Fabrício Boliveira vive ator que sofre preconceito na televisão em “Nada Será Como Antes” e adverte: “Precisamos ter cada vez mais negros na dramaturgia”


Cheio de planos para o cinema, o ator ainda comentou com exclusividade ao site HT sobre a questão política no Brasil: “Primeiramente, fora Temer. A população precisa abrir o olho, porque, do contrário, serão mais 20 anos de ditadura”

A história que gira em torno de Péricles, personagem de Fabrício Boliveira, em “Nada Será Como Antes”, se passa em solo brasileiro, entre as décadas de 1950 e 1960, mas claramente poderia ser reproduzida na biografia de qualquer artista negro do país, mesmo nos dias de hoje. Isso porque, na trama escrita por Guel Arraes, Jorge Furtado e João Falcão, o baiano dá vida a um ator de sucesso das radionovelas, mas percebe que com a chegada da TV, as oportunidades de um protagonismo nos folhetins começam a desaparecer. Em entrevista exclusiva ao site HT, Fabrício comentou que esta questão se mantém tão atual quanto há 50 anos. “É uma questão que a gente lida até hoje. São poucos atores negros com destaque e, quando se tem, fazem um alarde enorme. Devemos entender que se existe esse falatório todo, é porque temos um problema. Precisamos ter cada vez mais negros na teledramaturgia e no cinema”, destacou.

Ator comentou sobre a situação do negro na dramaturgia brasileira (Foto: Divulgação)

Ator comentou sobre a situação do negro na dramaturgia brasileira (Foto: Divulgação)

Com a escassez de trabalhos na televisão, Péricles fica diante de uma encruzilhada: ou aceita viver escravos na telinha ou vai se manter como locutor de rádio. “Imagina um ator não poder exercer seu ofício porque não aceitam negros como protagonistas? Está quase acontecendo isso com esse governo que entrou agora”, frisou Boliveira, que, assim como o personagem, não aceitaria papéis de escravos em que ele não tivesse um enfoque histórico e social. “Se me oferecessem personagem escravo para fazer figuração, só participação, não aceitaria. Essa história tem que parar de ser contada como se a gente fosse um animal que aceitava uma situação. No Brasil tiveram várias revoltas, vários acordos feitos, o negro sempre se colocava. Só que dentro da história são sempre vistos como passivos, pacíficos. Então é uma história mentirosa. As pessoas estão viciadas em verem os negros servindo. Isso é uma coisa social e que se reflete no cinema e na nossa arte. O recorte é sempre do caçador e não do leão, O drama vivido pelo Péricles é quase o mesmo vivido pelo Fabrício que, de algum jeito, conseguiu se inserir mais no mercado de trabalho”, refletiu.

Fabrício em "Nada Será Como Antes" (Foto: Divulgação)

Fabrício em “Nada Será Como Antes” (Foto: Divulgação)

Apesar de ser um grande representante da classe e um ativista pela igualdade de direitos dos negros, Fabrício, diferentemente de seu personagem, tem tido grandes oportunidades tanto na TV, como no cinema. Ele, que já atuou em diversas novelas e série da Rede Globo, segue cheio de planos e com dois filmes de co-produções latino-americanas para serem rodados ainda este ano. “Este mês vou para o Uruguai gravar ‘Ojos Grises’. É um filme meio apocalíptico, onde faço uma participação. É uma produção bem moderna e ousada. Uma ficção uruguaia bem louca. Já o outro roteiro será um filme argentino (ainda sem título), que faço em parceria com Alice Braga. É uma história linda que fala sobre mudanças. O roteiro me encantou na primeira leitura. É a história de um filho baiano que foi abandonado pela pai, e vai atrás dele em Buenos Aires. É um personagem escrito para mim. É uma linda história de amor”, disse ele. O longa leva assinatura de direção de Jean Pierre Noher.

Mas muito se engana que o filme passa, de certa forma, se tratar de uma biografia do ator. “Os filmes não se necessariamente se refletem com momentos específicos de nossas vidas. Muitas vezes, a gente tenta achar uma ligação dos personagens com os atores que não existe. De toda forma, o trabalho acaba trazendo algum tipo de aprendizado. Acho que as questões estão mais envolvidas com o filme mesmo. A vida pessoal, a gente deixa na terapia e eu sou bem analisado”, disse, aos risos.

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De fato, o Brasil tem se tornado um grande produtor de filmes de qualidade, tanto que chegou a quebrar o velho preconceito com as produções dentro de seu próprio país. Hoje, as películas nacionais atingem recordes de bilheterias a cada ano que passa. Para Fabrício, as novas plataformas digitais têm ajudado bastante quando o assunto é distribuição. “Os filmes produzidos ganham um novo sopro de vida. E nada mais gostoso do que ver um trabalho voando pelo mundo. O que a gente quer fazer na verdade como profissional é dialogar. A gente quer comunicar e que as pessoas vejam nossas histórias. Não tem nada pior que um filme engavetado. As novas plataformas estão proporcionado isso, e fazendo com que a qualidade esteja cada vez mais elevada”, acredita.

Mas, quando o assunto é política, o ator baiano não mede palavras para mostras sua indignação com os caminhos que a democracia brasileira tem tomado. “Primeiramente, fora Temer. Eu acho que as pessoas precisam se colocar mesmo. A gente está passando por um problema político sério. O país foi dominado sem a escolha da população. Tivemos um golpe, e isso só descredibiliza a gente como pátria. É uma vergonha pensar nisso. Nós recebemos outro golpe e a nossa classe média social não entendeu. A população precisa abrir o olho, porque, do contrário, serão mais 20 anos de ditadura”, completou.