Na explosão cultural da cidade, Festival Imersões e Salão Bossa Nova refletem o Rio e Eloysa Simão afirma: “É preciso falar de negócio”


Na Zona Sul carioca, eventos conjugados acoplam o business ao lifestyle da cidade, com intervenções de arte, gastronomia, música, arquitetura e design

*Por Alexandre Schnabl e João Ker

Com um calor nada ameno e defronte à Árvore de Natal da Lagoa, que concretiza a verve de Natal tropicalista no Rio de Janeiro, o Complexo Lagoon – espaço dedicado à Sétima Arte e à gastronomia recebeu um público diferenciado na abertura do Festival Imersões, na happy hour desta segunda-feira (8/11). O evento reúne música, arte, design, moda e arquitetura, com um clima que conversa com o lifestyle carioca e atrações que conseguem agradar todas as tribos da cidade. Acoplado à feira de negócios Salão Bossa Nova, a qual começa hoje, o local conta com um palco musical e sete contêineres, nos quais marcas nascidas e criadas na Cidade Maravilhosa e artistas plásticos/urbanos firmam parcerias, criando conceitos que fazem esse viés intercultural ganhar vida e conquistar o público de todas as idades ali presente.

À frente de tudo isso está Eloysa Simão. A jornalista e empreendedora – diretora da Dupla Assessoria – é uma das maiores referências de eventos do setor (não só na capital fluminense como fora do estado), já tendo assinado a realização de grandes produções como a Semana Leslie de Estilo, Semana BarraShopping , Oi Fashion TourTop Fashion Bazar, tendo sido responsável por idealizar o conceito definitivo das semanas de moda no Brasil. A ela também se credita o Fashion Business (agora renomeado Salão Bossa Nova) e, até 2009, foi a cabeça pensante por trás do próprio Fashion Rio. Carioca da gema, ela traz nas veias o espírito da urbe e, como Ruy Castro, Fernanda Abreu e BenJor, é do tipo que veste a camisa da cidade, embora tenha mentalidade cosmopolita. Mas quem disse que o Rio não precisa justamente disso, de pessoas que assumem a carioquice, mas que têm visão do mundo? Por isso, a produtora carrega a cidade-maravilha no peito com a maior das estimas, acreditando em todo o seu potencial, tanto econômico quanto cultural, quando afirma: “Essa edição [do evento] é especialmente para a imprensa. Eu conversei com as grifes e, apesar da dificuldade, chegamos à conclusão de que o Rio não podia passar batido pelas coleções de inverno e precisávamos fazer alguma coisa”.

Eloysa Simão, responsável pelo Festival Imersões e Salão Bossa Nova (Foto: Yago Barbosa)

Eloysa Simão, visionária realizadora responsável pelo Festival Imersões e Salão Bossa Nova (Foto: Yago Barbosa)

Quando diz “passar batido pelo inverno”, Eloysa faz menção ao “desamparo” que a Cidade Maravilhosa sofreu quando a semana de moda carioca teve um cancelamento nesta temporada. Tradicionalmente acostumadas a lançar seu inverno nas passarelas do Fashion Rio ou no badalo comercial do Salão Bossa Nova, as grifes ficaram sem plataforma para apresentação. Algumas acabaram lançando suas coleções em São Paulo ou no Minas Trend, Outras ficaram a ver navios. Com a edição de outono/inverno 2015 da SPFW tendo terminado há um mês, somente neste último final de semana público e imprensa tiveram alguma luz em relação à próxima temporada da semana de moda carioca, conforme pipocou na imprensa e nas mídias sociais neste último dia. O novo Fashion Rio será realizado em março, mas sofrerá mudanças drásticas em relação à sua estrutura e conceito, com Oskar Metsavaht (leia-se Osklen) à frente da nova empreitada.

“São Paulo é o centro econômico do país? É sim. Mas, honestamente, quanto mais tempo perdermos com essa discussão, pior. Acho excelente, ótimo que lá se tenha mais dinheiro. Mas e daí? O tanto que o Rio já contribuiu para a moda nacional é inquestionável. Eu não gosto desse tipo de disputa financeira, senão fica muito parecido com ‘o novo rico’ e aquela coisa tipo “eu tenho que demonstrar ter mais dinheiro que o fulano’, comenta. “Este foi um ano muito atípico para a economia brasileira, principalmente para o setor de moda. A dificuldade para conseguir apoio para esse evento foi imensa! Mas a moda está em um momento que não se pode parar de falar sobre negócios”, enfatiza Eloysa. E, para que tudo aconteça, é indispensável a exposição de todo o furor cultural que permeia a capital fluminense: “Queremos mostrar como a moda carioca é conectada com a própria cultura do Rio de Janeiro. E isso é assim, tudo misturado”.

Realmente. Enquanto São Paulo empunha o estandarte de capital econômica do país, o Rio não se preocupa em ser a maior representante da diversidade cultural do Brasil. E, se a cidade sustenta esse título, é com louvor. Afinal, são séculos de história e produção cultural, mais do que qualquer outra cidade brasileira já conseguiu reunir, vertentes diversas em perfeita harmonia, como convém a um balneário que, apesar da fama, é cosmopolita como poucos no polos urbanos no Brasil. Sob os braços abertos do Cristo Redentor há espaço para todos: do mais refinado amante de música clássica que pode ir ao Theatro Municipal nos fins de semana àquele que não dispensa uma cerveja geladinha em um barzinho pé-sujo, ao som de um pandeiro na Lapa, naquele viés de malandro. O rebolado do funk, a revolta do rock, o suingue da bossa nova e o samba no pé: o Rio tem tudo isso e muito mais. Também é capital da produção cinematográfica e, com a Globo e a Record, detém o genuíno star system brazuca, sem a Hollywood dos trópicos. Sem falar nas praias, florestas, lagoas, cachoeiras e aquele jeito easy going de quem toca a vida mesmo incensando as maravilhas culturais tanto quanto se sente confortável em meio ao caos urbano e cosmopolita.

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Nesta noite de abertura, a multiplicidade cultural deu as caras pelo evento comme il faut. No Palco Cantão, por exemplo, Bianca Chami canta músicas como “The One That I Want” e “I Will Survive” em rearranjos clássicos, acompanhada por um violoncelo e com voz que é pura bossa. Momentos depois, o clima já havia mudado completamente, e Léo Justi e o pessoal do Heavy Baile promovem uma frenética batalha de passinhos no Palco Imersões. Mais cedo, o artista circense e bailarino Ricardo Paz (28), já tinha feito piruetas de cair o queixo e rodopiava por um mastro erguido sobre o contêiner da Armadillo, enquanto uma plateia assistia a tudo boquiaberta. O português, por sinal, é um dos representantes daquele clássico caso em que o turista chega ao Rio e se apaixona tanto que não consegue ir embora. Quem disse que consegue ir embora? “O anjo exterminador”, do Buñuel, perde. A cidade, claro, dá aquele empurrãozinho do destino e sempre acaba acolhendo seus novatos moradores de braços abertos, por isso quem é de fora vira carioca também.

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“Eu cheguei há um mês de Bruxelas, onde estou com a “Companhia As Palavras”, e tive vontade de ficar. Vim ver um espetáculo do Festival Panorama, mas para quem trabalha com o que eu faço, férias nunca são férias de verdade”, brinca o artista circense. Ricardo Paz se refere sobre ter ocasionalmente conhecido outros dois xarás em uma festa: Ricardo Gonzalez, consultor de moda e varejo, e Ricardo Nasser, dono da Armadillo. “Eu contei sobre um espetáculo que estou fazendo, onde trabalho muito com areia. O Nasser então explicou que o tema para a coleção de inverno da marca era “Desert of Dreams” e me convidou para fazer parte disso aqui. Como dizer não? Eu adoro conhecer gente interessante que se interessa pelo meu universo e vice-versa”, comenta, com o sotaque lusitano e os olhos castanhos brilhando.

Ricardo Paz em frente ao "Desert Of Dreams" da Armadillo (Foto: Yago Barbosa)

Ricardo Paz em frente ao “Desert Of Dreams” da Armadillo (Foto: Yago Barbosa)

Nasser, à frente da marca por 19 anos, observa que o conceito foi retomar as raízes da Armadillo. “A inspiração da coleção foi voltar ao tempo, quando começamos a pensar na grife lá pelo deserto do Arizona”. Carioca de carteirinha, ex-residente do Arpoador e amante do mar a ponto de “não conseguir viver sem ele”, Ricardo diz que a moda feita na capital fluminense tem suas peculiaridades intrínsecas ao estilo de vida do carioca: “O Rio, independente ou não do verão, tem vida própria. Eu, por exemplo, faço só uma coleção, com nada pesado, dentro dessa verve da cidade tropical e ao mesmo tempo urbana na qual vivemos. O jeito de se vestir do carioca é instintivo e natural para ele, mas de uma simplicidade que o resto do mundo não consegue entender. Não é possível separar o lifestyle carioca da moda”. Giuliana Nasser, sua filha, tem 19 anos e está cursando design na PUC-Rio. Parece pronta, portanto, para seguir os passos do pai, finalizando: “Tudo é uma continuação do outro”.

Ricardo Nasser, o homem à frente da Armadillo, e a filha Giulia, herdeira do trono (Foto: Yago Barbosa)

Ricardo Nasser, o homem à frente da Armadillo, e a filha Giulia, herdeira do trono (Foto: Yago Barbosa)

O grego Matthew Zorpas, responsável pelo blog The Gentleman, já está em sua sexta visita pelo Brasil e ainda pretende vir de mala e cuia para o Rio. Sobre a moda carioca, ele diz que há peculiaridades especiais, mas ainda há muito espaço para melhorar: “Há essa grande e linda fonte de inspiração que a cidade proporciona, como o sol, a natureza, o horizonte etc. Mas pouquíssimas marcas conseguem usar esse ambiente de maneira apropriada e casá-la com o design e a imagem por trás da mensagem de branding“, opina, elogiando ainda o trabalho de grifes como a Farm e a Osklen.

O estilista Heckel Verri, responsável por apresentar o profissional gringo ao paraíso tropical, também comenta sobre essa forte influência da cidade na moda produzida por aqui: “O Rio é referência para a moda brasileira, quase que um cartão-postal do país para o resto do mundo. Nosso conceito de moda-praia é super desenvolvido e alinhado à cidade, basta ver o tanto de estampas inspiradas no Calçadão de Copacabana, por exemplo, e o jeito  despojado, chique e casual com que os cariocas circulam pelo espaço urbano. Comercialmente, deveria ser da mesma maneira”, aponta.

Matthew Zorpas e o estilista Heckel Verri (Foto: Yago Barbosa)

O blogueiro grego Matthew Zorpas e o estilista Heckel Verri  fazem coro na hora de ressaltar o que o Rio tem de bom e aquilo que precisa ser melhorado (Foto: Yago Barbosa)

Apesar de Matthew ter feito uma crítica mais do que pertinente a respeito da importância do branding para uma marca de moda, é possível perceber que mesmo novos designers locais enxergam a relevância do serviço na comunicação com o cliente. Um grande exemplo disso é o contêiner da Sagrada Família, grife criada por José Paulo Figueiredo e Breno Oliveira. O cenário rústico, idealizado por Sérgio Marimba, evoca cinco sociedades secretas que influenciaram cinco segmentos diferentes da coleção.

José Paulo aproveita para ressaltar a importância do Festival Imersões: “O Rio está carente desse tipo de evento”, diz. Felipe Veloso, responsável pelo styling do espaço, ressalta a marca que a cidade deixa na moda nacional: “É o grande espelho do Brasil, a imagem que o país passa para o mundo. Claro, há outros fatores que ajudam nisso, como as novelas da Globo serem produzidas aqui, a enorme quantidade de celebridades de apelo de mídia morando no Rio e até a própria emissora. Mas a própria história está cheia de gente que marcou a indústria, como George Henri e a Yes Brasil, além de muitos outros nomes”, diz.

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Já na abertura do evento, é possível constatar que o presente está repleto de pessoas com futuro promissor na indústria criativa do Rio, com espaço para todas as propostas e segmentos transitarem livres. Basta ter aquele diferencial indispensável: ser original. Afinal, não há nada que o carioca preze mais do que se destacar nesse âmbito. O contêiner da Mater, por exemplo, traz pegada que alinha design à tecnologia das jóias criadas por Vanessa Robert e Alice Bodanzky. “Nós pegamos o ultrassom de mulheres grávidas e, a partir dos contornos, criamos as peças da coleção. O batimento cardíaco do bebê modela o pingente, dando vida à joia. Cada item é único”, explica Alice.

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As joias realmente proporcionam uma das visões mais criativas do evento. Mas elas não são as únicas. Basta ver o labirinto criado pelas sócias Marcella Virzi e Bianca de Luca, que desenvolvem acessórios de luxo no seu ateliê Virzi + De Luca. Acostumadas a usar a história da arte e elementos culturais como pano de fundo para criar as coleções, as designers continuam no capricho. Dessa vez, o visitante é apresentado, logo na entrada, ao conceito que conta o “Romanov Affair” dos anos 1930, quando o colar de uma duquesa da aristocracia russa desapareceu em meio a um baile. Dentro do contêiner, é preciso vestir a boina de Sherlock Holmes para sair catando as pistas espalhadas pelo espaço, tipo espaço temático interativo, passando por cinematógrafos e salas escuras, até chegar ao tal colar (que HT não vai contar onde está, óbvio!).

Em suma, uma total imersão no universo da coleção de inverno. “Nós adoramos trazer à tona um enredo para envolver nossa criação, porque somos filhas de Joãosinho 30 e amamos essa coisa da alegoria de Carnaval”, revela Marcella. “É uma mistura de instalação artística com espírito sensorial, algo bem sinestésico. Todos os nossos eventos têm esse lado meio teatral”, continua. Saindo do ambiente, ainda conseguimos ouvir Eloysa Simão comentar: “Elas pegaram bem o espírito da coisa!”, explica a idealizadora do evento, totalmente apaixonada pela experiência.

Marcela Verzi e Betina de Luca dentro do labirinto Romanov (Foto: Yago Barbosa)

Marcela Verzi e Betina de Luca, da Virzi + De Luca, exalam sua carioquice latente dentro do labirinto Romanov (Foto: Yago Barbosa)

O Complexo Lagoon ainda conta com todo o imaginário lúdico da Maria Filó, que convidou coletivos como a She Rocks e Live The Dream para ajudar a compor a atmosfera etérea da coleção. Carlos Tufvesson e André Piva também têm seu próprio cantinho, unindo elegância à militância. E até Vera Fischer estava presente em espírito, com o “Closet da Vera” e suas cores vibrantes expostas pelo pátio. A diversidade criativa mostra que não há dúvidas sobre  o Rio ser ou não a capital cultural do Brasil: é um papel que os cariocas desempenham com prazer e louvor e, apesar daquele jeito de quem não quer nada, não abdicam desse papel.

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