesto político a favor do feminismo. A multidisciplinaridade foi feita por Iury Costa que imprimiu, literalmente, a obra de Sérvulo Esmeraldo no tecido. Vem conferir este show de pluralidade!

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Em tempos de internacionalização e uma maior valorização do produto estrangeiro, o primeiro desfile do segundo dia do DFB Festival trouxe voz para a natureza do Brasil, geralmente esquecida pelos órgãos públicos. A Hand Lace investiu em texturas e colorações inspiradas na fauna e na flora da Amazônia, indo desde jibóias passando por cipós e araras até chegar às folhas secas da árvore coccoloba. As roupas eram um mix de moda praia com peças normais para o dia-a-dia e todas traziam amarrações que lembram o entrelaçado das folhas feito para confeccionar objetos artesanais e outros. O resultado é uma mulher que valoriza o próprio corpo e, principalmente, é brasileira. “Fui até a Amazônia e quando cheguei lá percebi que podia fazer mais outras duas coleções, porque são muitas possibilidades de textura e cores que inspiram o artista. Temos muita história. Acho que primeiro temos que fortalecer e valorizar o nosso”, informou Edna Moreira, a estilista responsável pela coleção em sua estreia no DFB.

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Uma pegada mais clean e contemporânea foi a proposta de Lucas Menezes da D’Aura para este ano. Na passarela, o estilista focou em uma colocação preto e branco, em tecidos leves e despojados e em uma make discreta e um cabelo natural. Além disso, impressionou ao trazer peças que possuem um aspecto de por fazer e uma pegada destroyed. Esta característica é uma forma com a qual ele está amando trabalhar. A ideia saiu de um ensaio produzido por um estilista francês que mexe com multi conexões e reproduz o discurso da falta de necessidade de achar uma linearidade na vida. Para ele, trazer esta iniciativa para a passarela é uma forma de ir contra os princípios valorizados atualmente. “A ideia da imperfeição desconstrói um pouco o perfil conservador da sociedade. As pessoas querem passar todas as suas energias através da roupa e a proposta da coleção é chocar um pouco o público. Não suporto este conceito de perfeição”, garantiu.

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O terceiro desfile do dia começou com uma música que remete ao barulho de uma moto, o que já deu uma boa dica do que estava por vir. André Sampaio apostou neste universo em Veloz Voraz, uma coleção que visava representar uma motoqueira chique que está na noite em busca de prazeres, sejam eles sexuais ou puramente dionisíacos. O estilista quis mostrar uma mulher que está tentando se descobrir. Com uma pegada do final dos anos 80 e início dos 90, as peças traziam consigo muitas cores e muita transparência que mostravam partes do corpoa. Na cabeça, as modelos possuíam capacetes que funcionavam como uma proteção para este mundo cruel. A arte foi inteiramente feita com pregos reutilizados por Emanuel Oliveira. No rosto, os óculos escuros estavam quebrados para imprimir a quantidade de impactos que ela sofreu na vida. Ao mesmo tempo que o profissional quis valorizar o feminino, em seu desfile só haviam quatro modelos negras. “A falta de protagonismo negro é um problema estrutural. É algo que não vamos conseguir mudar agora. As agências de moda têm perfis e muitas vezes são reduzidos quando se trata de mulheres desta etnia, na verdade o Brasil as trata assim. É um cenário que estamos tentando alterar aos poucos”, lamentou.

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Ao final do desfile da Elo.Collab, as cinco mulheres à frente da coleção levantaram uma faixa aonde se lia: “Juntas somos mais fortes”. Desde o início, a empresa foi montada com a união de profissionais de diferentes ramos para potencializar a iniciativa. “Não importa se somos de duas marcas de jóias diferentes. O estilo de uma não é igual ao outro. Na verdade, a gente pode se ajudar e até usar a mesma máquina. Fazendo juntas conseguimos produzir mais”, explicou a designer de jóias, Suyenne Lemos. Na passarela, a Elo foi a única a seguir uma produção sob os moldes da Indústria 4.0. As peças, por exemplo, foram confeccionadas a partir de um dos conceitos chaves do movimento, a reutilização de materiais que já foram descartados, como é o caso da prata usada nas bijuterias. Além disso, a iniciativa era fazer roupas que pudessem ser versáteis e duradouras, por isso foi escolhida a coloração preta. “Hoje em dia, precisamos ter consciência. Ou o empresário aposta nesta revolução industrial ou ele vai morrer. E ele não está sendo bonzinho ao seguir isto não, o mercado é que exige esta demanda. É preciso pensar em toda a estrutura da cadeia”, completou a estilista Monike Oliveira.

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Minimalista, autoral e atemporal são as palavras para a proposta de Gisela Franck. A delicadeza das peças pode ser resumida no trabalho de transparência das flores que marcaram a coleção. O trabalho recria as marcas que somente um papel é capaz de ter, com muito amassado e recortado. Como uma folha de papel em branco, a designer apostou no branco para dar o tom na passarela. Além do incrível espetáculo que parecia um sonho, a trilha sonora foi produzida ao vivo com a utilização de copos de vidro.

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A marca Rendá trouxe para Fortaleza o ápice do artesanal de luxo made in Brazil, que é um dos nossos diferenciais. Os modelos foram inteiramente confeccionados com rendas feitas à mão com direito a um casamento perfeito com a pedraria. Muitas flores, babados e transparências ajudaram a compor o look que visava trazer a leveza, diversidade e beleza das praias do Nordeste. A música contou com a trilha sonora de Clara Nunes, uma forma de enaltecer ainda mais o melhor que a região tem para oferecer. “Artesanato tem em todo canto, mas nós partimos da criação e da perfeição da modelagem. Nós trazemos esta renda bem elaborada com uma confecção diferenciada do comum. Este produto é o nosso diferencial brasileiro. Temos que valorizar estas rendeiras”, afirmou Camila Arraes, estilista responsável pela coleção. O trabalho é tão minucioso que pode levar cerca de um ano para fazer um vestido, mas para que isto não aconteça, ela ainda ajuda a movimentar a economia ao contratar diversas costureiras, de locais diferentes, para trabalhar com cada elemento em específico. O resultado desta potência brasileira foi uma coleção aplaudida de pé.

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O penúltimo desfile da noite começou com um clima forte impulsionado pela trilha sonora cabisbaixa, mas o motivo ficou claro logo de cara ao ver o protagonismo da palavra ‘respeito’ nas vestes das modelos, seja como parte da estampa ou como uma espécie de cinto. Apesar do nome não ter saído das peças, tanto a música como o design mudaram radicalmente nos últimos looks, idealizados pelo estilista Weider Silveiro. A pele, que antes estava coberta por uma balaclava, passou a ser um dos destaques da roupa. A iniciativa era mostrar como a opressão da sociedade pode apagar a chama da feminina e como a libertação disto pode gerar bons frutos. “Sou muito militante da causa gay e acho que ela só será valorizada quando a feminina avançar. Por isso, inclusive, que o meu próximo desfile fala justamente sobre a homofobia. Só conseguiremos isso respeitando o lugar da mulher, o trabalho e o poder de criação delas. O meu desfile foi um grito de socorro dizendo: ‘Respeitem estas minas’”, afirmou. O protesto foi em clima de poesia na busca de que a vontade, um dia, se torne ação.

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Moda e arte estão em perfeita sintonia. Iury Costa resolveu abusar da licença poética para retratar em suas peças toda a genialidade do artista cearense Sérvulo Esmeraldo, falecido no ano passado. As roupas foram um tributo a este profissional que, com inspirações regionais conseguia produzir esculturas dignas de acervo internacionais. O estilista chegou a consultar as plantas das obras do mesmo para produzir estampas que traduzissem a sua ideia de cultura. “As minhas referências sempre passeiam nas artes de outras pessoas. Através disso, sinto que consigo encontrar um consciente coletivo. Assim, a roupa fica mais forte. Não é uma peça somente para vestir; É para pensar”, disparou. O design de sua coleção funcionou perfeitamente como encerramento da noite traduzindo tudo o que vimos ao longo do dia em um só local: brasilidade e empoderamento.

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