Fabiane Pereira entrevista Lucia Morais e sobre a Trupe PequenAlegria, exemplo de transformação social através da leitura


Nossa colunista foi atrás de conhecer o projeto O livro bate à sua porta, que percorre residências, creches e estabelecimentos comerciais de algumas comunidades carioca. Com produção d’A  Trupe  PequenAlegria formada  por  três  mulheres  contadoras  de histórias, Lucia Morais, Arlene Costa e Marcia Costa, o projeto vai continuar realizando suas ações apesar deste mundo louco. Por isso, Fabiane usa este espaço para apresentar a vocês, Lucia Morais

*Por Fabiane Pereira

Lucia Morais

O mundo anda muito estranho. O Brasil está andando pra trás na velocidade da luz. Tenho medo de ser queimada na fogueira em praça pública, mas iniciativas como esta, idealizada pela Trupe PequenAlegria, me faz voltar a ter esperanças na humanidade.

Conheci o projeto O livro bate à sua porta através do músico Raphael Moreira – idealizador de outro grande projeto, o Samba Menino – e me apaixonei logo de cara. Projetos que distribuem livros e propagam o prazer da leitura me conquistam porque não existe, a meu ver, nada mais importante do que ler.

O livro bate à sua porta nasceu da vontade de levar a leitura para lugares onde os livros não chegam com tanta facilidade. Com o objetivo de mobilizar pessoas, dando a elas o suporte necessário para que possam ser agentes de transformação em seu meio social. Com uma equipe enxuta liderada por três mulheres empreendedoras e conscientes do seu papel na sociedade, o projeto visita todo ano várias comunidades e deixa em cada uma delas uma caixa em MDF personalizada em formato de estante de livros. Além disso, durante as visitas nos locais públicos (restaurante, salão  de  beleza, biblioteca) o projeto realiza saraus, contações de histórias e diversas atividades ligadas ao estímulo e ao prazer da leitura.

Lucia Morais, diretora do projeto, explica que ele surgiu quando ela reparou que as pessoas não se dirigiam à biblioteca. “Percebi que havia uma demanda enorme de crianças brincando nas ruas e as bibliotecas públicas vazias, então criei o projeto”, conta. “Via muitas pessoas em frente às suas casas à toa e muitas vezes pensei em parar e ler algo para elas. Daí concluí que se a comunidade não vai à biblioteca, a biblioteca vai à comunidade”, relembra. E é assim, de lar em lar, que o projeto vem a cada ação se tornando mais bem sucedido.

O livro bate à sua porta percorre residências, creches e estabelecimentos comerciais de algumas comunidades carioca. Com produção d’A  Trupe  PequenAlegria formada  por  três  mulheres  contadoras  de histórias, Lucia Morais, Arlene Costa e Marcia Costa, o projeto vai continuar realizando suas ações apesar deste mundo louco. Por isso, uso este espaço para apresentar a vocês, Lucia Morais. Tenho certeza de que se apaixonarão por ela e pelo projeto como eu.

FP: Como e há quanto tempo surgiu o projeto “O livro bate à sua porta”?

LM: O projeto surgiu em 2009, pelo fato das pessoas não se dirigirem à biblioteca por acharem que a leitura não era valorizada, por eu ver tanta criança à toa nas ruas, muita das vezes brigando entre elas e por ver pessoas em frente as suas casas ociosas. Daí nasceu o desejo de parar e ler algo, um poema, uma anedota e pensei: se a comunidade não vai à biblioteca, a biblioteca vai à comunidade e de lar em lar, uma ação bem formiguinha. Uma maneira de levar a leitura até as pessoas e tirá-las um pouco do ócio aproximando-as dos livros, oferecer uma ajuda significativa para o problema da falta de interesse pela leitura.  Enfim por perceber a necessidade de envolver a comunidade, as famílias no universo da leitura, acreditando que o hábito transforma, muda o indivíduo, muda a sociedade. E vencendo a crença limitante de que as pessoas não gostam de ler. Fui voluntariamente devagar numa casa aqui, noutra ali e, aos poucos, fui executando essa prática. Até chegar ao ponto de pedirem para eu ir às casas mediar leitura, contar uma história, levar um livro e as pessoas começaram a se reunir nas casas para conhecer melhor o projeto e, em mim, foi crescendo o desejo de expandir mais, de democratizar, fazer com que estas pessoas se tornassem atores principais dessa ação.

FP: Quantos espaços já foram visitados desde que o projeto existe e quantas pessoas, aproximadamente, já foram impactadas pelo projeto?

LM: Já foram visitados restaurantes, salão de beleza, lanchonetes, residências, apartamentos, feira livre, escolas e creches municipais, bibliotecas comunitárias na Mangueira, Maré, Rio das Pedras, Ladeira dos Tabajaras, Morro dos Cabritos, Cerro Corá. Contabilizando mais de 5.000 mil pessoas impactadas pelo projeto.

FP: Na sua opinião, de que maneira o Estado pode auxiliar no fomento de iniciativas como a sua?

LM: Fornecendo recursos para realizar a ação como: remunerar pessoas envolvidas para custear passagem e alimentação; pagando cachês para escritores e contadores de histórias promovendo atividades culturais de qualidade. Com este custeio, podemos estruturar com mais eficácia a ação e alcançar objetivos maiores como disseminar e democratizar, cada vez mais, a leitura e estimular o gosto por uma leitura de qualidade.

FM: Com que idade a literatura passou a fazer parte da sua vida? Você tem alguma lembrança afetiva de momentos literários na infância?

LM: Na verdade, vim de uma tradição oral, do Amapá, meu lugar de origem, onde ouvia muitas histórias contadas por minha avó. A literatura chegou em minha vida quando fui para a escola por volta dos oito anos, mas para valer mesmo aos 13 anos. Morava com mamãe e a vovó em uma casa alugada sem ter paradeiro certo. Foi numa dessas andanças que paramos numa casa no Bairro Santa Rita, residência, espaçosa, com quartos grandes e num deles foi onde obtive um achado: um enorme baú, todo empoeirado e cheio de velhos livros, com folhas mofadas. Foi naquele baú que tive meu primeiro contato com Olavo Bilac, Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias. Mesmo achando complexo o que lia naquelas páginas corroídas pelas traças, achava tão lindo canção do Exílio, ouvir Estrelas e meus oito anos.  E passei a copiá-los em meus cadernos e gostava de distribuir para os amigos e professores na escola. A página menos corroída do livro eu colava no caderno. E foi a partir de então que despertou meu interesse por poesias e passava horas absorvida escrevendo em meu caderninho, não trocava aquilo por nada.

FP: Você acredita que é possível transformar um “adulto-não leitor” em um “adulto- leitor”? De que maneira?

LM: Acredito sim, tenho plena certeza e histórias concretas disso. Adultos, inclusive professores que não tinham o costume de ler, a partir de minhas intervenções,  passaram a ter gosto pela leitura. A melhor forma é apresentar a leitura de maneira atraente, sedutora, com encantamento, emoção, amor e com textos interessantes de acordo com o perfil da pessoa. O processo é lento mas aos poucos podemos aumentar o grau de leitura. É possível sim!

FP: Qual o momento mais marcante que você já vivenciou através do projeto? Onde ele aconteceu e por que ele lhe marcou?

LM: Foram tantos momentos marcantes e emocionantes que já vivenciei, sozinha e com as companheiras da Trupe PEQUENALEGRIA, Arlene e Marcia. Mas vou contar um bem recente ocorrido durante a ação d’O livro bate à sua porta. Fomos na residência de uma senhora de oitenta e poucos anos, quando nos despedimos ela disse: foi muito bom ter vocês aqui na minha casa, sabe como é a gente que vive sozinha, não tem ninguém para conversar e vocês vieram alegrar minha vida. Me emocionei, isso é gratificante  e é o objetivo do projeto proporcionar entretenimento, alegria.

*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Jornalismo Cultural” e “Formação do Escritor”, mestranda em “Comunicação, Cultura e Tecnologia da Informação” no Instituto Universitário de Lisboa. Curadora do projeto literário “Som & Pausa” e ainda toca vários outros projetos pela sua empresa, a Valentina Comunicação, especializada em projetos musicais e literários. Foi apresentadora do programa Faro MPB na MPB FM, por quatro anos e, agora, na Paradiso.