Após arraso na passarela da SPFW, Lino Villaventura afirma: é preciso ter você mesmo como inspiração para segurar a onda do Brasil atual!


Prestes a estrear no teatro assinando o figurino de versão brasileira do musical “Nine”, Lino Villaventura fala com exclusividade sobre seu processo criativo e sobre o encontro com Beatriz Segall, que também participa da montagem nacional do espetáculo

Lino Villaventura dispensa apresentações. Considerado um dos maiores estilistas de alta costura do Brasil, ele é uma espécie de vulcão criativo, cuja ebulição se revela na passarela em dois momentos: quando as peças são desfiladas e após a fila final, quando o designer entra em cena carismático, mas imponente, saudando o público – hora em que se percebe que sua persona e obra são praticamente uma coisa só. Esse misto de imponência com orgulho de ter realizado um bom trabalho é crucial para o momento em que o país vive atualmente, assolado por crise econômica que destrói egos, esperanças e o desejo individual de tocar adiante qualquer empreendimento. Aliás, um dos assuntos que mais despertam a verborragia de Lino, que diz: “´É imperativo ter você mesmo como inspiração, além de algumas outras referências, claro, inclusive num período de recessão como esse. É preciso acreditar em si sempre”. Sim, ele talvez contribua para tornar a autoestima dos brasileiros um pouco melhor.

Lino Villaventura: "autohomenagem no ano em que a SPFW comemora 20 anos, na contrapartida das dificuldades do Brasil de hoje Foto: Reprodução)

Lino Villaventura: autohomenagem no ano em que a SPFW comemora 20 anos, mas na contrapartida das dificuldades do Brasil de hoje Foto: Reprodução)

No desfile externo deste início de tarde, realizado no Museu Afro Brasil, fica clara essa linha de pensamento do estilista. Aproveitando o ensejo dos 20 anos de SPFW, Lino fez  um desfile memorável em que revisitou seus outros shows desde 1996. Ele foi no seu acervo, garimpou peças de outras apresentações das quais nem se lembrava direito, como cabeças e lentes de contato usadas para arrematar o styling de várias de suas coleções, percebendo que, embora fossem itens de outrora, ainda tinham muita coisa a lhe dizer. Daí, meteu bala, misturou com novas peças, recriou, mexeu daqui e dali. Tudo virou coisa atual, de acordo com a realidade que o criador vive hoje em dia. Estava armado o novo desfile. Ele comenta com exclusividade ao HT: “Essas cabeças, por exemplo, sempre são importantes para mim porque, além de cereja do bolo, resolvem a questão de encobrir os cabelos, já que demoro a ficar satisfeito com eles. Daí usei tanto as antigas quanto as novíssimas, recém-saídas do forno”.

Ele ressalta que agora também usou calçados de desfiles de 1997, 1998. E lentes de contato de 2006: “Tinha de todas as cores, adoro! Desde as negras e vermelhas até as brancas do icônico desfile de 1996”. Não é a toa que ele chamou para abrir o desfile Marina Dias, que foi a modelo-símbolo dessa apresentação. Um show. A modelo diz: “Esse evento me marcou profundamente, foi quando todos se deram conta de que uma top toda tatuada podia existir”. Ele destaca: “Esse desfile foi único. Quis Marina agora de novo, mas também me encantei com o Goan Fragoso (modelo louro andrógino). Meti nele a cabeça de cobra que trouxe da Tailândia e que já tinha sido usada nesse figurino novo que fiz. Deu certíssimo”.  Impactante, sem dúvida!

Além de Marina e Goan, outra top teve participação memorável no fashion show de hoje: Renata Scheffer, carioca, hoje morando em Paris, que ficou encarregada de fechar o desfile, toda lânguida, descendo a escadaria da boca de cena de forma sinuosa, quase inebriada. Entre ela e Marina existem quase 20 anos de estrada, mas a moça cumpriu o papel performático com louvor. Ela dá sua opinião: “A possibilidade de interpretação num evento de Lino é única e vai alguns decibeis acima da média. Isso para nós é uma dádiva”.

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De certa forma, permanecem as nervuras, volumes e amassados nervosos que caractertizam a trajetória de Lino Villaventura por todo esse tempo. E é o próprio estilista, quando questionado sobre ter sido um pouco mais seco na edição inverno 2015 e agora ter voltado de certa forma às origens quem elucida o assunto: “Tudo vai de acordo com o que estou sentindo. Não sigo tendências, tudo sai da minha cabeça, daquilo que percebo no momento. E gosto da pressão, da adrenalina. Até poque criar para mim é rápido, executar é que demora. Até brinquei com minha equipe atual, que só deve ter um ou dois integrantes da trupe de 20 anos atrás. Mandei na lata: ‘Estão vendo como eu era muito mais enlouquecido naquela época e como vocês teriam sofrido para verter em realidade essas ideias?’. Hoje estou muito mais comedido, devo ter amadurecido. Mas isso não quer dizer que não possa olhar para essa minha estrada e voltar no tempo nessa coleção, ainda que revendo, renovando, atualizando, reinventando”. Fato. E completa: “Até por que estou fazendo o figurino da versão brasileira de ‘Nine’. Por isso ando meio felliniano”, ri, se referindo ao musical que no cinema teve Daniel Day-Lewis, Penelope Cruz e Sophia Loren no casting. “Foi um convite de Claudio Botelho e Charles Möeller e estou adorando. Sábado vou ter a primeira reunião com Beatriz Segall, que faz parte do elenco”, finaliza.

Quem talvez corrobore com Lino, sobre o quanto a forma de fazer moda na passarela pode ter mudado desde os anos 1990 para cá, seja o DJ Felipe Venancio, responsável pela trilha sonora do desfile. Aliás, de todos os do estilista paraense radicado entre Fortaleza e São Paulo nos últimos dez anos: “Como o show de hoje é uma reedição de movimentos passados, peguei músicas que já tínhamos usado e mixei, misturei, amalgamei. Usei desde “Funeral of Amenhotep III”, de uma ópera de Philip Glass, até Nina Hagen, com “Tiatschi-Tarot”, passando por “Model”, do The Balanescu Quartet e “Revolutions”, do Melodrom. Tudo isso é Lino”, afirma Venancio, que ressalta a importância desse tipo de trilha sonora: “Ela representa uma fase peculiar da moda no Brasil, quando ela se tornou profissional nas passarelas e concedeu visibilidade lá fora ao Brasil. Pena que esse tipo de música elaborada hoje em dia não esteja sendo mais feita nas semanas de moda, ela está rara. A vibe agora é pegar carona num artista ou grupo que está bombando nas paradas de sucesso e associar seu nome à marca”.

Lino parece concordar com Felipe: “Olhar para o passado é bom, até porque o Brasil ainda é embrionário na moda sob muitos aspectos”.