Beatriz Milhazes fala sobre a carreira internacional, a exposição no espaço Carpintaria e o documentário Arquitetura da Cor


A ideia do doc partiu da vontade do diretor José Henrique Fonseca em filmar o processo de criação da artista para uma mostra que foi exibida na Suíça e falava sobre as estações do ano

Beatriz Milhazes é brasileira, mas ganhou o coração do mundo inteiro. Mesmo tendo a pintura como seu objeto de excelência, a artista trabalha com murais de arquitetura, colagens e esculturas. Ela é um dos maiores nomes da arte contemporânea atual e já teve obras espalhadas pela Itália, Japão, França, Suíça, Portugal, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra e Espanha. Algumas delas, fazem parte do acervo de museus importantíssimos como o Reina Sofia de MadridThe Metropolitan Museum of Art de Nova York. Atualmente, a exposição Marola, Mariola e Marilola está sendo exibida no espaço Carpintaria, perto do Jockey Club. O acervo é resultado da experimentação de cinco anos da artista em desbravar o universo da escultura que não é sua especialidade. São três obras que parecem ter saído das suas pinturas para o mundo real e já foram exibidas em Nova York e Paris. “Gosto muito de desafios e, aos poucos, senti a necessidade de sair do plano e ir para o 3D. Queria pesquisar sobre algo novo e, em 2008, passei a abrir um espaço no meu estúdio para trabalhar com escultura. Não foi uma forma de sair da minha zona de conforto porque acho que o artista vive, o tempo todo, descontente. Há sempre coisas novas para inquieta-lo, mesmo sabendo muito da área que você está atuando”, afirma Beatriz.

Marola, Mariola e Marilola fica em exposição até dia 16 (foto: divulgação)

Apesar de ter uma longa lista de condecorações, a sua rotina é constantemente inquietante. Mesmo sendo muito respeitada no meio, ela enfrenta todos os problemas que uma artista normal passa. “Minha maior dificuldade foi criar um corpo que tivesse no mesmo espaço que o das pessoas de forma que elas pudessem observá-los de vários ângulos diferentes. Apesar de vir do mundo abstrato, ele ocupa um espaço real”, informa. Por ser famosa, a expectativa das pessoas aumenta o que faz com que a cobrança seja grande.

Flores e círculos aparecem constantemente na obra (foto: divulgação)

Assim como nas telas, é possível observar a presença constante de círculos e flores nas esculturas. Apesar de não ter um objeto físico de inspiração, estes elementos marcam presença em grande parte das obras por inúmeros motivos. “A flor, por exemplo, tem uma simbologia muito forte e traz a importância que a natureza tem na minha vida. Além disso, ela passa por todos os rituais humanos sejam eles tristes ou felizes. No meu trabalho, se destaca pela construção das cores que sempre são muito importantes na tela. A partir da flor, novas formas se originam em uma grande construção de camadas”, conta. Beatriz traz para as suas obras, obviamente, referências do mundo onde vive e esta rotina é de onde retira estímulos para produzir. “A obra é minha inspiração. O ato de fazê-la e criá-la. Trago referências artísticas e da minha vida pessoal, mas no momento de produzir é importante para mim deixar o mundo fora”, complementa.

O principal objetivo da artista é que as pessoas sejam tocadas pela obra(foto: divulgação)

O resultado final, no entanto, não possui uma mensagem a ser captada pelas pessoas. O objetivo da artista é fazer com que o público consiga se sentir afetado pela obra. “Quero que elas possam viver, conversar e sentir o trabalho. Quero que o público e os curadores se envolvam com as telas, colagens e esculturas. Não existe um tema que deve ser compreendido por todos, por isso amo a abstração porque abre portas para a relação do indivíduo com a obra. Cada pessoa sente coisas diferentes: alguns dizem estar claustrofóbicos e outros felizes. Minha preocupação é desenvolver algo, não adianta focar em uma mensagem porque esta é relativo”, garante a artista que começou a criar arte nos anos 80.

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Mesmo não trazendo nenhuma mensagem formalizada, a artista não deixa de ser muito cuidadosa com o tipo de trabalho e imersão que proporcionará ao público. Tudo que sai de dentro do seu ateliê possui o aval de qualidade da mesma que sempre procura estar certa sobre o resultado de suas obras. “Assim, me comunico com as pessoas da forma mais pura e honesta”, informa. O documentário Arquitetura da Cor busca entender como funciona este processo de criação que leva Beatriz a confiar em uma de suas obras. “Cada artista tem seus interesses, questões e ideias que acha pertinente transformar em arte. Não existe um processo criativo propriamente dito, o que acontece é um desenvolvimento das influências que tenho ao meu redor e me inspiram. Além disso, cada trabalho demanda um esforço e rotina diferente. Minha forma de produzir é bem racional e natural, adoro criar camadas e testar novos elementos para evoluir dentro da minha própria criação”, comenta. A pintura é a base de sua carreira, mas conseguiu crescer dentro desta e expandir sua área de atuação.

Beatriz Milhazes já teve suas obras expostas em Veneza, Nova York e
Paris (foto: Vicente de Paulo)

A gravação foi feita ao longo de cinco anos e, no final, são apenas quarenta e cinco minutos de documentário. A ideia partiu da vontade do diretor José Henrique Fonseca em filmar o processo de criação da artista para uma mostra que foi exibida na Suíça e falava sobre as estações do ano. Várias pessoas e críticos da arte dão o seu depoimento sobre a profissional. “O diretor observou meu trabalho ao longo dos anos e começou a criar um roteiro a partir do que via. Utilizou o depoimento do Paulo Herkenhoff, um crítico de artes do Rio que foi diretor do MAR. A partir deste relato, selecionou pessoas que passaram pela minha vida ao longo destes anos e buscou viabilizar estas gravações porque várias foram feitas com uma turma de fora”, contou. Além de Paulo, Adriana VarejãoLuiz ZerbiniChristian LacroixMario Testino e muitos outros participam do filme.

O diferencial deste trabalho foi poder ver em tempo real a forma de trabalho da artista, sem ser nada ensaiado. A mesma ligava a câmera e desligava quando queria. Apesar de não gostar de mostrar seu momento íntimo de criação, Beatriz acreditou que o projeto do diretor fosse muito importante para os tempos atuais. O público não está mais satisfeito em ver apenas o produto final da obra. “Acho que a curiosidade de saber como funciona a criação do artista vai continuar com a gente porque é mais uma forma de arte que está ganhando maiores interessados. As pessoas querem saber o que é ser um artista e o que levou o mesmo a produzir certo quadro. A verdade é que ninguém sabe como a mente deles funciona dentro de um ateliê. Ver o resultado final é bacana, mas o produto não é o único interesse mais. O espectador verá um pouco da complexidade do artista”, afirma. No entanto, o documentário não tem uma relação especifíca com alguma obra em comum, é apenas uma forma de mostrar ao público como é sua relação com a arte, fazendo assim uma ponte entre a criadora e a criação.

O diferencial deste documentário foi poder ver em tempo real a forma de trabalho da artista, sem ser nada ensaiado (foto: Vicente de Paulo)