Contagem regressiva para o Inspiramais Verão 2017 e Walter Rodrigues analisa a moda: “O prêt-à-porter e a alta costura viraram fast fashion”


Durante o Fórum de Inspirações, realizado na sede da Federação das Indústrias do Espírito Santo, o coordenador do Núcleo de Design da Assintecal foi tácito: “A moda não deveria ser tratada só como uma consequência de um produto. Moda é expressão, resultado de um tempo que a gente vive e do futuro”

Faltam heróis no mundo. A conclusão é de um grande estudo feito pelo estilista e pesquisador Walter Rodrigues, à frente da coordenação do Núcleo de Design da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal). “Vivemos em um momento sociopolítico e econômico em que não temos heróis. Estamos desprovidos de líderes na humanidade. Hoje, nenhum líder mundial tem carisma para fazer algum movimento em prol de prosperidade e de luz. Talvez o único existente seja o Papa Francisco I, que tenha uma visão um pouco mais interessante”, disse em entrevista exclusiva ao HT, na sede da Federação das Indústrias do Espírito Santo. Tal situação exposta por Walter, aliás, se alarma agora em que estamos em tempos de crise. “Acho que a crise é extremamente importante para fazer acontecer. Em um mercado polarizado, por exemplo, repleto de empresas que, às vezes, não têm propósito para existir, ela ceifa, tira o joio do trigo, limpa. Em uma crise, só não admito a de criatividade. De resto, se você for estruturado, você passa. Até por que essa fase não é uma surpresa. A gente já sabia”. Por isso, para Walter, a palavra de ordem é DESPERTAR. “É para as pessoas acordarem. Todo mundo está usando a crise como desculpa: ‘Ah, eu não contrato por causa da crise, não faço um produto novo por causa da crise’. Ok, os fluxos de dinheiro vão diminuir. Mas você tem que continuar sendo criativo, despertar para suas escolhas, para seu propósito. Por isso eu pergunto: ‘Você quer ser o que?'”.

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E é justamente esse raciocínio que Walter está expondo (e continuará pelos próximos meses) durante o Fórum de Inspirações Verão 2017, que já foi realizado em cidades como Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, em Colatina (ES), Americana (SP), Belo Horizonte (MG) e no Rio de Janeiro (RJ); e passará, ao todo, por 28 cidades, no qual a Assintecal proporciona aos integrantes dos principais polos produtivos brasileiros, que se destacam nos segmentos calçadista, confecções, couro, têxtil, artefatos e materiais, uma experiência sensorial e informativa, colocando-os em contato direto com o que há de mais moderno em indicativos de tendências para promover o desenvolvimento de produtos inovadores com base na estação mais quente do ano. As conclusões ali divulgadas culminam no Inspiramais: Salão de Design e Inovação de Materiais – o projeto master da Assintecal em parceria com o Footwear Components by Brasil e o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB); que, nos dias 11 e 12 janeiro, ocupará o Centro de Convenções do Shopping Frei Caneca, em São Paulo. Lá, serão entregues as grandes tendências que os desfiles e as araras das lojas apresentarão. Resultado de um trabalho de pesquisa que é feito dois anos e meio antes. “Nós somos muito corajosos. Quando apresentamos todo o questionamento da pesquisa, que é o Fórum de Inspirações, não nos diferenciamos dos bureaus de moda existentes no mercado, somos também um bureau de estilo. Mas o que nos diferencia é termos ações realizadas dentro das empresas. Elas não estão sozinhas. Temos consultores que entram nas empresas e trabalham a partir do que elas possuem de maquinário, histórico e meta. Falamos de tendências em curto, médio e longo prazo. Nos baseamos muito no comportamento do consumidor, que é o que nos interessa, e começamos sempre pelo instantâneo (60% da produção), para depois ir para as apostas (30%) e, por fim, as inovações (10%)”, explicou.

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Tudo bem pensado para aliar o momento econômico com o comportamento antropológico da moda, e, claro, buscar acertar as tendências. Daí, a ciência de coragem de Walter. “Essa questão de acertar é interessante por causa da nossa metodologia. Na estação passada falamos: apostem em jeans. Aplicamos a ideia de tingimentos de denim até em couros e hoje o mercado está repleto desta nova visão do jeans”, exemplificou, acrescentando: “Nós não somos mágicos. São nove pesquisadores. A pesquisa é uma proposta, não é uma imposição. Cada um vai adaptar para o seu cenário o que estamos apresentando. Nos 10%, algumas inovações não pegam de imediato. E a gente não se importa, porque é natural. Mas, quando os 10% viram 30% , que é o terreno das apostas, a gente entende que deve focar e fortalecer estes acertos para que eles virem lucro nos 60%. Estamos pensando a longo prazo. Sendo assim, nos 60%  é perigoso errar”, contou. Palavras de quem entende muito o que se passa na indústria da moda brasileira.”Falta visão estratégica para o nosso empresário. Tem quem acha que neste momento pode produzir as coleiras de metal que a Giovanna Antonelli usa na novela. Sorry, você não tem mais tempo para isso. Já tem na Rua 25 de Março. Para que você vai fazer isso? Não faça as de metais. Faça um colar que possa ser usado na mesma área do pescoço com a sua identidade”,  deu a dica.

Para Walter Rodrigues, moda é feita por metades: 50% de poesia e 50% de cálculo. “Não dá para sonhar, acordar e fazer vestidos. Isso não existe mais”, disse. Buscando inspirações em Andy Warhol (1928-1987) e no estilista Alexander McQueen (1969-2010), ele acha que “estamos vivendo uma crise muito poderosa, que exige criatividade e saber fazer um produto original ajudará muito”. Nessa conversa com HT, uma dia antes de voltar para casa, em Caxias do Sul – ele vem de uma série de viagens -, Walter Rodrigues fala do limbo da moda, da falta de um Plano de Estado, sua mudança para o Rio Grande do Sul e cita o filósofo Walter Benjamin (1892-1940): “Se a gente levasse a moda a sério, saberíamos o que aconteceria no futuro. A moda não deveria ser tratada só como uma consequência de um produto. Moda é expressão, resultado do tempo presente em que vivemos e do futuro que não nos pertence. Hoje, o prêt-à-porter e a alta costura viraram fast fashion”. Avante.

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HT: Na última São Paulo Fashion Week, a estilista Helo Rocha, que fez a transição da Têca para uma grife com seu nome, nos disse que “quem fica no intermediário, que não assume nem uma linha de fast fashion, nem de high, está fadado ao limbo”. Você concorda?

WR: A minha escolha de não fazer mais desfiles veio, talvez, dessa percepção. Acho que cada vez mais vamos ter que segmentar tudo: quem faz moda festa e trabalho elaborado vai ter um nicho e sobreviverá dele. Estamos voltando para um período bem negro da história. O meio não existe mais. Ou você faz algo muito barato ou muito caro. O meio não se sustenta. Nesse cenário, as redes de fast fashion no Brasil têm uma postura de mercado bem interessante e não dá para concorrer com elas.

HT: De forma bem exemplificada, palpável, como a crise atingiu a moda?

WR: Primeiro que é quase impossível se fazer roupa no Brasil hoje. Você não tem matéria-prima nacional. Nossa indústria é sucateada e desaparece cada dia mais. Praticamente todos os tecidos que se usam hoje são importados. Eu, por exemplo, importava tecido da China e nunca sabia se ia chegar ou não. E fazia tudo corretamente e mesmo assim não sabia se receberíamos. Podia ter uma greve, um esquema. Acho que estamos em um momento muito esquisito no qual você vê uma capacidade criativa imensa, um consumo muito grande, mas não consegue ver uma saída a curto prazo da crise. Eu fico assustado.

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HT: Para Paulo Borges, idealizador da SPFW, “no Brasil, a moda tem de ter, a longo prazo, um Plano de Estado que pense em inovação, conhecimento, produção e mão de obra”. Falta o Governo estabelecer esse plano. Acha que é a saída?

WR: Sempre. Eu acho que nós temos uma tradição de ser um país de commodities. Nós produzimos suco de laranja, mas não exportamos numa caixa incrível. No tempo do descobrimento, mandamos madeira – pau-brasil -, mas nunca nos especializamos em vender móvel para o exterior. Soja, a gente exporta o grão. Nessa vivência de commodities, não temos a percepção de se fazer produto. Naturalmente o governo nunca percebeu isso. Ai do governo da França se fizesse o mesmo e não cuidasse da moda produzida por lá. Perderia milhões de impostos. É mais importante para o governo estender os benefícios para a indústria automobilística, porque ele está vislumbrando a venda de petróleo, enquanto a indústria que mais emprega no Brasil, que é a da moda, fica vilipendiada. Mas a gente também tem o hábito de reclamar do governo e não fazer nada. As empresas deveriam ir além do governo, ter posturas fortes, importantes. É fácil eu dizer que o governo não me ajuda. Mas, somos um setor sem dados. Como provar que somos os maiores empregadores, por exemplo, sem sermos formais? Como eu cobro uma ação do governo se eu não tenho CNPJ? Se eu não tenho dados oficiais para dizer que minhas costureiras existem, sendo assim eu não posso reivindicar nada. Se fosse tudo mais transparente, teríamos números e reivindicaríamos: “Precisamos disto! Então, a culpa dessa ingerência governamental é de toda uma contingência. Nós somos conformistas, a coisa vai como está. As pessoas esquecem que tudo na vida é uma curva. Em um momento você está no auge e mais à frente vai decair. Exemplo: Como uma joalheria vai atender os jovens se ela hoje atende as avós deles? Qual o interesse desses jovens na joia? E essa pergunta é para tantas outras marcas. Quero ver como essas marcas estabelecidamente conhecidas vão se comunicar no futuro. No nosso mercado, estamos sendo picaretas. Estamos vivendo aquilo que as pessoas querem. É comum ouvir que a lojista ao ver um vestido no programa da Fátima Bernardes liga querendo um igual. E o confeccionista o faz. Sem culpa alguma, aliás.

HT: Porque o tal vestido já existe…

WR: Sim, porque é mais fácil de entender copiando. Não há criação, pesquisa e não sabemos para quem a gente faz.

HT: Por isso, em sua última entrevista ao HT, você disse que acredita que o consumidor brasileiro não está interessado em vestir moda brasileira, porque ele nem sabe o que é isso e “ele quer preço e a possibilidade de sensualizar, usando os chavões locais, estampas, cores e lycra”?

WR: Tem a ver com isso e com a falta de experimentação. O consumidor não quer experimentar. O estilista não quer propor e o lojista, então, nem pensa em arriscar. Fecha-se o círculo.

HT: Mas a culpa, então, não é só de quem produz…

WR: As empresas não sabem para quem elas produzem. O lojista vai selecionar apens pelo seu gosto, dizendo: “Isto é bonito, isto é feio”. E pronto. Sem ter nenhuma pesquisa ou conceito de escolha. Assim fica tudo na base do preço ou do que a atriz está usando e a novela está ditando ao mercado.

HT: É isso que você explica quando faz consultoria nas empresas?

WR: Lá tem que ser muito verdadeiro. Quando trabalhamos no Projeto Identidade e mesmo nas empresas do Fórum de Inspirações, propomos três perguntas na primeira visita: ‘quem eu sou?’, ‘de onde eu vim?’ e ‘para onde eu vou?’. Se você não sabe duas dessas, já é um problema gravíssimo, porque, às vezes, nas empresas familiares desse Brasil, os sucessores não têm o menor interesse naquilo. Isso acontece sempre em empresas grandes e pequenas. É bem comum. Eu chamo minhas primeiras visitas de terapia. São bem punks. Eu, como consultor, tenho que ser verdadeiro: é importante compreender o cenário da empresa e descobrir as maneiras de ajudá-la a redescobrir-se. Esses dias, por exemplo, em Minas, percebemos que a concorrência de uma empresa de bijuterias não era uma outra empresa e sim o desejo de consumo de outro setor. Porque pode ser um livro, uma garrafa de vinho. Uma mulher que tem um lifestyle incrível, ela pode até comprar um colar, mas ela pode comprar o livro, porque não é muito mais caro. Muitas vezes o prazer será maior. É muito interessante fazer esse tipo de reflexão com os empresários. Se a grama do vizinho está verde, eles mudam até de religião para fazer igual. O legal é reconhecer qual é seu real cliente ou saber se sua cliente envelheceu e como deverão encantar as pessoas futuramente.

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HT: Mudando de assunto, como anda sua vida no Sul do país depois de anos em São Paulo?

WR: Sempre fui nômade. Sou de onde estou. Mesmo viajando sempre me senti à vontade. Nunca me senti estrangeiro. Acho fantástico mimetizar-se. Odeio aparecer. Para mim, estabelecer conexão com o lugar onde estou é muito importante.

HT: E como foi essa conexão no Sul?

WR: Eu trabalho com a turma do Sul há muitos anos. Se eu não estava lá, eles estavam em São Paulo. Acho que os gaúchos têm uma visão de trabalho que me interessa muito: a força, a dedicação, o planejamento. Eu sempre disse que iria morar no Sul, mas ninguém acreditava. Eu fui para São Paulo com 23 anos e morei lá o tempo todo, fiz minha vida, amigos, tenho uma casa lá. Mas, em um determinado momento, eu fiz uma escolha para ser feliz e estabelecer uma outra relação com desgaste e estresse. O Sul me pareceu o melhor cenário. Por isso, eu escolhi a Serra Gaúcha. Nossa temperatura média é de 22 graus o tempo todo e a geografia deste lugar me fascina. Cada estação lá tem uma cor, um cheiro. Janeiro, por exemplo, no verão tem a colheita da uva e muda o cheiro das estradas. No ar, sente-se o cheiro da uva madura. As quatro estação são mais bem percebidas. Agora, por exemplo, podemos ouvir o canto do quero-quero, porque é primavera e é tempo de acasalamento. Sou um caipira que nunca abandonei minha caipirice.

HT: E o Japão?

WR: Faz parte da minha infância. Minha escola era uma ONU, bem engraçado, tinha portugueses, italianos, espanhóis, letos. Hoje em dia, o Japão me interessa como um lugar de pesquisa sobre o comportamento de consumo, mas acho que a China me fascina muito mais pela revolução que lá está começando. Estive em várias cidades chinesas com vários estágios de desenvolvimento. Aquilo é o futuro.