Em ótima fase na carreira, Rainer Cadete comemora sucesso em “Êta Mundo Bom”: “Precisamos resgatar o amor, sobretudo nesses tempos nebulosos”


Ator de 28 anos, que nasceu em brasília, acredita que o debate, em qualquer situação, é o mais importante – principalmente quando o assunto é política: “O que eu acho importante é a grande mobilização popular que tem tomado conta do país, e que há um bom tempo não se via com essa intensidade. A política estar em discussão é muito importante”

Não há dúvidas de que Rainer Cadete vive um excelente momento em sua carreira profissional. O ator brasiliense, que comemora o sucesso de seu personagem Celso, em “Êta Mundo Bom!”, tem se mostrado um verdadeiro camaleão diante dos desafios que o ofício da interpretação vem oferecendo nos seus 13 anos de estrada. Em entrevista exclusiva ao HT, o galã revelou que desde pequeno sabia que precisava de algo maior para se expressar e foi durante uma colônia de férias, ainda em Brasília, que o rapaz, atualmente com 28 anos, descobriu sua verdadeira vocação para os palcos. No ano em que debutava, Rainer estreou a peça “Revolução na América do Sul”, no Espaço Cultural Renato Russo, e confessou que sentiu ali o início de sua trajetória que o levaria a papéis de destaque como o Dr. Rafael, de “Amor à Vida”, o afetado Visky, de “Verdades secretas” e, atualmente, um anti-herói no folhetim das seis horas da Rede Globo.

Rainer Cadete (Foto: Divulgação)

Rainer Cadete (Foto: Divulgação)

“Fiz ainda teatro no colégio, cantei na igreja… Essa necessidade de me expressar sempre existiu. Mas foi aos 15 anos que de fato me iniciei. Ali foi quando eu pisei no palco, mesmo, e o ‘bichinho do teatro’ me mordeu. Ali eu percebi que o palco era o lugar onde eu me sentia mais vivo. Um lugar realmente mágico pra mim, o espaço onde me senti mais pleno. Dali em diante, sempre que me perguntavam o que eu era, a vontade era sempre responder ‘ator’, porque minha vocação já apontava esse caminho como sendo o meu”, nos contou.

Bianca Bin e o ator em "Êta Mundo Bom" (Foto: Divulgação)

Bianca Bin e o ator em “Êta Mundo Bom” (Foto: Divulgação)

Em “Êta Mundo Bom!”, o ator dá vida ao malandro Celso, que busca se dar bem a todo instante, mas, por ironia do destino, acaba se apaixonando pela simples e justa Maria, personagem de Bianca Bin. “A mensagem que o Celso passa é o que eu acredito que tenha que entrar no coração das pessoas. Em tempos tão sombrios e nebulosos, temos que ter mais amor! E menos ódio e intolerância. Porque acredito que só o amor transforma e que só ele seja o caminho. Vibrar nessa energia faz as coisas fluírem de uma forma tão mais interessante… Ter amor pelo seu trabalho faz com ele fique tão mais vibrante! Na hora de fazer uma comida, colocando amor faz com que ela fique mais gostosa e bem temperada. É por isso que eu acho que na hora da convivência, do tato, temos que ter mais sentimento pelo próximo”, contou ele.

Recentemente, Rainer ganhou uma projeção gigante na mídia ao interpretar o irreverente e carismático Visky, de “Verdade Secretas”. Apesar de o personagem carregar um humor ácido, típico do esteriótipo de grandes bookers do mundo da moda, o fiel escudeiro de Fanny (Marieta Severo) ganhou o público e trouxe uma nova perspectiva para o ator – até para sua vida pessoal. “O Visky era um personagem que me deixava mais engraçado, carismático e extrovertido. E essas foram características que eu tive de desenvolver, porque eu particularmente me considero mais introspectivo. Já o Celso é o extremo oposto do Visky, é um cara mais pra dentro, cheio de questões, totalmente fragmentado, tem neuroses, uma personalidade flácida e uma série de carcaças. Mas quando percebo que encontrei o tom que pretendo para o personagem, recomeço esse processo de estar muito envolvido com ele. E depois o ciclo se repete (risos)”, garantiu ele, ainda revelando o que faz para entrar em contato com consigo mesmo após um trabalho árduo como os últimos que tem feito. “Nada que um bom retiro pro meio do mato não resolva”, disse.

Rainer cadete como o extrovertido Visky de "Verdades Secretas" (Foto: Divulgação)

Rainer cadete como o extrovertido Visky de “Verdades Secretas” (Foto: Divulgação)

Pois bem, graças ao sucesso do personagem da novelas das 23h, de Walcyr Carrasco, Cadete foi eleito um dos “30 jovens mais promissores do Brasil abaixo dos 30 anos” pela revista “Forbes”. Pouco vaidoso, ele garantiu que se sente lisonjeado com o reconhecimento do trabalho, mas que ainda há muito a ser feito. “Quando se começa a seguir um sonho, a gente acredita muito nele, mas não tem ideia da dimensão que isso pode tomar. Eu sonhava sozinho e percebi que, com o tempo, outras pessoas começaram a acreditar no sonho junto comigo. Isso é um reconhecimento ao meu trabalho, que é feito com muito afinco. Eu estudo e me dedico bastante, tomo como uma lição contar a história de cada personagem, me envolvendo de forma intensa com o meu trabalho. E, para mim, não existe o ‘chegar lá’, porque esse ‘lá’ não existe, de fato”, completou ele, que ainda falou sobre questões polêmicas como o beijo gay e sobre o debate de temas contemporâneos na televisão.

Rainer Cadete (Foto: Pino Gomes)

Rainer Cadete (Foto: Pino Gomes)

“Acho muito interessante quando a TV aborda assuntos tidos como polêmicos e pouco explorados abertamente na sociedade. Mas o beijo gay já saiu do papel, sim, e foi numa novela que eu fiz, ‘Amor à Vida’, com o beijo dos personagens do Mateus Solano e do Thiago Fragoso. E foi um momento que eu lembro muito bem, porque foi algo importante, soou como apoteótico. O assunto veio à tona em várias famílias e, depois disso, muitas pessoas puderam conviver de uma forma mais digna com seus parentes, porque tiveram a oportunidade de conversar sobre isso. Na mesma novela teve outro beijo polêmico, que foi o do meu personagem, o Dr. Rafael, com a personagem da Bruna Linzmeyer, que era uma autista. Eles se apaixonaram, se beijaram e ele foi parar na cadeia acusado de abuso de incapaz. Para fazer esse personagem fomos buscar histórias na vida real, e encontramos neurotípicos (pessoas tidas como normais) casados com autistas, e que tiveram filhos – alguns autistas, inclusive, e outros não. Essas famílias existem, sim. Falei disso pra enfatizar que acho muito legal trabalhar esses discursos pouco explorados pela sociedade, dando voz a essas minorias de alguma forma e criando pontes. O ‘diferente’ tem que se reconhecer na sociedade, tem que ter espaço pra todo mundo”, avaliou o ator, que vê a dramaturgia como um grande veículo de cultura e palco para grandes debates sociais.

Questionado sobre questões políticas e o possível impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, Rainer se mantem otimista: “O impeachment ainda não chegou ao fim. Tem todo um processo. O que eu acho importante é a grande mobilização popular que tem tomado conta do país, e que há um bom tempo não se via com essa intensidade. A política estar em discussão é muito importante. Até a resolução final eu acredito que toda essa mobilização vai criar ainda mais força. Somos um país cheio de oportunidades, possibilidades, e acredito que a voz do povo vai prevalecer e que a democracia será respeitada. Torço para que a gente consiga ser um país mais tolerante e gostoso de morar novamente, porque é isso que o Brasil merece ser”, finalizou.

Acompanhe a entrevista na íntegra com o ator Rainer Cadete:

HT: Você está no seu quinto trabalho na Rede Globo e em um terceiro grande sucesso. No entanto, de “Verdades Secretas” para “Êta Mundo Bom!” você não teve muito tempo para se preparar. Como funcionou essa transição, já que se tratam de personagens tão diferentes?

RC: Às vezes eu tenho um bom tempo de preparação, o que é ótimo, porque eu já entro em cena com mais consciência da dimensão do personagem. E tem outros que eu preciso me resolver num curto espaço de tempo, o que foi o caso do Celso. Eu havia terminado um projeto super intenso, que foi “Verdades Secretas”, e em um mês eu já estava gravando “Êta Mundo Bom”! Acho que nisso o mais complicado foi tirar do imaginário popular – e do meu, também – o Visky, que foi um personagem muito emblemático e que ficou reverberando… Quando eu desfiz o processo e tirei megahair, deixei as sobrancelhas e os pêlos crescerem novamente, eu já fui me despedindo dele. Então eu fui pra NY, fiz um processo com o método da Stella Adler, que foi super importante pra mim. Nesse trabalho eu desconstruí o Visky e dei corpo ao Celso, pensando na época, no corpo dele, nas questões sociais e comportamentais em que ele estava inserido, e isso foi bem bacana. É óbvio que cada personagem atravessa um pouco a gente, deixa um pouco dele na gente e leva um pouco de nós… Então é um processo de mergulhar no seu mais profundo pra poder contar a vida dessas pessoas.

Ator conta que começou a carreira aos 15 anos em Brasília (Foto: Pino Gomes)

Ator conta que começou a carreira aos 15 anos em Brasília (Foto: Pino Gomes)

HT: É a sua primeira novela de época, certo? Sentiu alguma dificuldade ou desafio na hora de entrar na história? Houve alguma preparação especial?

RC: Novela, sim, mas eu já fiz um filme de época antes, o “Cine Holliúdy”, mas que se passava na década de 1970. Sempre que vou começar um trabalho a sensação que tenho é que começo do zero. É preciso reorganizar a criação em todos os aspectos – psicológico, físico, emocional, etc. E paralelamente eu também redireciono o olhar no meu cotidiano, onde me inspiro bastante. Se o personagem pratica dança de salão, eu vou fazer aulas de dança do salão. Se o personagem é mais esportista, eu vou conviver com pessoas mais esportivas. Se for um mais taciturno, eu já preparo um corpo diferente. Cada personagem tem a sua construção, cada um demanda preparações específicas, porque cada projeto é um projeto. Pra esse personagem eu me propus a fazer aulas de dança de salão, porque o Celso era um boêmio, ele gostava de sair, era um pé de valsa no Dancing, lugar onde os jovens se encontravam naquela época. Então me preparei nesse sentido. Mas a preocupação maior é com o texto, porque naquela época o português era falado de uma forma menos abreviada e mais formal, digamos assim. Era outra maneira de falar. Pra construirmos essa história de uma forma homogênea, o Walcyr Carrasco, o autor, e o Jorge Fernando, diretor, pediram para prestarmos muita atenção no texto. Porque os caipiras tinham que falar de um jeito determinado, e os da cidade, que tiveram acesso à escola, já falam de outra forma. Então existe essa preocupação de não trazer um vocabulário contemporâneo para o texto. Aí pra realizar isso é preciso tomar um pouco de cuidado, porque o impulso é falar como falamos agora, mas… não! É outra forma de se falar, outro tempo da fala, outra forma de construir a frase, mesmo. Não havia internet, nós enviávamos cartas! Era um outro tempo pra tudo.

HT: Percebo que você muda muito para cada personagem que faz. Você se considera muito vaidoso? É tranquilo para você ter que ficar se adaptando a uma nova personalidade e aparência por conta do trabalho?

RC: Na verdade, esse é meu grande prazer, mudar de um personagem pro outro, fazer coisas diferentes, me desafiar a a ser pessoas que eu não sou, nunca fui ou seria. Existe vaidade, mas em outros lugares.  A minha passa por contar bem uma história, então eu não poupo esforços com um personagem pra ver isso acontecer, seja para emocionar, para arrancar sorrisos, fazer as pessoas sentirem raiva, torcerem por um beijo. A minha vaidade mora em provocar sensações. Inclusive essa da sua pergunta, que já traz um pouco da minha resposta com a sua percepção. Acho bacana emprestar o corpo como um “cavalo”, mesmo, e encarar aquele personagem que é diferente de tudo que eu já fiz ou vivi. E, para isso, eu faço concessões, sim. Esse é um dos grandes encantos da profissão e é algo que me dá muito prazer. Não me incomodo em fazer alterações na minha aparência, muito pelo contrário. Isso é, sem dúvida, uma grande ferramenta pra mim, e espero ainda ter personagens que me proporcionem mudanças.

HT: O ator sempre foi um instrumento político de conscientização no Brasil, mas parece que com o tempo ele foi se transformando em mero status e uma falsa ilusão de glamour. Como fugir desse caminho vazio e não se deixar fazer concessões nesse sentido?

RC: Eu acho que existe, sim, uma ilusão por parte de muitas pessoas no que tange a essa profissão. Temos muitas lendas povoando o inconsciente coletivo, mas a realidade não é exatamente essa. A minha busca como profissional da arte é colaborar efetivamente como provocador, mais do que simplesmente ser famoso. É bacana poder interferir e criar um novo olhar sobre velhos assuntos, ajudar a reformular padrões de comportamento, colocar as pessoas para refletir e pensar fora do lugar comum. Sair da obviedade, ampliar a visão, perceber que os pontos de vista são apenas um ponto sobre o todo, não são verdades absolutas. E pra mim, o ofício do ator aqui no Brasil não fica nada a dever a ator internacional nenhum. Estamos no mesmo nível de muitos profissionais do exterior, inclusive no sentido de fazer pensar as questões da sociedade. O que eu quero é abrir os debates, fazer com que as pessoas se questionem e, a partir disso, busquem se conhecer para poder se posicionar conscientemente.

Rainer Cadete e a atriz Bruna Linzmeyer em "Amor à Vida" (Foto: Divulgação)

Rainer Cadete e a atriz Bruna Linzmeyer em “Amor à Vida” (Foto: Divulgação)

HT: Por falar nesse papel político do ator, como encara a Lei Rouanet? Tem funcionado para toda a classe artística como prometia, para que financie esse papel provocador do artista?

RC: O Brasil é um país culturalmente rico, e esse é um dos bons motivos pelo qual o Brasil é conhecido no mundo inteiro. É algo que dá identidade ao nosso país e que merece ser cuidado de uma forma especial. Então, a cultura merece seu próprio Ministério. O Ministério da Educação é muito importante e já é sobrecarregado. Obviamente a cultura e a educação se encontram inúmeras vezes, mas transformá-las num só ministério é um absurdo! Hoje já vemos muitos espaços culturais fechados, e isso é muito triste. O próprio Teatro Nacional, em Brasília, está fechado há mais de um ano e sem previsão de retorno. O Espaço Cultural Renato Russo, no 512 Sul, onde me iniciei no teatro, é outro exemplo que virou uma ruína cultural. O que temos hoje em termos de cultura já é insuficiente, e ainda querem reduzir ainda mais? Vemos por aí bons projetos culturais, sejam filmes, peças ou shows, apoiados pela Lei Rouanet e outras leis de incentivos à cultura. Então acho que todo incentivo à cultura é importante e deve existir.

HT: Pra gente finalizar, quais seus próximos projetos?

RC: Eu quero muito fazer mais cinema e estou com saudades de fazer teatro, também. Então estou analisando projetos que recebi e revendo meus projetos autorais.  Pretendo também passar três meses estudando em Londres, enfim… Até o fim da novela muita coisa pode acontecer!