“CEDS – A sua voz na luta contra o preconceito”: artistas se unem para combater a intolerância em noite emocionante no Circo Voador


Roberta Sá, Toni Garrido, Simone Mazzer, Martnália, Zélia Duncan, Preta Gil, Pretinho da Serrinha, Teresa Cristina e Emanuelle Araújo estiveram juntos sob a lona mais famosa da cidade, em evento que teve Fernanda Lima como mestre de cerimônias, discurso emocionado de Carlos Tufvesson e homenagem a Cazuza

Nem o frio, a chuva e o fato de um evento ser realizado no meio da semana poderiam ter impedido que o Circo Voador lotasse na noite desta quarta-feira (1º de julho). O motivo? A Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual – CEDS Rio armou um megashow com nove artistas para lançar sua campanha “CEDS – A sua voz na luta contra o preconceito”, que começa a circular hoje por jornais, revistas, ônibus e canais de TV, com várias celebridades, todas fartas – assim como boa parte da sociedade – dos crimes de ódio que vêm acontecendo pelo país.

“Essa é a nossa principal campanha do ano. Queremos que a sociedade se una mesmo contra o preconceito, que levante a voz quando constatar algum caso. Vamos ter cartazes circulando por 9.000 ônibus, em unidades de saúde, jornais e por toda a cidade”, conta Carlos Tufvesson, que há quatro anos está à frente da CEDS como coordenador. “O objetivo é que as pessoas parem de pensar ‘ah, mas esses militantes inventam os casos e os crimes’ e vejam que isso é uma realidade, infelizmente, e que ela deve ser combatida”, completa.

Carlos Tufvesson durante evento da CEDS no Circo Voador: "O país deve perdão a essas pessoas" (Foto: AgNews)

Carlos Tufvesson durante evento da CEDS no Circo Voador: “O país deve perdão a essas pessoas” (Foto: AgNews)

Tal campanha conta com as participações de Glória Pires, Paolla Oliveira, Alexandre Borges, Bruno Gagliasso, Thiago Martins, Mateus Solano, Stênio Garcia, Marcos Pasquim, Betty Lago e Antônio Pitanga. À sua maneira, cada um desses astros conhecidos do público levanta a voz contra todos os tipos de preconceito, seja ele de orientação sexual, raça, classe social, religião etc.

Campanha da CEDS contra a homofobia

O momento para tal campanha não poderia ser mais propício. Ainda no mês passado, duas pessoas no Rio de Janeiro sofreram por intolerância religiosa: uma menina de 11 anos, que foi atingida por pedras na cabeça ao sair de um ritual de candomblé; e, três dias depois, um médium do Centro Espírita Frei Luz foi torturado e brutalmente assassinado, na Taquara. Isso sem falar na campanha “Jovem Negro Vivo”, que atenta para o fato de que 77% dos jovens mortos no país são de origem afrodescendente, além dos inúmeros casos de homofobia que ocorrem sem registro ou queixa oficial na polícia. Logo, unir a classe artística em prol de causas sociais como essas parece não só apropriado, mas essencial.
“Poder usar a nossa voz para o bem é fundamental”, comenta Fernanda Lima, a mestre de cerimônias da noite. “Temos que combater qualquer tipo de intolerância. Essa campanha tem total importância na luta contra o preconceito, que já parece enraizado em partes da nossa sociedade. O triste é que quando pensamos que as coisas estão mudando e as mentes das pessoas estão se abrindo, vemos que não é bem assim… “, diz a modelo e apresentadora.

Fernanda, que sempre levantou a bandeira a favor da igualdade, ainda completa: “Hoje em dia está até difícil você se pronunciar sobre algum assunto sem sofrer uma contra-resposta inteligente, que, às vezes, o deixa até sem argumento. Por isso que não gosto de me envolver em política, porque também nunca sabemos o dia de amanhã”. Mas, na opinião de Fernanda Lima, algo injustificável é usar a religião como base de defesa para crimes de ódio. “Isso é pura falta de informação. A religião está sendo deturpada! Até porque, se você for ler a Bíblia, não é exatamente isso que está escrito…”, ressalta.

Fernanda Lima durante evento da CEDS no Circo Voador: "Devemos combater qualquer tipo de intolerância" (Foto: AgNews)

Fernanda Lima durante evento da CEDS no Circo Voador: “Devemos combater qualquer tipo de intolerância” (Foto: AgNews)

Uma das principais atrações do evento foi Preta Gil, defensora das causas sociais e uma das maiores musas LGBT do país. Durante o evento, a cantora ressaltou a amplitude universal da campanha e a importância de usar a voz para combater a intolerância: “Nós que estamos nos apresentando aqui não representamos apenas a classe artística, mas a sociedade. Qualquer ser humano que se solidariza com a questão está ajudando a levantar a voz contra esse preconceito que já parece enraizado em parte da sociedade, desde as nossas origens coloniais”, comentou.

Preta ainda falou sobre a importância da informação nos casos de homofobia: “É preciso respeitar quem pensa diferente da gente, mas também precisamos informar essas pessoas que não toleram a diferença. E, se a mente desse indivíduo não consegue se abrir, precisamos mostrar que o amor sempre vence no final. E o amor próprio também entra nisso. Eu me amo e me aceito do jeito que eu sou: negra, gorda, gay, bi ou o que seja”. A cantora ainda finalizou, dizendo: “Acredito que um dia teremos uma sociedade justa. Mas, agora, o momento é de luta e é exatamente isso que estamos fazendo aqui”.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Toni Garrido, um dos primeiros a se apresentar no Circo Voador, que transbordou de pessoas e energia positiva durante toda a noite, fez eco às palavras de Preta: “Algumas coisas são conquistadas com o tempo. Nessa luta, nós já conseguimos algumas melhoras, mas ainda precisamos alcançar outros objetivos. Muitas pessoas LGBT estão sendo mortas – da mesma maneira que os jovens negros têm sido assassinados nesse país”.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Quem também lembra a importante luta dos negros é Teresa Cristina, que além de se apresentar no palco do evento, ainda ressalta o preconceito exacerbado que transgêneros sofrem constantemente. “É um momento muito emblemático no nosso país, porque parece haver uma virada de mesa. O racista e o homofóbico não têm mais medo nem vergonha de mostrar seu preconceito verbal ou até fisicamente. E as pessoas estão se sentindo acuadas para fazer a denúncia, principalmente as travestis, que são vítimas de ódio diariamente”. A solução? “Não podemos nos calar. Quanto mais reprimirem, mais temos que nos reafirmar. Você tem todo o direito de ter sua orientação sexual respeitada”.

Respeito é a palavra-chave do combate à intolerância, seja ela em qual meio for, como ressalta Roberta Sá: “É muito simples: você precisa respeitar a diferença do outro, seja uma mulher, bissexual, gay, negro, artista ou o que for. Ninguém tem nada a ver com aquilo que o outro é. Algo que eu acho muito bacana dessa campanha é a frase ‘você não precisa ser gay para lutar contra a homofobia’. Acredito que as mentes que pensam de maneira igual precisam se juntar para apoiar causas como essa e é isso que estamos fazendo aqui hoje”, disse.

Este slideshow necessita de JavaScript.

O efeito positivo dessa reunião da classe artística, tanto no evento quanto na campanha que será televisionada, também é visto como importante por Simone Mazzer. A diva que está lançando seu primeiro disco em turnê nacional, além de se apresentar regularmente no “Cabaré On Ice”, disse: “É o mínimo que nós podemos fazer. E eu acho que quando o público admira algum artista e o vê tomando essa posição, ele acaba se envolvendo mais com isso e procurando saber sobre o que o ídolo está dizendo”.

A noite seguiu assim: grandes artistas e vozes do Brasil defendendo o direito ao respeito e à dignidade tanto em cima quanto fora dos palcos. Além dos citados acima, Emanuelle Araújo, Pretinho da Serrinha, Mart’nália (com camisa escrita “Eu curto macumba” e cueca com as cores do arco-íris) e Zélia Duncan também se apresentaram, levando a plateia do Circo Voador a aplaudir discursos de inclusão, tudo em clima de celebração e luta.

Este slideshow necessita de JavaScript.

No final, uma ideia tida na véspera por Carlos Tufvesson trouxe lágrimas aos olhos de quem estava presente. Emanuelle, Toni, Roberta, Mart’nália, Zélia, Simone e Teresa subiram juntos ao palco para homenagear Cazuza (na próxima semana serão lembrados os 25 anos de sua morte). Sob a lona que era sua segunda casa e reduto de sua irreverência artística, os artistas cantaram “Pro dia nascer feliz”, ajudados pelo coro do público.

“A vontade é que essa noite nunca acabe. A vibe aqui está acima da campanha, são pessoas unidas em busca de um futuro melhor”, comentou Tufvesson após a apresentação, também visivelmente emocionado. Sobre a homenagem a Cazuza, ele diz que convidou Lucinha Araújo para comparecer ao evento, mas a mãe do artista preferiu não ir, dada a carga emocional do tributo. “Eu não acredito em coincidências. Esse show acontecer aqui, na casa dele, uma semana antes de completar 25 anos da sua morte é muito simbólico. E essa energia positiva é quase palpável”, disse, frisando que todas as atrações da noite estavam ali como voluntárias. Ao final, Carlos aponta para o público e diz: “O país deve perdão a essas pessoas”. É, como disse Preta Gil, um dia teremos uma sociedade mais justa. Mas, por enquanto, o momento é de celebrar sem jamais se esquecer da luta que ainda vem pela frente.